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Edição 13

Por que eles odeiam a Suécia

O país merece crédito por sua imunidade à histeria em relação à doença e por manter sua abordagem aberta e civilizada diante da indignação internacional

Fraser Myers, da Spiked
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A Suécia, pelo menos vista de fora, costumava simbolizar moderação, praticidade e equidade (vamos pensar no Abba, na Ikea e na social-democracia). Isto é, até o novo coronavírus atacar. Agora é mais provável ouvir o país sendo descrito como “imprudente” e “perigoso”. Seu governo é acusado da crueldade de sujeitar seus cidadãos a um “experimento” darwinista mortal. Se a Suécia um dia pôde ter sido aclamada como referência para a esquerda social-democrata, suas políticas aparentemente assassinas hoje fazem dela um “modelo” de extrema direita. A mídia internacional agora maldiz esse país, antes considerado inofensivo, com o tipo de linguagem em geral usado para ditaduras como a Arábia Saudita, e não para a Escandinávia.

Claro, como todo mundo sabe a esta altura, o motivo pelo qual a Suécia entrou para a lista negra foi a recusa inabalável em implementar um lockdown completo. A vida de maneira nenhuma está normal na Suécia. Reuniões de mais de 50 pessoas estão proibidas, assim como visitas às casas de repouso para idosos. Existem aqueles que são incentivados a trabalhar de casa. O uso de transporte público diminuiu drasticamente. Mas, em comparação com o resto da Europa, bares, cafés, restaurantes e negócios se mantiveram abertos. As escolas continuaram abertas para todos os estudantes com menos de 16 anos. Existem orientações sobre distanciamento social e higiene, mas não são impostas pelos agentes de segurança. Os críticos da Suécia a acusam de tentar uma estratégia de imunização de rebanho — ainda que isso seja negado pelas autoridades.

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Então, como funcionou para a Suécia? Originalmente, o objetivo era “achatar a curva” — isto é, desacelerar a propagação do vírus o suficiente para evitar a sobrecarga da capacidade hospitalar. Esse cenário de horror foi a principal justificativa para a suspensão das liberdades civis e a devastação das nossas economias. Mas na Suécia isso não aconteceu.

Um ponto fora da curva na abordagem, mas não em termos de todas as consequências

No entanto, desde que os lockdowns começaram, as balizas foram movidas. Agora, os bloqueios são divulgados como meio de reduzir os casos e as mortes no total. E, mesmo nesses novos termos desonestos, os resultados suecos são bem medianos: seja quanto a números absolutos ou per capita, a Suécia fica abaixo de Reino Unido, França, Itália e Espanha — que optaram pelo lockdown.

Um estudo da Universidade de Oxford que acompanha o rigor das reações dos governos pelo mundo revela que isso teve pouco impacto nas mortes. E descobriu que, em termos de excesso geral de mortalidade (que inclui todas as mortes não causadas pela covid-19), a Suécia teve mais perdas do que teria em outra situação — afinal de contas, há uma pandemia —, mas em proporção semelhante às da Suíça, que optou pelo lockdown. Em contraste, Reino Unido, Espanha e Holanda, que também fizeram lockdown, tiveram índices de mortandade excessiva extremamente altos, em comparação com condições usuais.

A Suécia sem dúvida cometeu falhas. As autoridades pediram desculpas à população e, em razão da pressão, até informaram que teriam tomado outras medidas se fosse possível retroagir o calendário. Pessoas em casas de repouso ou que recebem atendimento em casa representam três quartos do total de mortes por covid-19 do país. “Fracassamos em proteger nossos idosos”, admitiu a ministra da Saúde sueca Lena Hallengren. Há também um número desproporcional preocupantemente alto de minorias étnicas entre os casos de covid-19 no país, o que em parte se deve às falhas do governo em comunicar os perigos às comunidades de imigrantes.

No geral, a Suécia pode ser um ponto fora da curva em sua abordagem, mas não um ponto fora da curva em termos de todas as consequências. E isso é intolerável para os defensores linha-dura do lockdown. Como resultado, qualquer notícia que pareça negativa é sequestrada como evidência de que a Suécia fracassou terrivelmente — e, por implicação, que deveríamos pensar duas vezes antes de relaxar nossas próprias restrições, apesar de seus efeitos cada vez maiores.

Atacar a Bélgica, com recorde na taxa de letalidade per capita, traria perguntas desconfortáveis sobre o lockdown

Por exemplo, um artigo do jornal britânico The Telegraph afirmou em sua manchete que a Suécia tinha a mais alta taxa de mortes por milhão de habitantes. Ele foi animadamente compartilhado e retuitado. O texto em si incluía o importante qualificador “nos últimos sete dias”, em vez de durante a pandemia. Depois, a manchete foi modificada para deixar isso claro. Exatamente por que seria útil comparar as mortes per capita em uma semana no fim de maio quando as mortes semanais na Europa estão chegando a níveis pré-pandemia não se sabe ao certo. A honraria duvidosa de maior taxa de letalidade per capita fica com a Bélgica, que teve um lockdown rigoroso, introduzido mais ou menos na mesma época que a França. Atacar a Bélgica pela maneira como lidou com o vírus traria perguntas desconfortáveis sobre a eficácia da política de lockdown. Então, em vez disso, a Suécia foi atacada.

Mesmo assim, esse factoide foi suficiente para que Nick Cohen, do jornal The Guardian, também britânico, declarasse a política sueca “uma idiotice mortal”. Talvez figuras como Cohen logo estarão pedindo intervenção humanitária para derrubar o bárbaro regime social-democrata. A diatribe inclui outra matéria com más notícias que caiu nas graças dos detratores da Suécia. Um estudo do fim de abril descobriu que apenas 7,3% dos moradores de Estocolmo tinham desenvolvido anticorpos para a covid-19. Isso deveria significar que os suecos estavam caindo como moscas, mas não tinham desenvolvido a imunidade de rebanho que poderia protegê-los no futuro. A modelagem da Agência de Saúde Pública para semanas mais recentes colocou esse número em pouco mais de 20%. Você pode adivinhar qual das estimativas chegou às manchetes.

Acima, rua comercial vazia em Bruxelas em razão do lockdown. No topo, restaurante aberto no bairro de Vaxholm, em Estocolmo

Comentadores também se deliciam com o fato de a economia sueca ter sofrido grande impacto, mesmo sem tantas medidas restritivas. Isso supostamente demonstra que as preocupações com a economia, a pobreza e o desemprego estão equivocadas e que, seja qual for a dor causada pelo lockdown, ele é um mal necessário. Um artigo no jornal The Critic, que compara a política sueca com “viva com liberdade e morra”, aponta para a previsão da Comissão Europeia de um colapso de 6,1% no PIB. Mas, de novo, os resultados da Suécia estão na média. A previsão é uma queda de 7,4% na União Europeia como um todo. Alguns países com lockdown estão antecipando níveis impressionantes de sofrimento econômico: espera-se que o PIB da Itália tenha retração de 9,5%, e o da Espanha, 9,4%. Isso também custará vidas.

As notícias que chegam da Noruega e da Dinamarca não são boas para os defensores do lockdown

Um truque de mágica que disfarça a medianidade fundamental da Suécia é que seus críticos tendem a compará-la com outros países escandinavos, e nunca com a Europa ou com o mundo como um todo. Noruega, Dinamarca e Finlândia de fato tiveram resultados muito melhores ao lidar com seus surtos do que a Suécia a esta altura. Mas comparar países “similares” é um exercício que raramente se repete em outras circunstâncias — vejamos, por exemplo, as tentativas absurdas de comparar a Nova Zelândia com o Reino Unido (para começar, a Nova Zelândia tem mais ovelhas do que pessoas).

Além disso, as notícias que chegam da Noruega e da Dinamarca não são boas para os defensores ferrenhos do lockdown. Líderes na área de saúde na Noruega descobriram recentemente que o chamado número R (a velocidade com que o vírus se espalha) ficou abaixo de 1 e a transmissão estava em queda antes que o bloqueio fosse instituído. Isso levou a chefe da agência de saúde pública da Noruega a concluir que “talvez pudéssemos ter obtido os mesmos resultados e evitado alguns dos impactos infelizes sem o lockdown, mantendo a abertura, mas com medidas de controle de infecção”.

Enquanto isso, na Dinamarca, especialistas de saúde pública afirmam que a primeira-ministra “abusou dos conselhos de saúde” ao dizer à população que o lockdown era recomendado pelas “autoridades” (o que foi interpretado pela maioria como a Autoridade de Saúde e a Agência de Doenças Infecciosas dinamarquesas). Na verdade, a autoridade de saúde da Dinamarca recomendou bem poucas das medidas draconianas que acabaram sendo implementadas. De acordo com a publicação Local, em fevereiro, Søren Brostrøm, diretor da Autoridade, “assinou uma recomendação que excluía especificamente medidas que interferissem na liberdade dos dinamarqueses, exceto em circunstâncias extremas”. Sem dúvida, conforme os custos do lockdown se acumulam e o coronavírus em si vai sumindo de vista, poucas pessoas vão querer ser reconhecidas como responsáveis pelo desastre.

O tempo dirá se os suecos vão desenvolver imunização de rebanho para a covid-19 antes que o resto de nós, ou antes que uma cura milagrosa chegue. Mas a Suécia merece crédito por sua imunidade à histeria em relação à doença, e por manter sua abordagem aberta e civilizada diante da indignação internacional.

10 comentários
  1. Eduardo De Oliveira Costa Pini
    Eduardo De Oliveira Costa Pini

    Willy Rossi Dioerkes, você realmente tem esse nome estranho?
    Uma coisa é fato, pessoas como você que fazem questão de expor opiniões ISENTAs como as suas são as que mais incomodam quem passou tanto tempo observando o mundo involuir. Colocar a mídia como vítima de tudo isso é demais pro meu estômago

  2. Paulo Eduardo Magalhães
    Paulo Eduardo Magalhães

    Muito bom o artigo!

  3. Francisco
    Francisco

    Muito difícil dizer qual país está ou fez certo ou errado nesta pandemia. Com certeza o lockdown no seu estrito conceito só serviria para situações extremamente críticas. No Brasil, no início até achei certo fechar por 2 ou 3 semanas. Serviu para preparar minimamente o sistema de saúde. Daí em diante, acredito que máscaras, distanciamento social, álcool gel e proteção aos grupos de risco seria o próximo passo. Porém devido ao ineditismo da situação alguns passos poderiam ser dados à frente ou atrás.
    Uma crise que envolve saúde, economia e política é de grande complexidade um verdadeiro desafio e aprendizado para humanidade!

  4. WILLY ROSSI DIERKES
    WILLY ROSSI DIERKES

    Por mais que se contorça, a credibilidade da imprensa tradicional Européia, Americana e principalmente Brasileira será, talvez, a maior vitima de todo esse período.

    1. Ney Pereira De Almeida
      Ney Pereira De Almeida

      VÍTIMA, MEU CARO WILLY ROSSI ?
      VOU FACILITAR: A IMPRENSA BRASILEIRA – ESSA A QUE VC. SE REFERE, PARECE – RACIONA, MORAL E ETICAMENTE – GÊMEA DOS MINISTROS DIAS TOFFOLI E ALEXANDRE DE MORAIS, TODOS VÍTIMAS, DESAFORTUNADAS E ACUMPLICIADAS. – ELES DOIS; OS DEMAIS “BLACK-COVERS” E – CLARO – A TAL IMPRENSA QUE VC. FEZ REFERÊNCIA. TODOS SOLIDÁRIOS NO DESENVOLVIMENTO E AVANÇO RAIVOSO DO PROCESSO (ULTRA ILEGAL) DE APURAÇÃO DE FAKE NEWS – À LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA, QUER DIZER, COISA NENHUMA. A CAUSA VERDADEIRA DE TUDO FOI A DENÚNCIA DE CORRUPÇÃO CONTRA TOFFOLI, FEITA PELA REVISTA “CRUSOÉ” E “O ANTAGONISTA”. O QUE, DE CARA, GEROU O PRIMEIRO ATO DITATORIAL DO STF CONTRA A LIBERDADE DE IMPRENSA E OS DIREITOS DOS PROPRIETÁRIOS DAQUELES VEÍCULOS DE IMPRENSA (TÃO IMPRENSA QUANTO ESSA DO SEU MIMIMI). ETC. ETC.. ETC… (INFORME-SE NA IMPRENSA SÉRIA QUE – HOJE EM DIA – VC. SÓ VERÁ NA INTERNET, SOBRE TODAS AS BARBARIDADES PERPETRADAS PELOS “SINISTROS” COM TOTAL BENEPLÁCITO DAS GRANDES MIDIAS ESCRITAS, FALADAS E TELEVISADAS – TODAS COOPTADAS PELA MESMA IDEOLOGIA QUE FARÁ TODOS NÓS DE VÍTIMA, COMO SEMPRE FOI, PORQUE É DA NATUREZA DELA FAZER VÍTIMAS (E CADÁVERES AOS MONTES), E EM ESCALA INDUSTRIAL…MEU CARO, AO DIZER QUE ESSA IMPRENSA “…será, talvez, a maior vitima de todo esse período”, minha paciência e tolerância apenas me permitem lhe dizer que VOCÊ ESTÁ DE SACANAGEM COM A NOSSA CARA ! Vá se informar, meu caríssimo.

      1. Marcelo Gurgel
        Marcelo Gurgel

        Uma solução que talvez diminua o número de óbitos e que certamente destruirá a economia do país, não é uma boa solução.

      2. Daniel De Souza Campos Martins
        Daniel De Souza Campos Martins

        Ney, acredito que a mensagem dele seja a de que a credibilidade da imprensa seja a vítima, e que a responsável por vitimar a credibilidade seja a própria imprensa.

  5. Alberto Junior
    Alberto Junior

    Que bom encontrar uma análise desapaixonada sobre o tumulto pelo qual a imprensa mundial achou de aplicar na cobertura dessa pandemia (aliás, no Brasil parece que só aqui mesmo, na Oeste) . Embora o articulista tenha tocado sutilmente (eu diria, com elegância contundente) na questão ideológica que dá o tom nesse “debate”, o fato é que a maior parte dos grandes veículos da imprensa ocidental está tomada por esquerdistas, que historicamente não estão interessados na realidade, mas vivem de construir narrativas (ruinosas, embora devidamente mascaradas pelo chamado discurso “politicamente correto”) para justificar suas ideias inconsequentes. Assim, vão acabar mesmo conseguindo o seu propósito de destruir a mais espetacular criação humana: a civilização clássica (democrática, racional, liberal) do Ocidente.

  6. Paulo Cavallieri
    Paulo Cavallieri

    As pessoas de bom senso sabem que a imprensa perdeu a mão, ou o pé! Aparentemente perdeu as 4 patas, com tanta idiotice e posicionamento sempre radical, fechando os olhos a realidade de cada país, e dentro de cada país de suas camadas sociais, mais ou menos vulneráveis economicamente. As palavras de ordem ecoavam, a idiotia ficou plena, políticos se renderam ao populismo de poder trancar todo mundo em casa, assinando um simples decreto e lavando as mãos quando a medidas efetivas. Já tenho 65 anos, este tipo de coisa me cansa e o pior é que, em certa altura da vida a gente conclui que: – A idiotice, sem vence!

    1. Selma Quintanilha
      Selma Quintanilha

      Perfeito! Concordo plenamente com você. Mais nefasto que o vírus são a manipulação e o oportunismo.

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