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Foto: Jorge Duarte/ EMBRAPA
Edição 103

“O Brasil vai alimentar o mundo”

Para Celso Moretti, presidente da Embrapa, está na hora de o país sair do corner e ir para o centro do ringue brigar pela verdade quando o assunto é produção agropecuária e preservação ambiental

Branca Nunes
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“Vivo repetindo para a minha equipe que precisamos fazer três coisas: comunicar, comunicar e comunicar”, explica Celso Moretti, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desde julho de 2019. Engenheiro-agrônomo com mestrado e doutorado em produção vegetal, ele tem uma certeza quando fala sobre meio ambiente e agronegócio brasileiros: “Nós perdemos a batalha da narrativa”, diz. “Não fomos capazes de deixar claro que podemos produzir sem desmatar.”

Mas ele não renuncia à briga. Em Copenhague, passou uma hora tentando explicar a uma dona de casa que a Amazônia não pode ser considerada o pulmão do mundo também porque é uma floresta muito antiga. Ainda na capital da Dinamarca, almoçou com militantes que tentaram impedir sua palestra bloqueando a entrada com cartazes que culpavam o Brasil pelas mudanças climáticas. E, em Bangladesh, não sossegou até provar na conversa com um taxista que a Amazônia estava muito longe da destruição.

Sempre decidido a restabelecer a verdade sobre a agricultura e a pecuária brasileiras, ele voltou a Dubai nesta semana. Há menos de um mês, durante a Expo Dubai, 114 empresas brasileiras negociaram mais de US$ 1 bilhão em proteína animal.

“Estamos há anos no corner, tomando direto no fígado e só nos defendendo”, observa. “Está na hora de ir para o centro do ringue. Fornecemos comida para mais de 800 milhões de pessoas, usando menos de 30% do território. A verdade é que o Brasil vai alimentar o mundo.”

Confira os principais trechos da entrevista.

Como foi o desempenho do Brasil na Expo Dubai?

Além da Expo 2020 Dubai, participei da Gulfood, a maior feira de alimentos e bebidas do Oriente, onde estavam presentes 114 empresas brasileiras. Do ponto de vista dos negócios, foi fantástico para o Brasil, principalmente na área de carne bovina e proteína animal, que para os países árabes são frangos e patos, já que eles não comem suínos. Foram fechados negócios de mais de US$ 1 bilhão nos próximos 12 meses. Estavam presentes a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC). Conseguimos também desmistificar muitas coisas durante o evento.

Quais são os principais mitos que envolvem o agronegócio brasileiro?

Destacaria os assuntos ligados à preservação ambiental. O desmatamento ilegal precisa ser tratado como caso de polícia, não no âmbito do agronegócio. Posso garantir que cerca de 99% dos produtores rurais brasileiros respeitam a legislação. Gosto de três frases do William Edwards Deming, cientista de dados norte-americano, que prestou consultoria para a indústria japonesa durante muitos anos. Primeira: “Quem não mede não gerencia”. Ou seja, se você não tem indicadores para medir o seu desempenho, você não consegue gerenciar uma empresa, um negócio, ou a Embrapa, por exemplo. As outras duas são: “Em Deus nós acreditamos. Todos os outros têm que trazer dados”; e “Sem dados, você só é mais uma pessoa com opinião”. O que eu falo é baseado em dados, não há achismo.

O Brasil realmente consegue conciliar produção com preservação do meio ambiente?

Segundo dados tanto da Nasa quanto da Embrapa, o Brasil utiliza menos de 8% do seu território para a produção de grãos e outros cerca de 20% são pastagens, sejam nativas sejam plantadas. Somado tudo, usamos algo em torno de 30% do território para alimentar 800 milhões de pessoas por ano no mundo. Ao mesmo tempo, protegemos dois terços do país: mais de 65%. E essas não são só informações nossas. Recentemente, o Mapbiomas, que tem a Google por trás, confirmou esse número. Classifico quem critica o Brasil em três grandes grupos. Os desinformados, que simplesmente não têm acesso à informação; os bobos úteis, que recebem a informação errada e a multiplicam; e existem também os que participam de um jogo comercial pesado. Por exemplo: há três anos, a rede de supermercados Tesco, uma das maiores da Europa, interrompeu a compra de carne brasileira, sob o argumento de que ela, além de não ser rastreada, era produto do desmatamento. Ao almoçar com um diretor deles, mostrei que conseguíamos rastrear do rebanho ao bife que está na gôndola do supermercado. Mas não adianta. É uma propagação de mentiras. Nós perdemos a batalha da narrativa. Não fomos capazes de deixar claro que podemos produzir sem desmatar.

“Hoje, usamos pouco mais de 70 milhões de hectares para a produção de grãos. Mas temos a capacidade de no mínimo dobrar essa área”

Como fomos capazes de perder essa batalha?

Faltou organização do agronegócio. E eu me incluo nisso. Em vez de reagir, de ter uma postura proativa, ainda estamos no corner, tomando direto no fígado, no queixo. Só nos defendendo. Poderíamos estar no meio do ringue distribuindo pancada. Nós alimentamos 800 milhões de pessoas usando menos de 30% do território. Enquanto o mundo está falando em descarbonizar, a agricultura brasileira já é descarbonizada há mais de duas décadas. Faltou as diferentes empresas se juntarem para fazer um branding Brasil.

De tanto levar pancada, o Brasil está cada vez mais acuado?

Não sei se é medo. Parece algo antropológico, essa síndrome de vira-lata. No agro, somos líderes globais. Somos uma potência agroambiental. O Brasil passou muitos anos olhando só para o seu umbigo. Aqui na Embrapa, tenho falado para o meu time que a arena agora é global e é lá que vamos jogar. Nenhum país é mais competente que nós no mundo tropical. Temos de mostrar isso. Ver quem está batendo e conversar. Sentar com representantes dos jornais Le Monde e Le Figaro, por exemplo, e fazer um seminário para eles. Mais do que a qualidade da alimentação, o problema do planeta ainda é a alimentação em si. Quase 1 bilhão de pessoas vivem hoje com menos de US$ 2 por dia. É preciso ofertar comida para essa gente.

Os países europeus sentem medo da potência do agro brasileiro?

A verdade é que o Brasil vai alimentar o mundo. Hoje, usamos pouco mais de 70 milhões de hectares para a produção de grãos. Mas temos a capacidade de no mínimo dobrar essa área. E não estou falando da Amazônia, mas de terras localizadas principalmente no Nordeste e Centro-Sul do país. Imagina como isso não incomoda um produtor de leite do interior da França, por exemplo. Ele nunca vai conseguir competir com o produtor brasileiro na hora em que decidirmos começar a exportar leite. Existe um jogo comercial pesado. E só conseguiremos vencê-lo com muita comunicação. Falo para a minha equipe que precisamos fazer três coisas: comunicar, comunicar e comunicar.

Como o agronegócio brasileiro será afetado pela invasão da Ucrânia pela Rússia?

Depende muito da duração do conflito. Uma das grandes preocupações diz respeito à dependência que temos dos fertilizantes. Estamos alertando para isso há pelo menos duas décadas. No ano passado, importamos 85% dos fertilizantes para soja, milho e algodão. Não é possível depender totalmente de um insumo tão importante. Cerca de 50% do potássio que utilizamos vem da Rússia e de Belarus.

O Brasil sempre dependeu tanto da importação de fertilizantes? Quando começou essa dependência?

No início dos anos 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso tirou todos os impostos para a importação de fertilizantes. Assim, ficou mais barato importar do que produzir. Para mim, isso é falta de visão de futuro. Os Emirados Árabes, por exemplo, pensam o país para os próximos 30, 40 anos, não a curto prazo. Se tivéssemos a mesma capacidade de planejamento, não teríamos deixado isso acontecer. Até pouco tempo atrás, a Petrobras estava trabalhando na produção de adubo nitrogenado, mas por uma série de questões decidiu-se que a estatal não produziria mais amônia. Em Altazes, no Pará, temos uma reserva de potássio gigantesca, mas para explorá-la é preciso destravar as questões ambientais.

O que a Embrapa tem feito para que as consequências da guerra afetem menos possível o agronegócio brasileiro?

A Embrapa começará agora a caravana FertiBrasil. Vamos percorrer 30 polos agrícolas do país para ensinar ao produtor eficiência no uso de fertilizantes. Até setembro, nosso objetivo é aumentar essa eficiência de 60% para 70%. Isso pode significar uma economia na próxima safra de US$ 1 bilhão em custo de produção. Muitos produtores utilizam receitas prontas para aplicar adubos no solo. Uma receita mágica é a fórmula 4, 14, 8 (4 partes de nitrogênio para 14 de fósforo e 8 de potássio). Com ela, você até fornece o que a planta precisa de comida. Mas, em vez de fazer isso, é muito melhor analisar o solo e ver exatamente do que ele precisa, dependendo da cultura plantada ali. Dando esse tipo de informação, o produtor brasileiro pode ser muito mais eficiente no uso de fertilizantes.

Leia também “Christian Lohbauer: ‘As críticas aos pesticidas são ideológicas’”

16 comentários
  1. Hailton Azevedo Pelaes
    Hailton Azevedo Pelaes

    Temos que começar a bater nos ambientaloides e mulas sem cabeças tupiniquins. Levar esses dados para os alunos desde o ensino básico até ao universitário.

  2. Lucio Flavio Gonçalves
    Lucio Flavio Gonçalves

    O GOBALISMO QUER NOS DESTRUIR, A MIDIA É DELES,TODOS ELES SABEM DA VERDADE, MAIS BATEM NA MENTIRA, SIMPLES

  3. Antônio Cesar Bortoletto
    Antônio Cesar Bortoletto

    Parabéns Dr Celso Moretti
    A Embrapa é orgulho do Brasil
    Comunicar, Comunicar e comunicar
    Orgulho de ser embrapiano

  4. Jenisvaldo Oliveira Rocha
    Jenisvaldo Oliveira Rocha

    Gostei da dica NPK 4 14 8

  5. Daniel BG
    Daniel BG

    O “pulmão do mundo” está nos oceanos. São as algas marinhas. O resto é balela.

  6. Eric Kuhne
    Eric Kuhne

    Parabéns à Embrapa por detectar o principal erro, que é mesmo a falta de comunicação esclarecedora. Sugiro criarem um “fact checking” de âmbito mundial, para não deixar que besteiras se propaguem. Quem quer ser enganado não vai ligar pra isso, mas é grande a porcentagem de gente boa mas desinformada

  7. carlos roberto de moura
    carlos roberto de moura

    Estamos no corner como qualquer início de fábula ou filme dos EUA: o mocinho apanha sem dó no início, mas ressurge triunfalmente e derrota os vilões. Não em 1 ou 2 horas, como num filme de Hollywood, mas num tempo apropriado para que as mudanças ocorram na prática e não apenas na fantasia. Os seres humanos viveram e se desenvolveram por muitos séculos sem celular e sem internet; mas sem água ou comida, não.. Parabéns à Embrapa, desde os seus primórdios! (*)

    1. carlos roberto de moura
      carlos roberto de moura

      (*) É difícil argumentar com quem acha que o leite vem do supermercado, que a Amazonia é o pulmão do mundo ou outras bobagens ainda maiores. Não desejo isso, mas um dia essa gente vai querer trocar um celular por um pouco de comida.

  8. Celso Franca Ribeiro dos Anjos
    Celso Franca Ribeiro dos Anjos

    A falta de VERDADE nas informações em nosso Brasil é um entrave ao conhecimento do nosso AGRO

  9. Luiz Marins
    Luiz Marins

    A Embrapa é orgulho nacional e precisa ser mais divulgada fora do mundo do agro. O cidadão comum precisa saber mais da Embrapa e do agro

  10. suely m pfeifer
    suely m pfeifer

    Estou nesta briga faz tempo … O agro sustentável é nosso maior cacife ! Tem que haver genios de marketing patriotas que possam ajudar ! Informação, informação, informação sem esmorecer nem dasanimar !!!

  11. Marco Salvany
    Marco Salvany

    Excelente artigo! Parabéns ao autor e à revista. Ok

  12. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Já passou da hora do Brasil mostrar para o mundo que o nosso agronegócio não destrói o meio ambiente nem prejudica a Amazônia. Agora como se não bastasse os inimigos externos da nossa agropecuária ainda temos lidar com os inimigos internos. A entrevista deixou claro que mesmo em países ditos de primeiro mundo, Dinamarca, a ignorância sobre o Brasil é enorme. Nem falo de Bangladesh, país de quinto mundo.

  13. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Com especialistas como Celso Moretti e Evaristo de Miranda, que tanto enaltecem o agronegócio e seu meio ambiente, como podem a Globo, CNN e até Band News só falarem em desmatamento, incêndios e meio ambiente, deturpando e desinformando a população? Qualquer jornaleco da Globo matinal insiste em criticar o uso de defensivos e propaga a cultura orgânica como solução..

  14. Marcos José Gomes Viana
    Marcos José Gomes Viana

    A cidade é Autazes e fica no Estado do Amazonas.

  15. Valton Sergio von Tempski-Silka
    Valton Sergio von Tempski-Silka

    Se dois especialistas têm opiniões diferentes sobre um mesmo assunto, cada um deles deve utilizar o argumento mais forte em sua opinião, e isso traz proveito para a ciência, pois toda verdade só existe pela força dos argumentos que a afirmam, porém, com “especialistas”, não com motoristas de táxi, garçons, muares ideológicos, com estes (incluindo especialistas burros também) vale o velho conselho para o jogador de bete-ombro (bate-se com um bete que pode ser um cabo de picareta, ripa de cerca, sarrafo numa bolinha de tênis usada): NUNCA SE DEVE DEIXAR O MEDO DE BATER IMPEDI-LO DE JOGAR. Vão em frente e com a nossa torcida!

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