Assim como outras petroleiras do mundo, a Petrobrás anunciou um lucro recorde, 37 vezes maior do que no mesmo período no ano anterior. Isso é, em parte, consequência da guerra na Ucrânia, e cabe o velho ditado: tudo tem seu lado bom.
Se a política da Petrobrás de atrelar seus preços aos preços mundiais, e não ao custo de produção, é bom a) para a Petrobrás ou b) para o Brasil — essa eu deixo para os economistas decidirem, ou melhor, discutirem, já que é raro os economistas concordarem sobre qualquer coisa. Costumava-se dizer que, se houvesse dois economistas em uma sala, você teria três opiniões. Na minha experiência, um único economista é o suficiente para ter três opiniões.
O conflito na Ucrânia é, em certo sentido, a primeira guerra causada ou no mínimo propiciada pelos ambientalistas. Se o movimento não tivesse insistido tanto para que a Alemanha abandonasse toda a geração de energia nuclear, o país não seria tão dependente do gás e do petróleo russos e, por consequência, a Rússia talvez não tivesse os recursos financeiros para começar uma guerra. Se Angela Merkel era na verdade uma agente russa ou simplesmente agia como tal sob pressão política dos ativistas verdes, não é uma questão importante, uma vez que o efeito e o resultado foram os mesmos.
Monomaníacos do apocalipse
A guerra tinha apenas duas semanas quando participei de uma reunião de um grupo de ativistas ambientais na minha pequena cidade na Inglaterra. Não me entenda mal: eu acredito que a poluição de todos os tipos é um problema sério e que a destruição do meio ambiente é desastrosa sob muitos pontos de vista. Mas o grupo era composto de monomaníacos com uma visão de mundo simplista e apocalíptica, em que não existem custos econômicos, políticos e sociais sérios para os métodos que eles propõem para evitar a catástrofe que afirmam ser iminente.
O grupo exige o fim imediato do uso de combustíveis fósseis em toda e qualquer circunstância. E uma participante orgulhosamente relatou ter passado a tarde despejando uma substância parecida com petróleo (como se isso não contivesse óleo) na sede local do Barclays, o banco inglês que disponibiliza mais fundos para as indústrias de gás e petróleo do que qualquer outro banco inglês. Isso, claro, impôs aos demais a tarefa nada agradável de limpar a sujeira dela, mas a missão de salvar o mundo estava tão vívida na mente da ativista que isso não pesou nada em sua balança.
Visões apocalípticas são sempre populares: elas dão significado ao mundo e nos dão a sensação de que estamos participando de algo maior do que a trivialidade cotidiana
Apenas algumas pessoas participaram da reunião, todos os outros moradores da cidade estavam vendo televisão, jogando no computador e assim por diante. De modo geral, os participantes foram gentis e bem-intencionados, ainda que um tanto sérios e carentes de humor. Fui à reunião por curiosidade e não revelei meus pensamentos secretos para ninguém. Quando saí mais cedo (porque pessoas sérias e bem-intencionadas tendem a fazer reuniões muito longas), a desculpa que dei foi que minha mulher tinha preparado o jantar para mim, o que pareceu uma consideração muito pequena se comparada com salvar o planeta de uma catástrofe iminente. Quando saí, eles me deram alguns adesivos grossos para colocar nos caixas eletrônicos do Barclays, o que sem dúvida teria causado uma irritação e uma inconveniência consideráveis aos clientes da cidade. E que, claro, aumentaria muito sua conscientização sobre a mudança climática.
A salvação do planeta
Uma das coisas curiosas sobre a reunião foi que nenhum dos participantes parecia ter noção da atual conjuntura do mundo. Era como se esse futuro apocalipse fosse mais real para eles do que qualquer coisa que esteja acontecendo em relativa proximidade temporal ou geográfica. A guerra e o súbito aumento considerável no preço dos combustíveis decorrentes dela, que estão causando problemas financeiros e até dificuldades reais para milhões de concidadãos, não foram registrados como nada além de um pequeno ponto em seu radar moral. Eles não estavam cientes da contribuição que seu modo de pensar tinha feito para gerar esses problemas e essas dificuldades, ao impedir a exploração de combustíveis fósseis ou o uso de energia nuclear. Em todo caso, essas pessoas teriam argumentado: o que é um pequeno inconveniente atual ou até uma dificuldade em comparação com a salvação do planeta de uma hecatombe em vias de acontecer?
Visões apocalípticas são sempre populares: elas dão significado ao mundo e nos dão a sensação de que estamos participando de algo maior do que a trivialidade cotidiana da nossa própria vida. Ao longo dos anos, mais anos do que eu gostaria de admitir, colecionei alguns livros sobre a catástrofe final que supostamente se aproxima da humanidade — algo que não se pode deixar de pensar que os autores gostaram de comtemplar. Nos anos 1970, por exemplo, foi amplamente aceito que a fome em larga escala não era apenas possível, mas absolutamente inevitável como resultado da superpopulação: era tarde demais para evitá-la, e centenas de milhões de pessoas iam morrer de fome nos dez anos seguintes. Não havia nem sinal de que o problema nutricional mais sério em um futuro relativamente curto seria a obesidade, e não a fome (não estou dizendo que eu mesmo teria previsto isso).
Claro, a fome pode voltar — existe uma conversa bastante difundida sobre isso por causa da provável perda da colheita ucraniana —, mas o fato é que a visão apocalíptica estava errada, e (desconfio) os autores ficaram secretamente desapontados. Ninguém gosta de ser despido do seu dom de premonição.
Na época, o resfriamento da Terra, e não o aquecimento, era temido. E, de fato, em algum momento a era do gelo vai voltar. Isto é, se um asteroide não acabar conosco como um asteroide fez com os dinossauros, ou quem sabe um novo vírus contra o qual a humanidade não terá como se defender.
Estou ciente, é claro, dos perigos de supor que nenhum apocalipse previsto ocorrerá simplesmente porque nenhuma previsão anterior de apocalipse provou estar correta. Como Bertrand Russell afirmou, o frango que está acostumado a ser alimentado todo dia pelo dono fica surpreso quando um dia seu pescoço é torcido (Russell escreveu isso antes dos tempos da agricultura industrial). Mas a previsão do apocalipse climático já desempenhou seu papel em levar um apocalipse localizado para a Ucrânia.
Leia também “A grandeza da mediocridade”
Acharam um método infalível de alcançar consensos idiotas sobre essas coisas: vedar a manifestação de divergência e ameaçar os hereges.
Correção: a palavra contemplar está coMtemplar
Este artigo é ótimo. E os comentários idem.
Excelente texto. Parabéns. Como tem idiota para acreditar em qualquer baboseira que é lançada no mundo. Por não medirem as consequências de seus atos, acabam por desencadear ações que não previram.
Adorei
Merkel, uma agente russa? Hahaha, faz sentido. Si non é vero é bene trovato.
Brilhante. Inteligente. Sarcástico. Preciso. Imperdível.
Lembro- me bem das análises de “especialistas” em grandes jornais, nos anos 80, dando conta de que em no máximo 40 anos o mundo já não teria mais petróleo, dado o crescimento do consumo…
O debate não é tentar salvar seres humanos? Porque dar preferência para o futuro, subordinar o presente e privilegiar o que esta por vir? É no mínimo incoerente, e um país como a Alemanha ir neste caminho é muito estranho e perturbador.
Theodore sempre é prazeroso. Não por encontrar nele ressonância para meus próprios pensamentos. É, sobretudo, por me causar espanto e, a partir dele, trilhar novas ideias.
Esses ambientalistas vivem buscando um sentido para a vida deles, não a nossa. Desconfie sempre de gente assim.
Será que as atitudes que pretendem salvar o planeta é o que vai causar a sua destruição?