Desde os tempos em que o Brasil era uma colônia da Coroa Portuguesa, se comenta que seu solo é uma potência a ser explorada. Passados séculos desde o ciclo do ouro, hoje a mineração é um setor travado. “Os marcos legais de mineração são ultrapassados”, afirma o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, que integra a equipe de Paulo Guedes (Economia) desde o início do governo. “Precisamos de marcos que respeitem o meio ambiente, mas que ajudem a atrair investidores privados com previsibilidade e segurança jurídica.”
Sachsida afirma que o modelo canadense, tema da capa da Edição 111 da Revista Oeste, é o exemplo a ser seguido. “Queremos dobrar a participação do setor no PIB em cinco anos. Hoje é de 2,4%, queremos chegar a 5% do PIB”, diz. Ele também detalhou como o governo conseguiu baratear o preço dos combustíveis e do gás com políticas liberais que vão na contramão da Europa.
Confira os principais trechos da entrevista:
Nesta semana, o senhor disse que a produção de petróleo crescerá em mais de 70% nos próximos dez anos. Esse dado é realista?
São os postos do pré-sal. O Brasil ficou muito tempo sem realizar leilões. Em 2019 e em 2021, ocorreram os dois maiores no mundo. Há todo um processo de investimento para o aumento da extração. Não é chute, isso já está delimitado nas estimativas de mercado. Ocorre que o processo estava emperrado desde 2016, até esse governo conseguir destravá-lo.
Como foi o caminho para conseguir a redução dos combustíveis depois da pandemia e com uma guerra em curso na Europa?
O preço dos combustíveis já estava no radar do governo havia muito tempo. A partir de janeiro, passamos a trabalhar em busca de medidas no Congresso para tentar a redução ‘sem canetada’. Ou seja, tentando melhorar o desenho de mercado. Foram aprovadas algumas medidas no Congresso, como a alteração na alíquota. Antes, era um porcentual sobre o valor, então se a gasolina subia, o ICMS também subia. Foi mudada a forma de cálculo. Havia uma série de complicações, e o caminho era tentar simplificar. Também foram zerados tributos federais sobre o diesel. Só que os preços ainda subiam. Então veio a medida mais importante, que foi transformar energia, combustíveis, transportes e comunicações em produtos essenciais. Uma vez que passaram a ser considerados insumos básicos, houve redução da carga tributária. Os analistas enxergam a mudança no preço final, mas a mudança foi estrutural. Imagine uma padaria ou um salão de beleza. A economia em energia pode se converter em investimentos ou na contratação de mais funcionários. O mesmo acontece com a oficina mecânica, com os motoristas de aplicativos, taxistas, caminhoneiros, máquinas a diesel — que já caiu 11,7%. No setor de comunicações, também. Por exemplo: para quem passou a trabalhar em regime de home office desde a pandemia, o custo com energia e internet caiu. A mudança é mais profunda, os preços são só a ponta do iceberg.
A redução nos preços dos combustíveis será contínua ou chegou ao limite?
Não dá para prever. Ninguém sabe o que vai acontecer com o preço do barril do petróleo no mundo. Com a guerra, a tendência é a realocação de portfólio de investimentos, com dinheiro saindo da Ucrânia, da Rússia e de partes da Ásia. Por isso, traçamos uma estratégia para mostrar que o Brasil é um porto seguro para investimentos. O preço do barril de petróleo chegou a R$ 130. Não é normal, uma hora iria cair. Era questão de tempo para que os Estados Unidos e outros países aumentassem a produção e os juros — e, quando isso ocorresse, a demanda ia cair. Tínhamos de montar a estratégia de atrair investimentos. Vários países europeus estão colocando imposto adicional, tendo um lucro extraordinário. O Brasil, não. Eles aumentaram tributos, a gente reduziu. Outra coisa: a Europa está congelando preços, mas em nenhum momento fizemos isso. Preço tem de ser regulado por meio de mercado. Veja a Alemanha! Está nacionalizando empresas de energia.
Colocar de pé o mercado livre de energia. É o sol dos mais pobres. A maneira de a população carente ter acesso à conta de luz barata
E o gás de cozinha? O botijão de 13 quilos custa mais de R$ 110.
Zeramos para sempre os impostos federais do botijão de gás. Ocorreu que, mesmo com as reduções de tributos, o efeito foi menor no botijão e no diesel, então transferimos o dinheiro direto para a população. Aí veio esse vale-gas, desenhado para quem estava precisando, mas com foco fiscal baixo. De fato, o preço a R$ 113 estava muito pesado. É consequência da guerra na Europa, a pior desde a Segunda Guerra Mundial, e dos países ainda saindo da pandemia. Em vez de congelar artificialmente o preço do gás, adotamos uma alternativa via mercado, que os liberais, vide Milton Friedman, defendem. Em vez de mexer no preço, demos um voucher para a população.
Foi a mesma fórmula usada para os caminhoneiros?
Para o diesel, uma das propostas era criar um fundo de estabilização, que custaria R$ 120 bilhões aos cofres públicos. Poderia resultar num problema enorme, porque havia risco fiscal se o real se desvalorizasse — uma verdadeira bola de neve. Optamos por gastar R$ 3 bilhões e fazer um voucher, que é de R$1 mil por mês, por seis meses, para cada caminhoneiro. O Congresso aprovou esse instrumento, que preserva o preço livre do diesel.
No caso da conta de luz, a bandeira voltou ao normal no primeiro semestre. Ainda resta algum efeito da crise hídrica do ano passado?
A bandeira emergencial saiu, estamos na cor verde, mas algumas distribuidoras tiveram de pegar dinheiro emprestado durante a crise, a pior da história. Como o custo do empréstimo é rateado, elas ainda estão pagando. O que a Europa está sofrendo agora, nós sofremos em 2021. Mas mantivemos preços livres e não nacionalizamos empresas, o que eles estão fazendo hoje.
Qual a avaliação do senhor sobre a governança da Petrobras depois de passar anos sendo pilhada por corrupção?
Acho que evoluiu muito. Mas o problema é que ela detém poder demais — poder demais, aliás, para uma única empresa. A Petrobras controla os preços de um insumo no país inteiro. Não chamo de monopólio, mas de poder de mercado muito grande para uma empresa só. Defendo mais competição.
O senhor está falando em privatização?
A Petrobras tem um termo de compromisso assinado com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para vender oito refinarias. Inevitavelmente, vai gerar mais competição. Faltam dois anos para vender as refinarias restantes.
Se o presidente Jair Bolsonaro for reeleito, é possível começar o processo de privatização da empresa. Em quantos anos o modelo seria mudado?
A Eletrobras, que era muito mais simples, levou seis anos desde que o ex-presidente Michel Temer começar o processo até a desestatização, neste ano. A Petrobras, pelo seu tamanho, seria algo mais longo e complexo. Não dá para trocar o poder de mercado estatal por uma empresa privada com tanto poder de mercado. É preciso um desenho para gerar competição no setor. Depende também da força do governo para levar adiante no Congresso, porque passa pela aprovação de projetos de lei. Depois, ainda tem o aval do TCU (Tribunal de Contas da União). Mas ficou clara para a sociedade a importância de ter empresas privadas. A vantagem é que, quanto mais competição tiver, melhor vai ser o preço final para o consumidor. Vou dar um exemplo: em 1994, metade das localidades brasileiras não tinha telefone. Usava-se ficha telefônica, quem tinha uma linha precisava declarar à Receita Federal no Imposto de Renda — e, para comprar a linha, levava dois anos. Em 1998, ocorreu a privatização do sistema Telebrás. Com todos os problemas que aconteceram, foi um sucesso para o consumidor. Veja a facilidade de acesso ao telefone hoje em dia. A mesma coisa pode acontecer com o petróleo, o consumidor vai escolher quem atende melhor.
Qual é o grande desafio do setor elétrico a partir de janeiro do ano que vem?
Colocar de pé o mercado livre de energia. É o sol dos mais pobres. A maneira de a população carente ter acesso à conta de luz barata. Buscar energia limpa, segura e barata e conseguir levá-la ao mercado.
O ministério também gerencia a mineração. Há décadas, fala-se que o Brasil tem enorme potencial em riquezas no solo, mas esbarra em entraves burocráticos, numa legislação inflexível e na patrulha de ambientalistas. Como avançar?
O nosso norte é o Canadá. Queremos dobrar a participação do setor no PIB em cinco anos. Hoje é de 2,4%, queremos chegar a 5% do PIB. É possível com a transição energética que está acontecendo no mundo. Para ter painel solar, precisa-se de mineração, assim como as pás eólicas, a fiação de distribuição. É o momento da mineração mundial. O Brasil precisa ser um Canadá, com respeito ambiental às comunidades locais, mas ampliar as oportunidades do setor.
Como virar um Canadá com tantos entraves que vão parar na Justiça e uma agenda crescente de militância ideológica no meio ambiente?
Melhorando os marcos legais. Não adianta ficar reclamando, porque os marcos obrigam. Por exemplo: o lítio, mineral básico usado nas baterias. O Brasil tem boas reservas, mas a produção é muito baixa. Porque para exportar era exigida a autorização de um burocrata em Brasília. O que fizemos? Cancelamos a exigência da autorização. Era um simples decreto, está resolvido. Já há empresas investindo no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, que precisa gerar empregos. Os marcos legais de mineração são ultrapassados. Precisamos de marcos que respeitem o meio ambiente, mas que ajudem a atrair investidores privados, com previsibilidade e segurança jurídica. Outro exemplo: se uma mineradora que busca ferro encontrar urânio, obrigatoriamente ela tem de parar as atividades. Editamos uma medida provisória no mês passado que diz: se encontrar urânio, basta informar o governo, e não minerar urânio. Não precisa travar a extração. São medidas simples que têm grande impacto.
Outro exemplo de paralisia é a longa discussão sobre a exploração de petróleo e gás na chamada Margem Equatorial — região do litoral próxima à Linha do Equador.
A Margem Equatorial é a próxima fronteira do petróleo no mundo. Pode vir a ser um novo pré-sal para o Brasil. Mas só vai se concretizar se der para explorar. Há 11 anos, tenta-se o licenciamento ambiental da Margem Equatorial. Veja, não é culpar ninguém, mas o processo de licenciamento é fundamental. É preciso que se diga ‘sim’ ou ‘não’. Não se pode levar 11 anos. E por quê? Porque tem de ouvir as comunidades locais. Mas a margem fica a 200 quilômetros da costa! Não tem impacto em comunidade nenhuma. É a falta de conhecimento que trava projetos. Por isso, estamos conversando com o Ministério do Meio Ambiente, Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério Público Federal (MPF), para mostrar que é preciso ter bom senso. É claro que tem de preservar o meio ambiente, mas será que processos que são feitos no mundo todo, que são reconhecidos como seguros, não podem ser trazidos para o Brasil?
O senhor quer citar mais algum exemplo concreto?
O Linhão Manaus/Boa Vista. A obra foi licitada em 2011. Boa Vista, em Roraima, é a única capital até hoje sem ligação com o Sistema Nacional de Energia. São enviados 80 caminhões de diesel por dia para manter as usinas térmicas de eletricidade. São 4,5 mil litros de diesel por dia. Com o projeto aprovado, se concluído, terá menos queima de combustível fóssil. Mas, de novo, estava travado. Conseguimos nos sentar todos numa mesa, o Ibama, a Funai (Fundação Nacional do Índio), o Ministério Público Federal, para finalmente fazer andar. É possível, se tiver bom senso. Recebemos 250 pessoas em Brasília de diversos setores de mineração e energia. Desenvolvemos uma agenda e no dia 10 de novembro teremos dez projetos de lei prontos para o setor.
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A burocracia é negócio de comunista. Bota essas desgraçadas toda pro exílio ou pro inferno
JB ATÉ 2026