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Ilustração: Gustavo Sanchez/Shutterstock
Edição 121

O Brasil, o mundo e as angústias da Europa

Como sempre acontece, a mídia, as classes culturais e os “progressistas” brasileiros engolem com casca e tudo seja lá o que vier de Nova York, de Londres ou de Paris

J. R. Guzzo

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A Índia tem 1,4 bilhão de habitantes, ou três vezes mais que a Europa; sozinha, tem mais gente que a Europa e os Estados Unidos juntos, e abriga um quinto de toda a população mundial. Por que raios, tendo as duras realidades que têm, seus habitantes deveriam sentir as mesmas angústias de europeus e americanos — essas que você vê todos os dias na mídia, maciçamente, e que são apresentadas como se fossem um problema de vida ou morte para todo ser humano vivo? Por que os seus atletas, por exemplo, deveriam se ajoelhar antes das competições para protestar contra o “racismo sistêmico”? Não passa pela cabeça de um indiano sair à rua para dizer que “vidas negras importam”, ou que a cor da pele seja um problema em seu país; por que, então, iriam ficar de joelhos para combater o racismo? Também não fazem parte do seu mundo e de sua vida as aflições com o “aquecimento global”, visto o calor que faz na Índia há 5.000 anos, nem que um cidadão esteja proibido de dizer que só mulheres podem ficar grávidas e parir um filho. O “indiano médio”, como diriam nossos institutos de pesquisa de opinião, acha que um homem é um homem e uma mulher é uma mulher — e, queiram ou não queiram, um em cada cinco habitantes atuais do planeta é um “indiano médio”. Não ocorreu ali a nenhum colégio de gente rica, ou a qualquer colégio, ensinar uma “linguagem neutra” a seus alunos; ficaria complicado, levando-se em conta que na Índia são falados 400 idiomas e dialetos diferentes, e que há 23 línguas oficiais. O nível do mar está subindo na Flórida? As pessoas são legalmente autorizadas a roubar até US$ 900 por dia, como acontece na Califórnia? A Holanda está proibindo os seus agricultores de produzirem comida? Nada disso faz parte das realidades do 1,4 bilhão de indianos, nem representa para eles a mais remota preocupação. Não fazem, aliás, nenhum nexo dentro do sistema de pensamento hoje em vigor na Índia.

As angústias dos países do Primeiro Mundo não querem dizer nada, também, para o 1,3 bilhão de habitantes da China. Por acaso há algum chinês achando que o Super-Homem é gay, ou que um “transgênero” de 2 metros de altura pode competir numa prova de natação para mulheres? E as atrizes que, 20 ou 30 anos atrás, tiveram um caso com o diretor para ganhar um papel no filme, e hoje são consideradas heroínas nacionais? Existe isso na China? Há por ali um “Ministério Público”, ou alguma ONG, ou entidade da “sociedade civil”, ou seja lá o que for, proibindo a construção de aeroportos, de pontes ou de estradas de ferro? Alguém fala em “dívida histórica” com os negros? Não há nenhum registro de estátuas postas abaixo na China, nem de planos para proibir a fabricação de automóveis, e nem de movimentos para diminuir as verbas da polícia. O chinês está pouco ligando, e não vai ligar nunca, para os direitos dos pedófilos, o respeito aos gordos e gordas ou a porcentagem exata de negros nos filmes, séries de televisão e comerciais de propaganda. Só aí, na Índia e na China, já são 2,7 bilhões de pessoas — e um PIB somado de mais de US$ 21 trilhões. Mas as mesmas coisas podem ser ditas, em geral, da África, do mundo islâmico e de todo o Oriente, mais a Rússia. Na verdade, a Europa e os Estados Unidos, juntos, somam cerca de 800 milhões de habitantes — ou só 10% da população mundial, nada mais que isso. Faz sentido, então, que as neuras, as prioridades e até mesmo os problemas objetivos de europeus e americanos tenham de preocupar os 90% restantes da humanidade?

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