O que aconteceu em Brasília no dia 8 de janeiro tem todos os ingredientes de uma “revolta de massa”: um coletivo confuso e revoltado, sem pautas claras. Sempre causam destruição. O Nobel de Literatura Elias Canetti já explicara, em Massa e Poder, que tais massas marcham para prédios públicos que sejam símbolos do poder. Já Ortega y Gasset, em A Rebelião das Massas, explica que “as massas populares costumam procurar pão, e o meio que empregam costuma ser o de destruir as padarias”.
Isto posto, nada pode ser pior para explicar a balbúrdia e para supostamente “evitá-la” do que a narrativa reducionista do estamento (poder público, mídia e classe falante): a de que é preciso aumentar o já indesculpável autoritarismo brasileiro para combater supostos “golpistas”, “terroristas” e os chamados atos “antidemocráticos”. Tal verborreia paranoica e totalitária só causou mal ao país — porque ela é mentirosa e ditatorial.
Com a repetição goebbelsiana de termos sem passá-los pela reflexão, tem-se a impressão de que o Brasil está à beira do Quarto Reich. Enquanto a mídia descreve o cenário de “terrorismo”, mostra imagens em sua quase totalidade de gente simples, com rostos pobres e cansados — ao invés de vídeos de causar pesadelos por semanas como os do Estado Islâmico.
Enquanto a mídia só repete as mesmas imagens de depredações, esconde os muitos vídeos mostrando que a maioria estava pedindo para ninguém quebrar nada a uma minoria que, desesperada como sói, partiu para a depredação momentânea. Curiosamente, em junho de 2013, black blocs eram apenas “uma minoria de vândalos”, em expressão que ficou marcada pela repetição automática. Por que agora termos como terroristas e golpistas são usados em idêntica repetição?
A minoria de 2023, tratada com termos reservados apenas a facínoras, cometeu o crime óbvio de depredação. O que não justifica os crimes igualmente elencados na legislação que o outro lado comete reiteradamente — e não apenas num domingo de fuzarca.
Aliás, sejamos francos. O que você mais teme: um conjunto momentâneo de pessoas, em sua maioria simples, que resolve imitar a esquerda e arrebentar um prédio público uma vez na vida por desespero, ou burocratas com cargo vitalício, aboletados na máquina pública e agindo acima da Constituição, eliminando todas as liberdades do povo em ritmo acelerado todo santo dia?
De um lado, temos uma espécie de ala radical da torcida da Portuguesa — ou do Aparecidense, incapaz de lotar um terço de um estádio pequeno. De outro, numa lista não exaustiva, censura, quebras de sigilo em massa, buscas e apreensões, prisões arbitrárias, inquéritos ilegais e antidemocráticos sem fim, mais censura — inclusive prévia —, bloqueio de bens, concentração de poder, proibição de questionamento, leis criadas ignorando legisladores eleitos, proibição de críticas, dúvidas e questionamentos, demonização oficial de discordantes, culminando com campos de concentração — enfim, a ditadura. Qual dos dois lados é mais perigoso?
É difícil para alguém com um pingo de senso do ridículo acreditar que o maior perigo para o Brasil foi uma turma desesperada querendo auditoria eleitoral? Nenhum grito por uma ditadura, nenhum desejo de sangue, nenhum incêndio — como percebido por Alex Baur, da revista suíça Die Weltwoche —, nenhum perigo para a vida normal do país, nada de ganas por destruir um dos Poderes da República e concentrá-lo entre os seus cupinchas. Aliás, estes dois últimos elementos são cirurgicamente identificados no outro lado. E não em um domingo, mas em todas as horas de todos os dias, feriados inclusos.
A diferença de meios é patente: um lado tinha acampamentos que viraram uma invasão desesperada depois da eferverscência. A ação dura poucas horas. De outro, burocratas com todo o sistema a seu favor: polícia, Ministério Público, políticos, mídia e — oh, ironia — Forças Armadas. Fora o apoio internacional. Do lado dos “vândalos”, raros com alguma passagem pela polícia, ou que assuste quem cruze com eles na rua. Do lado dos engalanados burocratas de terno, o fim da liberdade.
Os perigosos “terroristas bolsonaristas”
O componente sádico é forçar a pecha de “bolsonarista” indiscriminadamente — o mesmo termo é utilizado para uma massa com vândalos no meio, e para qualquer um que não tenha passado os últimos anos inventando desculpas para os descalabros do PT e do estamento. Assim, “bolsonarista” é quem invade prédios e destrói pinturas e quebra gabinetes, e “bolsonarista” é quem não vota em corrupto. É com estas categorias que se “pensa” hoje.
Nunca que a mídia ou os operadores do Direito utilizariam um termo de maneira tão elástica se afetasse alguém de esquerda — como citar traficantes sempre marcando que são “lulistas” roxos já nas manchetes.
Pelo contrário: o candidato que sobe no Complexo do Alemão com boné “CPX” sem segurança ainda tem apoio da mídia, que alega ser “fake news” que a sigla seja a de uma facção criminosa. Mas a mesma mídia noticia fingindo terror que Lula teme por sua segurança — como se cada tiozinho corado de sol fosse um general ariano operador de uma câmara de gás. Já quando se sabe que a segurança da Praça dos Três Poderes foi misteriosamente relaxada pouco antes do fatídico 8 de janeiro, a notícia merece no máximo um pé de página.
É muito fácil culpar caminhoneiros com quarta série completa, que passaram meses comendo arroz com ovo na porta de quartéis por desespero e como única esperança de se sentirem ouvidos e representados. E na inculpação coletiva — laboração geneticamente totalitária — vão se criminalizando idosos e crianças, filhos de gente pobre e aposentados que usaram seu tempo livre para algum ato de patriotismo — ainda que sem entender os próprios meios disponíveis —, enfim, famílias inteiras desesperançadas com sua própria situação.
O menoscabo elitista de um certo senhor que debochou de picharem “Perdeu, mané” nas dependências do STF (por terem escrito “perdeu” com um L), não tem nada de elevado: é apenas nojo pelo povo simples — isto logo após esta terrível chacota com os anseios de pessoas comuns que, expressando-se bem ou não, gostariam de uma mínima participação no processo de auditoria democrática.
Ora, quem tem obrigação de ter uma linguagem que não seja de “mané” são as altas autoridades. Estas também têm obrigação de seguir a lei, e não inventar “políticas”, conversar com imitadores de foca que fazem propaganda partidária aberta e postar músicas como “Já vai tarde” na semana eleitoral. É difícil crer que um juiz norte-americano, europeu ou de qualquer país com instituições sérias não enfrentaria a própria lei — e as grades — por partidarismo.
Na verdade, todos sabem do óbvio: a esquerda e o estamento passaram o domingo soltando fogos, por finalmente terem uma narrativa modelo “Capitólio brasileiro” para vender. Devem ter brindado com champanhe de R$ 50 mil a garrafa e lagosta. Agora, têm a desculpa perfeita, pela qual tanto ansiavam, para ser os ditadores que sempre foram — com beneplácito da mídia, que deveria vigiá-los.
Tratar aquela gente simples, incluindo idosos, como “terroristas, antidemocráticos golpistas e bolsonaristas fascistas”, e depois chamar 49,1% do país pelo mesmo termo, não é apenas um erro: é uma senha nada disfarçada para o totalitarismo.
Leia também: “O Brasil da obediência”, artigo de J.R. Guzzo publicado na Edição 147 da Revista Oeste
Não entendi o título da matéria.Acho que ficou faltando um ponto de interrogação.
Não, o vandalismo é infinitamente menos grave.
Nos deram espelhos e vimos um mundo DOENTE.
(Renato Russo)
Que texto lúcido, coerente, espetacular! Obrigada, Flávio!!
Parabéns, um dos melhores textos que li nos últimos dias. Retrata bem a realidade imunda e nojenta a que estamos submetidos.
Bicho, muito bom. Parabéns, Flávio, foi um belo esporro.
Pena que não serve pra nada, mas ao menos alguém na mídia não está tentando ser “limpinho”.
Será que eles sabem a diferença entre vandalismo e terrorismo? O que estamos vivendo agora????
Ao que parece , as pessoas presas foram aquelas que não estavam no ato de vandalismo e sim na frente dos quarteis, tendo sido entregues pelo próprio exército.
Seria interessante que a justiça mostrasse a identificação dos vândalos cometendo atos de vandalismo, porque vários estavam protegendo o patrimônio público dos infiltrados.
P texto esclarece de forma definitiva o que foi o domingo 08/01/2023. Quem danificou o patrimônio público tem que ser punido. Isso é certo. Agora, querer punir 1.500 (mil e quihentas) pessoas ou mais por atos de vandalismo é ato político de Esquerda irresponsável e oportunista. Condenações para aqueles que merecem ser condenados, mas nada de injustiça. Esse tema tem tomado muito tempo da imprensa e das pessoas e os verdadeiros problemas do Brasil, bem conhecido de todos, vêm sendo negligenciados.
Precisa ser um grande idiota para equiparar os três.
Todos os desejos fortes, arrogantes e desdenhosos direcionados ao outro voltam muitas e muitas vezes triplicados a quem os sentem. O povo mané perdeu a liberdade de expressão, perdeu o direito de fazer manifestações pacíficas, mesmo autorizadas pela Constituição ignorada, perdeu o direito democrático de concordar ou criticar os governantes e políticos e magistrados que cometem algum erro ou tem ideais diferentes; muitos perderam a liberdade sem motivos legais, estamos perdendo nossa Pátria para um sistema autoritário… sim… mas o “Perdeu, Mane! Não amola!” pronunciado com forte carga emocional, também já retornou com a primeira perda, a de sua esposa, que deixou de sofrer as dores do cruel câncer… muitas e muitas outras perdas se seguirão… ação e reação infalível… carma grande, ele que se prepare, e todos os outros que estão causando muitos ais em gente inocente Brasil afora. Essa justiça é infalível… muitos algozes sentirão na própria pele os efeitos de suas atitudes crudelíssimas e injustas.
Sobrou a Revista Oeste, a folha política e a Gazeta do jornalismo que mostra os fatos.
Youtuber, meta e etc vem ‘caçando” todos os da direita.
Em apenas 15 dias o desgoverno destruiu o Brasil.
Excelente texto. Indignação por ter um STF decadente e um governo de corruptos . Óbvio q o governo sabia dos riscos da manifestação, td bem orquestrado. O governo estava incomodado com os acampamentos nos quartéis a mídia internacional divulgando , diferente da velha mídia, a invasão foi td q precisavam. O ditador Moraes faz o serviço Sujo,enquadrando tds q la estavam como terroristas. Punir os vândalos sim, agora generalizar é imoral.