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Foto: Montagem Revista Oeste | Shutterstock
Edição 120

A imprensa é contra a liberdade

O governo de Jair Bolsonaro gastou R$ 258 milhões com publicidade. Lula, em seus oito anos na Presidência, gastou R$ 7,7 bilhões

J. R. Guzzo
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Quem é contra a liberdade de expressão no Brasil? O primeiro nome que vem à cabeça é: “O Supremo”. O segundo é: “Lula”. Vai se amontoando, aí, uma porção de gente. A esquerda nacional, é claro, vem na frente do bloco, acompanhada dos professores universitários, dos políticos ladrões e dos empresários inclusivos. Podem ser acrescentados os artistas de novela, a Ordem dos Advogados e mais ou menos tudo o que se tem em matéria de “entidades da sociedade civil” — associações em favor dos direitos humanos, por exemplo, bispos católicos, “estudantes”, sindicatos, ONGs de todos os propósitos, e por aí afora. O que não se diz, nunca, é que entre os maiores inimigos da expressão livre neste país, hoje em dia, estão os jornalistas e os donos dos veículos de comunicação. Parece esquisito, e é esquisito mesmo. Também é a verdade.

Naturalmente, com exceção de Lula, todos os citados acima acreditam, ou dizem, que não são contra a liberdade de imprensa, de jeito nenhum. O STF, para começar, acha que não é, embora censure as redes sociais, congele no banco o dinheiro dos comunicadores de direita e exija a extradição, depois de sua prisão pela Interpol, de um jornalista que teve de exilar-se nos Estados Unidos para não ser enfiado na cadeia. Boa parte dos demais ficaria igualmente horrorizada se alguém lhes dissesse que são a favor da repressão ao direito de palavra — apesar de estarem fechados com Lula, e de Lula dizer que o “controle social da mídia”, incluindo a televisão, é uma das “prioridades” do seu governo. Do ponto de vista da lógica, não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo: votar em Lula e ser a favor da imprensa livre. Mas todo mundo nesse bonde está convencido de que a prioridade absoluta do país é “acabar com o fascismo”, a “ditadura” e o negacionismo; por conta disso, acham natural, ou até uma boa ideia, colocar na Presidência da República um político condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. Mais complicado é o caso dos jornalistas e dos seus patrões.

Como um cidadão que exerce o ofício de comunicador, no qual a liberdade de expressão é essencial para as coisas terem um mínimo de cabimento, pode ficar contra os seus próprios direitos? E os proprietários das empresas, então? Também para eles a palavra livre é indispensável — ou pelo menos era, até não muito tempo atrás. Mas as coisas mudaram. Hoje o que está em jogo, mais que qualquer princípio, é algo muito simples, e vital para veículos e jornalistas: o dinheiro. É isso o que estão querendo — liberdade de expressão, para a maior parte deles, não resolve nada, e não enche a barriga de ninguém. Na verdade, hoje em dia, só atrapalha. Tornou-se sinônimo de “internet” e “redes sociais”, onde de uns anos para cá todos ganharam o direito de se manifestar, como quiserem e quando quiserem — e, com isso, levaram a imprensa em geral para a pior crise de sua história moderna. Os veículos perderam público, publicidade e receitas. Os jornalistas perderam empregos, salários e segurança. A saída, para ambos, não é recuperar leitores, ouvintes e telespectadores. É receber dinheiro do governo, em forma de propaganda paga. Não há isso hoje. Para haver de novo, é preciso que o atual governo vá embora; quanto mais tempo ele dura, menos dinheiro entra. Para o seu lugar, tem de vir gente que volte a gastar dinheiro do Tesouro Nacional com publicidade. E se essa gente quer acabar com a livre manifestação, paciência.

Chega a ser cômico, até — como na extravagante indignação dos jornalistas contra o recente projeto de ajuda financeira aos motoristas de caminhão

Os números a respeito são muito claros e muito incômodos. O governo de Jair Bolsonaro gastou, ao longo de seus três anos e meio, R$ 258 milhões com publicidade. Parece muito dinheiro; com certeza não é pouco. Mas espere três segundos até ver como eram as coisas nessa área antes da administração atual. Lula, em seus oito anos na Presidência, gastou R$ 7,7 bilhões, em dinheiro do pagador de impostos, para a imprensa publicar propaganda oficial. Isso é, simplesmente, 30 vezes mais do que a despesa de Bolsonaro. Dilma, em quatro anos, gastou R$ 9 bilhões — e aí já são 35 vezes mais. (As informações são de O Estado de S. Paulo e de UOL Notícias. Foram reapresentadas há pouco pela jornalista Carla Cecato, da JovemPan News.) Talvez seja útil pensar um pouco nesses números. No seu caso concreto, por exemplo: se você ganha R$ 15.000 por mês, como salário ou fruto da sua atividade, as 30 vezes a mais de Lula seriam R$ 450.000 mensais no bolso. As 35 vezes de Dilma dariam R$ 525.000, entra mês, sai mês. Que tal? Nem todos ficariam indiferentes a esse tipo de dinheiro. Conclusão lógica: é preciso acreditar num desprendimento de São Francisco de Assis, por parte dos proprietários de veículos, para achar que eles não perceberam a diferença, ou que não se importam com ela. Onde foram parar os quase R$ 17 bilhões que Lula e Dilma deram para a mídia? Não estão, com certeza, na conta-corrente dos órgãos de imprensa — e nem serviram para pagar salário de jornalista.

 

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OESTE nunca tem problemas em falar livremente dessas coisas porque nunca aceitou, e continua não aceitando, um único real em publicidade de governo — governo federal, empresas estatais, governos de Estado, prefeituras, como propaganda ou como divulgações de “interesse público”. Faz isso porque sabe perfeitamente bem que, quando um órgão de imprensa aceita dinheiro oficial, dali a cinco minutos o governo vem se sentar à sua mesa. É a vida; não há como ser diferente. E a seca de verbas oficiais, a maior jamais registrada na história da imprensa brasileira: seria a prova de que a mídia acumulou esse oceano de ódio ao governo Bolsonaro porque parou de ver dinheiro do Erário público? Não, prova não é — prova, aí, só com confissão por escrito, como os empreiteiros de obras faziam nos tempos da Lava Jato. Não vai rolar, não é mesmo? Mas, com as coisas que publica diariamente em seu noticiário, a mídia brasileira parece fazer o máximo possível de esforço para dar a impressão de que é disso, precisamente, que se trata. Chega a ser cômico, até — como na extravagante indignação dos jornalistas contra o recente projeto de ajuda financeira aos motoristas de caminhão, como compensação parcial pela alta dos combustíveis. E então: dinheiro para caminhoneiro não pode, por ser “antidemocrático” e aumentar as despesas do governo, mas verba de publicidade para a imprensa pode? Essa preocupação extremada com a democracia e o equilíbrio nas contas públicas estava ausente dos veículos quando Dilma dizia, sem ouvir nenhuma objeção, que iria “fazer o diabo” para se reeleger. É isso, a mídia brasileira de hoje. Fica tudo muito na cara.

Os veículos de comunicação deixaram de ser um sistema independente de informação ao público

A liquidação da liberdade de expressão, por parte dos jornalistas, tem uma agravante, que vai além das questões financeiras: eles são contra essa liberdade, para efeitos práticos e por convicção ideológica. A grande maioria dos comunicadores brasileiros é de esquerda, ou acha que é — e um dos princípios mais rigorosos, e mais duradouros, de qualquer regime político socialista é a intolerância absoluta ao direito à liberdade de manifestação e de pensamento. Não é muito complicado: simplesmente não há, e nunca houve na história humana, da Rússia comunista a Cuba, Venezuela e similares, dez minutos de liberdade de imprensa num governo esquerdista. É contra a natureza do “socialismo”, assim como é contra o “socialismo” a ideia de democracia em si mesma — e os jornalistas deste país têm fé no “socialismo”, e não no direito de livre expressão. É por esse motivo, justamente, que são a favor do plano de “controle social” da mídia — ou de censura, quando se vai à realidade dos fatos — que Lula e o PT querem impor ao Brasil. Esse “controle” acaba com a liberdade de imprensa na vida real — mas os jornalistas querem mesmo que ela acabe. Estão convencidos, cada vez mais, que a livre manifestação é um pecado mortal, que favorece a “direita”, o “autoritarismo” e os propósitos “antidemocráticos”. Para isso, estão numa guerra diária, intransigente e sem trégua contra os fatos. Não há volta nessa viagem.

Além do dinheiro do governo que não está vindo mais, nada poderia mostrar tão bem a aliança de jornalistas e donos de veículos contra a liberdade de expressão, ou o seu reduzido apreço por ela, quanto esse “consórcio” que formaram com tanto entusiasmo — um instrumento para darem todos a mesma notícia, ou o mesmo tom ao noticiário de todos os dias. O “consórcio” é uma negação grosseira da necessidade de haver concorrência entre os veículos, e conteúdos diferentes em cada um, para haver imprensa livre — não há liberdade verdadeira, na prática, se não for assim. Imprensa com um veículo só, como o Pravda da Rússia ou o Granma de Cuba, é imprensa de ditadura. O “consórcio de veículos” é o maior esforço já feito até hoje pelos órgãos de comunicação brasileiros para se conseguir uma situação desta natureza. Eles deixaram de ser um sistema independente de informação ao público. São hoje, pela ação das redações e pela falta de princípios, de talento e de energia por parte dos donos, mais um partido político.

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