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Foto: Shutterstock
Edição 110

Microchips e batatas chips

Reconhecer que a dependência econômica entre todos os países de livre-comércio é mútua deveria pelo menos diminuir o mito de que é fácil repatriar as chamadas “cadeias de fornecimento”

Donald J. Boudreaux
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Nós, norte-americanos, estaríamos em situação melhor economicamente se o governo conseguisse aplicar uma “política industrial” para que produzíssemos mais microchips e menos batatinhas chips? Para muitas pessoas, essa pergunta parece boba porque a resposta devia ser óbvia.

Mas a resposta não é nada óbvia.

Não resta muita dúvida de que o governo dos Estados Unidos poderia usar tarifas, cotas de importação e exportação e subsídios para redirecionar mais recursos para a produção doméstica de microchips. E poderia até garantir que uma quantidade desproporcionalmente grande desses recursos redirecionados viesse da indústria de petiscos e salgadinhos. (Estou ignorando o fato de que, na verdade, é provável que uma quantidade desproporcionalmente grande de recursos direcionado de modo artificial para a produção de microchips não seja extraída da indústria dos petiscos e salgadinhos, mas de outras indústrias de alta tecnologia.) No entanto, é muito improvável que garantir que os norte-americanos produzam menos batatinhas chips e mais microchips traga benefícios econômicos líquidos para os norte-americanos.

Produção não é consumo. Usar tarifas, cotas e subsídios para garantir uma produção doméstica de menos batatinhas e mais microchips não garante que os norte-americanos vão conseguir usar mais microchips. Se o custo de produção doméstica desses microchips adicionais fosse mais alto que o custo já acarretado na importação da mesma quantidade de microchips — e que, sem tarifas, cotas e subsídios, ainda seriam cobrados para importar esses dispositivos —, esses microchips de produção doméstica se tornariam menos acessíveis para nós. Então como esse resultado pode ser considerado vantajoso para a nossa economia?

Sacrificar grandes quantidades de produtos X e serviços Y para adquirir uma dada quantidade do produto Z é o próprio significado de tornar o produto Z menos acessível. O fato de que nós produzimos mais Z não significa, portanto, que podemos adquirir e usar mais Z. Essa realidade é inescapável, quer “Z” sejam batatas chips ou microchips.

Se você duvida de mim, pergunte a si mesmo se os automóveis seriam mais acessíveis se você mesmo os produzisse, em vez de comprá-los de empresas como a Toyota ou a General Motors. Os automóveis seriam muito ou pouco acessíveis se você produzisse seus próprios carros?

Comércio é troca

Se o objetivo é aumentar o acesso dos norte-americanos aos microchips — aumentar nossa capacidade de adquirir e usar esses dispositivos de alta tecnologia —, deveríamos comprá-los da maneira menos custosa. E se estrangeiros estiverem dispostos a vendê-los por preços menores que os custos que teríamos para produzi-los internamente, então o nosso acesso aos microchips vai aumentar se os importarmos em vez de produzi-los.

Errado!” Já ouço protestos ansiosos. “Ao importar microchips, nos colocamos à mercê dos estrangeiros, que, no futuro, podem restringir nosso acesso a esse importante produto.”  

É possível. Mas essa possibilidade não é tão gritante quanto parece ser de início. O comércio não é um processo de doação unilateral. Comércio é troca. Ao exportar microchips, os estrangeiros se colocam à nossa mercê, os norte-americanos, que no futuro podemos restringir seu acesso a quaisquer produtos importantes que eles comprem de nós com os dólares que ganham com a venda dos microchips. Nós, norte-americanos, exportamos muito petróleo, produtos farmacêuticos, máquinas industriais, produtos agrícolas e ensino superior — ou seja, nós, norte-americanos, produzimos e exportamos muitos produtos e serviços importantes com os quais os estrangeiros contam. A perda do acesso a essas exportações norte-americanas enfraqueceria a economia deles. Temos razões suficientes para acreditar que os estrangeiros vão impedir nosso acesso aos microchips, considerando que isso, por sua vez, impediria o acesso deles a produtos como petróleo e medicamentos?

Um dos “produtos” que os estrangeiros desejam adquirir dos norte-americanos em troca das exportações que enviam para cá é o dólar norte-americano

Em resposta, não adianta dizer (corretamente) que os fornecedores estrangeiros de microchips podem adquirir petróleo, produtos farmacêuticos e máquinas industriais de países que não são os Estados Unidos. Em primeiro lugar, hoje os estrangeiros adquirem esses produtos e serviços dos Estados Unidos porque nós, norte-americanos, somos os fornecedores de baixo custo desses produtos e serviços especificamente. Assim, deduz-se que, se os Estados Unidos deixarem de exportar esses produtos e serviços para a China, por exemplo, eles poderão ser adquiridos pela China em outros países que não os Estados Unidos a custos mais altos do que os custos de adquiri-los nos Estados Unidos.

Em segundo lugar, e mais importante, assim como os estrangeiros poderiam importar, por exemplo, menos medicamentos dos Estados Unidos e compensar a diferença importando mais medicamentos de outros países, os Estados Unidos poderiam importar menos microchips da China e compensar a diferença importando mais microchips de outros países. O que é verdade para outros países é verdade para os Estados Unidos, e vice-versa — quase (veja abaixo).

A moeda de reserva global

“Estrangeiros” não é uma única entidade. Não existe um país chamado “Estrangeiro”. Hoje microchips são produzidos em Taiwan, no Japão, na Coreia do Sul, na Alemanha e na Holanda, entre outros lugares. E, como em muitos países os microchips são produzidos por mais de uma empresa, o número de fabricantes que produzem microchips é maior até do que o de países onde essas pequenas maravilhas são fabricadas. Então, para que usuários de microchips nos Estados Unidos sejam feitos reféns por empresas estrangeiras de qualquer maneira economicamente significativa, diversas empresas diferentes localizadas em diversos países diferentes precisariam fazer uma conspiração bem-sucedida para suspender os microchips para os norte-americanos. É possível, mas também é bem pouco plausível.

No penúltimo parágrafo, o “vice-versa” veio acompanhado de “quase”. De fato, existe uma coisa que torna os Estados Unidos únicos hoje em dia: o dólar norte-americano é a moeda de reserva global.

Um dos “produtos” que os estrangeiros desejam adquirir dos norte-americanos em troca das exportações que enviam para cá é o dólar norte-americano. Assim como para toda e qualquer moeda, somente um avarento patético iria querer adquirir dólares como fins em si mesmos. Os dólares norte-americanos têm alta demanda porque podem ser facilmente trocados em quase todo lugar na terra por petróleo, produtos farmacêuticos, pinheiros, porcos, pretzels e todos os outros produtos vendáveis, a maioria dos quais está precificada nos mercados internacionais pelo dólar. Como nenhuma outra moeda hoje é tão ampla e facilmente aceita no globo quanto o dólar norte-americano, as pessoas do mundo todo têm uma demanda especialmente alta por ele.

Então, digamos, enquanto os chineses podem substituir, e com pouco esforço, o petróleo fornecido pelos Estados Unidos pelo petróleo fornecido pela Venezuela ou pela Arábia Saudita, a China não consegue substituir com tanta facilidade o dólar norte-americano pelo bolívar ou pelo rial. A recusa da China em vender microchips para os norte-americanos implicaria que, para obter dólares e manter um comércio global, os chineses precisariam aumentar as exportações para países além dos Estados Unidos. Mas aumentar as exportações para outros países também significaria que a China teria de baixar os preços cobrados por suas exportações. A conclusão é que Pequim não pode ordenar que a China reduza as exportações para os Estados Unidos sem causar danos econômicos ao povo chinês.

Claro, os cabos de guerra em Pequim, e os mandarins covardes abaixo deles, podem de fato estar dispostos a pagar esse preço para prejudicar os Estados Unidos (especialmente enquanto esse preço é espalhado pela população de mais de 1 bilhão de chineses). Mas reconhecer que a dependência econômica que todos os países de livre-comércio passaram a ter nos mercados internacionais é sempre uma dependência mútua deveria pelo menos diminuir o mito de que é fácil repatriar as chamadas “cadeias de fornecimento” para usar políticas industriais para garantir uma maior produção doméstica de “bens-chave”, e que deveríamos reduzir nossa produção de mercadorias como batatas chips para aumentar a produção de mercadorias como microchips.


Donald J. Boudreaux é formado em Direito pela Universidade da Virgínia e doutor em economia pela Universidade Auburn. Ele é membro sênior do Instituto Americano de Pesquisa em Economia e do Programa F.A. Hayek para Estudos Avançados em Filosofia, Política e Economia do Mercatus Center, da Universidade George Mason

Leia também “Autoritarismo ou liberdade”

4 comentários
  1. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo texto. Parabéns. Bastante esclarecedor acerca dos mecanismos que regem o comércio internacional.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Os mais desenvolvidos permitiram a entrada da China na OMC, pra no mundo globalizado, explorarem a mão de obra chinesa a baixo custo e deram com os burros n’água

  3. Francisco Pessoa de Queiroz.com
    Francisco Pessoa de Queiroz.com

    Artigo fraquissimo.

    1. Wilson Komatsu
      Wilson Komatsu

      Até gostei do artigo, o problema é que o dólar como moeda “única” de troca internacional está sendo lentamente erodido, inclusive pelo governo norte-americano por conta da extraordinária quantidade de dinheiro que eles emitiram desde 2088 e que foi exacerbada durante a pandemia. Atores como a china, Rússia e Arábia Saudita (muito amiguinha dos russos na OPEP+) já estão tentando não usar dólar para as trocas entre eles.

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