“Mês de agosto é tempo de queimada.
Eu vou pra roça preparar o aceiro.”
Quebra do Milho, Pena Branca e Xavantinho
Neste Ano da Graça de 2022, o Brasil apresentou uma expressiva diminuição na incidência de incêndios e queimadas. De 1° de janeiro a 15 de agosto, o país registrou 49.638 queimadas, contra 58.972 no mesmo período de 2021. As queimadas diminuíram 15% no Brasil e cresceram 19% no restante da América do Sul. Em 2021, a queda nas queimadas no Brasil já havia sido de 10% em relação a 2020. Nos últimos dois anos, o Brasil reduziu em cerca de 25% a incidência de incêndios e queimadas em seu território.
Os dados são do monitoramento das queimadas por satélite, realizado pela Nasa. Há décadas, qualquer fogo de alguma magnitude é detectado por diversos sistemas orbitais, em sua maioria norte-americanos. O sistema atual de referência internacional para monitorar queimadas e incêndios usa os dados do satélite AQUA M-T. A detecção dos pontos de calor ou fogos ativos pelo satélite é disponibilizada, em tempo quase real, num site conhecido como Fire Information for Resource Management System (FIRMS). No Brasil, esses dados, analisados neste artigo, são oferecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial no Programa Queimadas.
A redução das queimadas e dos incêndios no Brasil não se deve apenas ao clima ou a São Pedro fazendo chover na horta. Na vizinha Argentina, no mesmo período de janeiro a 15 de agosto de 2022, houve um aumento de 40% nas queimadas. Na Venezuela e na Colômbia, as queimadas cresceram 30%. O Equador registrou o recorde da América do Sul: 153%. Houve quem acompanhasse o Brasil na redução: menos 13% no Paraguai e no Chile. Ninguém na América do Sul apresentou valores absolutos e relativos de redução de queimadas comparáveis aos do Brasil, até agora. Descontado o Brasil, o número de queimadas e incêndios na América do Sul cresceu em 2022, e passou de 65.181 para 77.715 no período.
Quando totalizadas para cada bioma brasileiro, as queimadas e os incêndios entre janeiro e 15 de agosto indicam uma redução generalizada. As maiores reduções aconteceram nos biomas Pampa (-53%), Caatinga (-45%) e Mata Atlântica (-39%). A menor, de -2%, ocorreu no Cerrado. Os dados apontam uma diminuição de 14% na Amazônia e de 22% no Pantanal, em relação ao mesmo período em 2021.
É o segundo ano de redução significativa das queimadas e dos incêndios. No Pantanal, ao longo do ano passado, a queda já fora de 69%, em relação a 2020. Na Amazônia, o decréscimo foi de 26% em 2021. De 2019 a 2022, a incidência de incêndios e queimadas na Amazônia de janeiro a 15 de agosto diminuiu 44%, como atestam os dados do Inpe. Boas notícias para quem se preocupa com a Amazônia e o Pantanal. Pouco noticiadas. Aqui e no exterior. Silêncio geral.
Queimadas não são incêndios. Fogo indesejável, o incêndio ocorre fora de hora e lugar. Destrói patrimônio público, privado e a biodiversidade. Mata pessoas. Ninguém responde por ele. Sua prevenção é fundamental. Uma vez iniciados, os incêndios são difíceis de controlar. A Europa, em particular França e Espanha, sabe disso.
Neste ano, a Europa atingiu o recorde de incêndios desde 2006, segundo dados atualizados em 13 de agosto pelo Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS). Desde 1º de janeiro foram incendiados quase 700.000 hectares de florestas, um recorde desde o início do monitoramento.
Em 2019, o fogo na Amazônia mobilizou a mídia nacional e internacional, as organizações não governamentais e gerou manifestações acérrimas do presidente francês. Na França, os incêndios florestais fora de controle neste verão são os piores desde 2003. Dados do EFFIS apontam mais de 60.000 hectares de florestas calcinados até agosto. Seis vezes a média anual de florestas incendiadas na França entre 2006 e 2021. A França teve de recorrer à ajuda de bombeiros da Alemanha, da Polônia, da Áustria e da Itália. Diante de situação tão crítica, seria o caso de propor-se a internacionalização das florestas francesas, como o mandatário gaulês sugeriu em 2019 em relação à Amazônia?
Esta catastrófica temporada de incêndios florestais na Europa tem consequências negativas para o meio ambiente, além da perda de vidas humanas, da biodiversidade e de patrimônios públicos e privados. Foram lançadas quantidades recordes de gás carbônico na atmosfera. E, a um tempo, foi reduzido o número de árvores, sorvedouros naturais do mesmo carbono.
Et attention, o carbono emitido pelos incêndios florestais europeus não será retirado da atmosfera no ano seguinte pelo crescimento sazonal de pastagens e cultivos, como ocorre em grande parte da agropecuária brasileira com as queimadas. Aqui as queimadas ocorrem em pastagens, sobre restos de cultivos e em formas de uso da terra com baixa densidade de vegetação (capoeiras). Os incêndios na Europa ocorrem em florestas de coníferas e de caducifólias, cuja fitomassa pode conter até centenas de toneladas de carbono por hectare.
Segundo relatório do Serviço Europeu Copernicus de Monitoramento da Qualidade do Ar, os incêndios franceses entre junho e 11 de agosto emitiram cerca de 1 milhão de toneladas de carbono, igual à emissão anual de 790.000 carros. O recorde anterior, em 2003, com 1,3 milhão de toneladas, será superado até o fim do ano, segundo o relatório. Na Espanha, já foram superados. Entre 1º de junho e 17 de julho, os incêndios florestais causaram emissões superiores aos totais de junho a julho de 2003 a 2021. Olé!
Essas emissões dos incêndios serão totalizadas e incorporadas nos relatórios anuais sobre “emissões de gases de efeito estufa” da França e outros países europeus? Pouco provável. Mesmo se essa exigência tem sido colocada por europeus em relação às queimadas nos relatórios brasileiros. Os dados serão integrados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas?
Segundo a Agência Internacional de Energia, as emissões de CO2 ligadas à produção de eletricidade diminuem em todo o mundo, menos na Europa, devido ao uso crescente do carvão. Agregado ao enorme aumento no uso do carvão mineral e do gás na geração de energia, as emissões de gases de efeito estufa da Europa navegam por mares nunca dantes navegados e atingem o topo de picos nunca escalados.
Com ou sem noticiário, os anos de 2021 e 2022 passarão à história do Brasil como de redução nas queimadas
Além de monóxido e dióxido de carbono, os incêndios lançaram metano, óxidos de nitrogênio, aerossóis, fuligem e alcatrão. Essa poluição do ar é negativa à saúde humana, sobretudo para quem sofre de doenças respiratórias. Aqui, as queimadas ocorrem em áreas rurais de baixa demografia. Na Europa, densamente ocupada, os incêndios acontecem ao lado de áreas urbanas.
Ao contrário dos incêndios, a queimada é uma tecnologia agrícola primitiva. Tem local e hora para começar. Esse fogo desejado e conscientemente ateado tem um responsável. Agricultores não queimam por malvadeza. Essa prática do Neolítico foi herdada essencialmente dos índios (coivara). Povoadores europeus a adotaram na América Latina. Ela é tradicionalíssima na África, campeã planetária das queimadas, onde também é técnica de caça.
No Brasil, é sobretudo o produtor não tecnificado, descapitalizado e marginalizado do mercado quem emprega o fogo para renovar pastagens, combater carrapatos, eliminar resíduos vegetais acumulados, limpar áreas de pousio, etc. E esses agricultores são minoria. São mais de 6 milhões de produtores e cerca de 110.000 queimadas rurais por ano. Mais de 98% dos produtores não empregam o fogo. Não é uma prática generalizada, apesar de alguns acusarem toda a agropecuária de incendiária.
Com ou sem noticiário, os anos de 2021 e 2022 passarão à história do Brasil como de redução nas queimadas. O Poder Executivo, acusado pelo aumento do fogo na Amazônia e no Pantanal em 2020, receberá crédito pela redução do fenômeno por dois anos consecutivos?
É possível reduzir o uso do fogo a menos de 1% dos produtores, substituindo as queimadas por novas tecnologias nos sistemas de produção. Alternativas técnicas à pratica das queimadas existem, como demonstra a Embrapa. Para isso, é preciso paz na Terra pelos homens de boa vontade. Agosto não foi o mês do desgosto. Até a primavera ainda há um bocadinho de chão a caminhar. Todo cuidado é pouco. Faísca pula que nem burro brabo, adverte a música Quebra do Milho. Até lá, tanto as queimadas como a boa vontade ainda podem aumentar. Dum vita est, spes est (Enquanto há vida, há esperança).
Leia também “Aceita um cafezinho?”
Dados confiáveis contextualizados e analisados com inteligência é uma característica do Dr Evaristo Miranda. O Brasil precisa implementar sua sugestão para publicar anualmente o “State of the Brazilian Amazon Forest”. A Embrapa Territorial tem ferramental, informações e saber.
Simplesmente maravilhoso, parabéns Dr. Evaristo.
Coisas da natureza
Excelente artigo. Parabéns Prof. Evaristo. Quanto aos europeus em geral, não passam de hipócritas, mentirosos e interesseiros. Falam mal do agronegócio brasileiro, porque não conseguem competir com ele. O governo brasileiro deveria adotar a postura do ministro Paulo Guedes que disse para um ministro francês qualquer numa reunião que a França e por tabela a Europa estavam se tornando insignificante para o Brasil nas relações comerciais e que eles nos tratasse com mais respeito.
cade aquela menina . Ecochata , não fala nada ?
Macron, vai carpir uma roça, vai…
Artigo muito interessante,muito esclarecedor ! O silêncio da midia me deixa boquiaberta !!! Torço pelo meu país!!!
Caro professor Evaristo,
Mais importante que contabilizar os focos de queimadas é verificar a área afetada pelas queimadas.
No próprio site do INPE, esses dados estão disponíveis e mostram que a área afetada pelas queimadas tem se reduzido significativamente nos últimos anos em todos os biomas.
Vou além: as áreas queimadas rapidamente se recuperam na região amazônica, e isso nunca é contabilizado…, o mundo passa por um processo de reverdecido global.
Obrigado por ajudar a desmistificar esse assunto.
Oops, reverdecimento, “global greening”.
0brigada por tão importante esclarecimento da diferença entre queimadas e incêndios.
Que estas informações cheguem as autoridades e todo o povo Brasileiro.
Com todos esses dados precisos e verdadeiros, por quem é autoridade sobre aquilo que fala e informa.
Linda a foto da Floresta Amazônica vista do espaço.
Não fosse algumas frases de bela construção, de simplicidade, perspicazes e de sentido profundo este texto nao seria um artigo. É, de fato, um senhor relatório digno de ser lido na tribuna da ONU em dia de casa cheia.
A verdade oculta, ou ocultada, não deixa de ser verdade.
Pelo contrário, enterrada, se transforma em semente.
Algum dia , de algum ano, germinará.
E será transformada em História.
William, não “fossem…”. Sorry.
Dados de fonte idônea analisados de forma inteligente. Referências corretas à manipulação internacional e política que se negam a reconhecer o grande esforço conducente ao resultado. O Brasil caminha e seus detratores chafurdam na energia suja e dificuldades econômicas.
Dados que embasam análises sérias. Essa é a diferença de quem tem por objetivo informar a população. Pena que não seja este o modus operandi da mídia nacional e internacional.
Prof Evaristo, sempre compartilhando ótimas e técnicas informações. Excelente abordagem de um tema de relevante impacto global. Parabéns!
Artigo muito esclarecedor. Os dados (qualificados) nos alegram, a nós brasileiros de bem, apaixonados pela nossa terra. Parabéns ao autor por divulgar boas novas do nosso campo.
Parabéns Dr Evaristo!!
Informações claras e precisas.
Parabéns Dr. Evaristo.
É um crime que a chamada “grande imprensa” não informe essa realidade e mantenha os brasileiros desinformados e mal informados. Tempos bicudos.
Importantíssima a diferença entre queimada e incêndio. E não pisem no nosso calo, digo, não queimem! Ótimo!!
Sensacional esse artigo. Aliás fabuloso como os demais. Parabéns Evaristo, parabéns a revista oeste por possibilitar que essas precisas informações cheguem ao povo em geral e as autoridades. Lamento profundamente o desserviço da mídia em geral que propositalmente ignora esses dados reais sobre as queimadas.
Parabéns a J.R. Guzzo e a Revista Oeste!
Mais uma farsa é revelada.
Brilhante, ja estou disseminando esse artigo
Meus antecessores nos comentarios teem razao
É preciso encaminhar esses numeros para França.
Parabens Evaristo !
Evaristo domina a arte de aniquilar narrativas com números, mapas e fatos. Titular absoluto da Seleção do Agro!
Excelente reportagem. Vou tentar enviar a amigos espalhados pelo mundo. Pena que esta sua reportagem só apareça na imprensa séria. Que Deus nos livre dos governos anteriores.
U da Embrapa de Canônicas.
Tivemos aqui no dia 25/8 a Caravana Embrapa, foi um sucesso
Parabéns Dr Evaristo
Seria importante que o Brasil e o mundo recebessem essas informações
Artigo brilhante, Evaristo! Muito interessante e informativo. Já mandou cópias para Macron, Greta e Biden?