“Dentro das quatro linhas da Constituição”, numa frase tão repetida nos Poderes, o incômodo sobre o ativismo político do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a virar uma espécie de movimento dentro do Legislativo. Em menos de uma semana, o Congresso Nacional recebeu duas novas iniciativas com objetivo de analisar supostas atuações do Judiciário, que, na opinião de alguns parlamentares, estaria rompendo as fronteiras legais.
Cobrados por suas bases eleitorais, que esperavam posições mais incisivas, algumas correntes de parlamentares querem agora, próximo ao fim do atual mandato legislativo, alterar a legislação e colocar freio nas ações do Poder Judiciário. Puxar o freio de uma casta regada a privilégios, contudo, demanda tempo e estratégia, ambas conjunturas que a atual legislatura encontra como dificuldades a serem rompidas.
Para além dos discursos, o movimento que busca impedir a invasão de competência entre os Poderes viu falharem algumas iniciativas, como a tentativa de impeachment de ministros do Supremo. A derrota mudou a estratégia dos parlamentares. Agora, o movimento de contestação surge mais focado no conceitual, nem tanto nos personagens. Esses, sobretudo quando envolve o Supremo Tribunal Federal, tentam se manter longe das discussões com os parlamentares. Foi o que aconteceu nesta semana.
Na terça-feira 6, o Senado abrigou uma audiência pública para debater o cenário recente de ativismo judicial e o princípio de separação de Poderes. Convidados, em meio ao recesso de julho do Supremo, os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso não compareceram. O debate na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor foi proposto pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE).
“Foi uma audiência fantástica”, afirmou Girão. “Só que, infelizmente, alguns dos nossos ministros do Supremo, além de cometerem abusos, arbitrariedades constantes, se negaram a comparecer, não respeitaram o Senado Federal. Tanto o ministro Luís Roberto Barroso quanto o ministro Alexandre de Moraes não se dignaram a comparecer a esse debate de altíssimo nível, com que todos nós aprendemos.”
A sessão do Senado reuniu nomes como o jurista Ives Gandra Martins, que destacou que o Brasil vive um momento do Judiciário como “subpoder da República, tendo o direito de corrigir os rumos do Executivo, ou legislar nos vácuos do Legislativo”. Fernando Carioni, desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, descreveu em sua participação o retrato de “um Estado judicial forte, com Legislativo e Executivo acuados e a sociedade rendida”. Por sua vez, Ivan Sartori, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, discorreu acerca do sufocamento do debate sobre segurança do processo eleitoral, legítimo para a sociedade, segundo o magistrado.
“PEC Suprema”
Enquanto vozes relevantes do Direito eram ouvidas no Senado para endossar o desconforto entre Poderes, na Câmara circula um novo esforço com objetivos práticos sobre o papel do Supremo Tribunal Federal dentro do Estado. O deputado Paulo Eduardo Martins (PL-PR) levou à Casa, na semana passada, um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) propondo uma série de revisões à atuação dos ministros da Suprema Corte.
Batizada informalmente de “PEC Suprema”, a proposta está em fase de coleta de assinaturas. Para que seja oficialmente protocolada e possa tramitar na Câmara, é necessário o apoio de 171 membros da Casa. Se avançar, a proposta ainda precisa passar pelo Senado. “Os deputados estão tomando conhecimento”, afirmou Martins. “Mas há um ambiente de receio. Muitos têm receio de afrontar a Suprema Corte. É um reflexo de que a própria atividade parlamentar está autocastrada.”
A expectativa do deputado paranaense é que, mesmo com a proximidade das eleições, a PEC possa avançar, pelo menos para discussão ainda neste ano na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), numa etapa inicial de um longo trâmite interno. O Congresso, contudo, entra em recesso a partir do dia 18. De agosto até a eleição em outubro, apenas matérias consideradas urgentes devem ser apreciadas.
É possível limitar as decisões monocráticas?
A principal bandeira da proposta da PEC de Paulo Eduardo Martins é evitar que um único ministro goze do que ele classifica como poder desmedido, numa ofensiva contra as decisões monocráticas recorrentes nos últimos anos. Entre 2020 e 2021 foram deliberadas 763 decisões colegiadas e 1.403 monocráticas.
A ideia é fortalecer a Corte como colegiado. De acordo com a proposta, uma lei ou ato normativo só poderão ser declarados inconstitucionais por dois terços dos membros dos tribunais. Hoje, a inconstitucionalidade é válida pela maioria absoluta dos membros do STF, às vezes por diferença de um único voto. “Talvez seja o ponto que conte com mais simpatia entre os parlamentares. Você não pode tomar uma decisão monocrática, que já determinou o afastamento de um presidente do Congresso. Goste ou não do presidente, que era o Renan Calheiros na época (2016). Isso é um fator que gera instabilidade. Hoje temos um tribunal para cada ministro, são 11 tribunais”, argumenta Paulo Eduardo Martins, referindo-se aos 11 ministros de STF.
A ideia sugere uma idade mínima para entrada no STF, passando de 35 para 50 anos. Essa barreira evitaria, por exemplo, o ingresso de ministros como Dias Toffoli e André Mendonça
A ideia que circula na Câmara também combate a cultura de acionamento do STF via parlamentares. Informalmente, este tópico é tratado como uma resposta à “randolfização” na relação entre Legislativo e Judiciário. O termo que o próprio deputado Paulo Eduardo Martins vem usando se refere à atuação do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que se notabilizou por direcionar sua atividade a acionar o Supremo para agir em temas diversos, geralmente envolvendo o governo. Exemplo ocorreu com a CPI da Pandemia, que apenas foi instalada no Senado após decisão do Supremo, acionado a pedido de Randolfe.
Este ponto mexe no rol de legitimados para entrar com ações de constitucionalidade. A proposta quer que as entidades sindicais passem a não mais provocar a atuação do STF e os partidos políticos só possam avançar se a ação contar com a assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos cinco Estados. Isso impediria que siglas sem representatividade tentem no Supremo o que não conseguem no Parlamento. “Isso tem de ser sanado. Primeiro, porque coloca a Suprema Corte como palanque para parlamentar aparecer. E, pior, arrasta a Suprema Corte para a disputa política e faz com que os ministros sejam vistos como atores políticos”, comenta o deputado autor da PEC.
Mesmo representando anseios de grande parte da sociedade e da classe política, a PEC depende de uma articulação hábil para sobreviver ao trâmite oficial. Uma proposta com objetivos semelhantes foi facilmente derrotada no Senado em 2019, com placar de 38 votos a 15. Na época, o projeto apresentado pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) foi rotulado de “bullying institucional” por Renan Calheiros (MDB-AL) — o mesmo Renan afastado da presidência da Casa pelo STF três anos antes.
Aos defensores da PEC, um alento para a iniciativa aconteceu no começo de julho, com a vitória parcial de uma medida que limita o número de recursos que pode ser apresentado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A proposta da deputada Bia Kicis (PL-DF) para “descongestionar o sistema” ainda precisa ir ao plenário da Câmara e do Senado. Todavia, pode ser considerada um precedente de que o Legislativo tem condições de tratar do funcionamento do Judiciário.
Idade mínima e mandato de nove anos
Outros tópicos que constam na “PEC Suprema” têm a intenção de limitar a longevidade de magistrados dentro da principal Corte brasileira. A ideia sugere uma idade mínima para entrada no STF, passando de 35 para 50 anos. No passado, essa barreira evitaria, por exemplo, o ingresso de ministros como Dias Toffoli e André Mendonça, que chegaram ao tribunal com 41 e 48 anos, respectivamente.
O novo esforço também propõe mandato de nove anos não renováveis para o exercício específico do cargo de ministro do STF. Hoje, o modelo aplicado no Brasil é o de mandato vitalício, tendo como único limite a idade de aposentadoria compulsória de 75 anos para os magistrados.
Paulo Eduardo Martins decidiu não incluir na PEC o debate sobre a indicação por parte do presidente da República, modelo vigente hoje, que também precisa de aprovação posterior por maioria absoluta do Senado. “Pode haver ajustes, há outros modelos, há quem diga que a Câmara tem de indicar, ou o Senado. Isso tudo pode ser ajustado em uma eventual comissão especial”, disse o deputado do PL.
Antes veio a “PEC do Centrão”
A “PEC Suprema” não é a primeira iniciativa do gênero a sugerir mudanças no funcionamento do STF. A proposta de Paulo Eduardo Martins ainda se difere de um esforço recente que passou pela Câmara, também neste ano.
Batizada de “PEC Anti-STF”, ou “PEC do Centrão”, a proposta do deputado federal Domingos Sávio (PL-MG) prevê que o Congresso poderia revogar medidas do Supremo que não tenham sido aprovadas de forma unânime pelos ministros da Corte e que extrapolam “os limites constitucionais”. A proposição, no entanto, não especificava como se daria essa interpretação e foi bastante criticada pela comunidade jurídica, em razão do princípio constitucional da separação de Poderes.
A proposta ressalta ainda que a revisão ocorreria por meio de um decreto legislativo, que exigiria aprovação de três quintos dos deputados e senadores, com dois turnos de votação, tanto na Câmara quanto no Senado. Ou seja, o mesmo quórum de votação requerido para aprovação de uma PEC.
Segundo o autor da PEC mais recente, a “Suprema”, há possibilidade de composição com sugestões anteriores, caso a união favoreça a articulação de momento dentro da Câmara. “Cada proposta tem uma natureza, mas, se houver vontade dentro do Parlamento, ela pode convergir para outras propostas”, diz Martins.
Hoje em dia, o brasileiro comum que segue o noticiário político conhece os 11 nomes do Supremo com familiaridade. Mas, ao ganhar um protagonismo inédito na história do país, a Corte acabou vendo sua configuração e seu funcionamento expostos diante da sociedade. O Congresso precisa de vontade política e perspicácia de articulação para conseguir canalizar o anseio por mudanças.
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Uma sordidez burocrático e uma corrupção desenfreada,impossivel governar, Bolsonaro é o político de ferro que luta pelo país não ser governado por mão de ferro
Texto muito bom. Parabéns. Mas não sou tão otimista para achar que essas pautas avancem no Congresso Nacional. Temos que renovar esse Congresso na eleição de outubro desse ano. Quem sabe aí sim se as coisas não funcionem.
Marcelo, concordo com você, e acrescento que, justamente por isso, o Legislativo jamais será independente enquanto houver o foro privilegiado para parlamentares. Esse foro tem que ser derrubado.
Recentemente ouvi o absurdo de juristas dizerem que se a PEC da Bengala (compulsória aos 75 anos) for revogada e voltar ao que era antes(70 anos), essas figuras que estão na CORTE não seriam atingidas por ter “DIREITO ADQUIRIDO”. Adquirido aonde, se não foram habilitados por concurso e edital com prazos de permanência e quaisquer outros privilégios?. Entendo que esse absurdo criado no governo Dilma ao ser revogado é automaticamente aplicável.
Penso que entre as reformas propostas atualmente pela Câmara Federal poderiam também incluir nas sabatinas do indicados para o STF, que declarassem suas INTERPRETAÇÕES sobre artigos da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, como o art. 142 e outros polémicos selecionados como INDULTO, GRAÇA, LIBERDADE DE OPINIÃO, DIREITO ADQUIRIDO. etc. As INTERPRETAÇÕES dadas pelos candidatos, deverão ser rigorosamente cumpridas sob pena de perda da cadeira de ministro da Corte em processo aberto imediatamente pelo SENADO FEDERAL.
Infelizmente com o grande número de congressistas com o rabo peso e o corporativismo dos demais essa situação se perpetuará.