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Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 133

Mercado de alto risco

Eles podem até sonhar com Meirelles e Arminio, mas poderão acordar presos num pesadelo em que Dirceu e Boulos dão as ordens

Rodrigo Constantino
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Há uma crença um tanto disseminada por aí de que o “mercado” não costuma errar. Como alguém que trabalhou por anos como analista e gestor, tenho uma visão bem diferente. Claro que, em termos gerais, não é trivial “bater” o mercado de forma sistemática. Pela interação dinâmica de milhões de indivíduos inteligentes, colocando suas carreiras em risco, quase tudo aquilo que é informação pulverizada, até mesmo privilegiada, acaba sendo precificada pelo mercado. Mas daí a considerar que os preços dos ativos refletem as previsões acuradas de um futuro incerto vai uma longa distância. Ou seja, o “mercado” não é necessariamente um vidente.

Este é um velho debate na academia e entre os próprios gestores. Por isso temos fundos passivos, que somente replicam uma cesta de ativos, e outros ativos, que tentam superar o retorno dos índices. Mas esse assunto é técnico demais e não será o foco aqui. Meu intuito ao trazer isso é apenas desmentir a tese de que, se o “mercado” está tranquilo com um eventual cenário projetado, então todos nós podemos dormir em paz. Eu estava no mercado quando vi muitos gestores apostarem na narrativa de Dilma como uma gestora eficiente, e levou certo tempo até eles se provarem totalmente infundados.

Vamos direto ao ponto: tem uma turma espalhando que o “mercado” está otimista pois um Congresso mais conservador e economistas tucanos ao lado de Lula fariam com que o PT, caso voltasse ao poder, adotasse um governo moderado. Considero essa tese extremamente otimista e até um pouco irreal. Não questiono o poder do tal sistema, e basta mencionar o impeachment da própria Dilma como evidência de que, quando foi preciso sacrificar um peão para preservar a galinha dos ovos de ouro, os donos do poder impediram o Brasil de afundar de vez. Mas corremos enorme risco de virar uma Venezuela ali…

Dilma Rousseff e Michel Temer, na abertura do desfile militar em comemoração ao Dia da Independência, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), no dia 7/9/2013 | Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo/AE

São muitas variáveis agindo, e, não fossem os milhões de brasileiros se mobilizando para ocupar as ruas, o Eduardo Cunha como presidente da Câmara, o Michel Temer como vice-presidente, talvez a história tivesse terminado bem diferente, de maneira trágica. Não há esse controle todo por meio de alguns figurões, como as teorias da conspiração costumam pintar. Ao contrário: acredito que reine certo caos, e que as ações de alguns indivíduos podem fazer toda a diferença, para o bem ou para o mal.

Esses que ficam calmos só porque Lula colocou Geraldo Alckmin como vice e trouxe Meirelles e Arminio Fraga como apoiadores estão deveras iludidos, em minha opinião. Pode ser que tais forças, com a pressão de banqueiros e veículos de comunicação tucanos, sejam suficientes para criar uma barreira de contenção aos arroubos mais irresponsáveis dos petistas? Até pode. Mas é no mínimo uma aposta para lá de arriscada!

Afinal, Lula também está com o velho PT ao seu lado, com Dirceu e companhia, além de novos radicais, como Guilherme Boulos. Mesmo sem apresentar um projeto de governo, Lula deu dicas, e são temerárias. Ele fala em governar com o MTST, elogia o MST enquanto demoniza o agro, quer furar o teto de gastos, pretende reinstituir um imposto sindical, prometeu reverter privatizações, etc. A agenda petista é aquela mofada da esquerda radical latino-americana, que vem causando enorme estrago na Colômbia, no Chile, no Peru e na Argentina, sem falar da Venezuela, em desgraça total.

Movimento Sem Terra | Foto: Júlia Dolce/MST

Isso é para focar apenas no aspecto econômico, de maior interesse do “mercado”, que deseja somente maximizar lucros de forma amoral. Mas não é preciso ser um analista muito atento para detectar o rancor nas falas de Lula, o clima de vingança que ele exala. Se temos grande insegurança jurídica por conta do ativismo supremo hoje, imagine se Lula puder apontar mais dois ministros do STF e estiver na Presidência. O grau de ousadia desses arrogantes autoritários será mais assustador ainda. Lula já falou também em regular a imprensa e até as redes sociais, eufemismo para censura.

Todo governante, especialmente numa democracia, precisa fazer concessões. Sim, o Congresso será mais conservador. O centrão fisiológico tem muito poder e não costuma ficar impune quem o despreza. Tudo isso dificulta um plano mais extravagante do PT. Mas não garante nada. Numa terra sem lei, com a cumplicidade de alguns agentes importantes, o partido pode comprar amplo apoio, intimidar aqueles que não estão à venda, e concentrar mais e mais poder em si.

Esses que ficam calmos só porque Lula colocou Geraldo Alckmin como vice e trouxe Meirelles e Arminio Fraga como apoiadores estão deveras iludidos

É por isso que Lenin dizia que os capitalistas venderiam a corda que seria usada para enforcá-los. O que notei em meus anos de mercado é que poucos ali se dão conta de aspectos mais culturais ou ideológicos por trás de movimentos políticos. Eles acham que todos são movidos pela planilha de resultados, enquanto há um pessoal ideológico e totalitário, com ambição desmedida pelo poder.

O “mercado” tucano tolera Lula por seu lado “pragmático”, ou seja, aceita levar o corrupto para casa se junto vierem Meirelles e Arminio, ignorando o seu lado totalitário. Esses gestores otimistas acham que vão teclar 13 e ter Alckmin em vez de Lula como presidente, Meirelles em vez de Boulos como ministro. Eles, por algum motivo qualquer, imaginam que o destino argentino jamais seria possível no Brasil, esquecendo que a Argentina já foi um país bem mais rico e culto que o Brasil.

zé dirceu mensalão
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, ao ser solto do Presídio da Papuda, em Brasília, (08/11/2019) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

É a mesma postura da imensa maioria da velha imprensa. Há os petistas escancarados, penas de aluguel, que adoram Lula e não se importam se o Brasil virar uma espécie de província chinesa. Mas muitos são tucanos, “progressistas”, e preferem o PSDB ao PT, engolem Lula só com ajuda de um digestivo, por ódio patológico a Bolsonaro. Eles estão loucos para acreditar num aceno ao centro de Lula, por uma “promessa” de maior moderação. É como a mulher traída inúmeras vezes que resolve acreditar novamente no malandro, pois agora ele vai tomar juízo…

O “mercado” e a mídia estão brincando com fogo, numa aposta extremamente arriscada. Eles podem até sonhar com Meirelles e Arminio, mas poderão acordar presos num pesadelo em que Dirceu e Boulos dão as ordens, e o Brasil se torna cada vez mais rápido uma nova Argentina, quiçá Venezuela. Não há nada escrito nas estrelas que impeça tal cenário em nosso país. O futuro, afinal, é feito de escolhas.

Leia também “Caso de polícia”

9 comentários
  1. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    DEUSOLIVREEEE!!!!!

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Constantino, para mim dessa vez você se superou. Texto excelente. Parabéns. Se eu não morasse no Brasil, sinceramente, gostaria de ver o Satanás de nove dedos eleito e esses ditos “liberais”, adeptos da social-democracia, banqueiros socialistas e demais corja se lascarem de corpo e alma por terem votado no Bode do Diabo.

  3. Antonio Carrijo Primo
    Antonio Carrijo Primo

    Armínio Fraga e Meireles se aliando a Lula, para ser brando, diria tratar-se de um caso de polícia!!!

  4. Luis Antonio Felipe
    Luis Antonio Felipe

    será a vergonha ,com vergonha da vergonha

  5. Júlio Rodrigues Neto
    Júlio Rodrigues Neto

    MIT🟢🟡

  6. Paulo Fernando Vogel
    Paulo Fernando Vogel

    Está difícil compreender “o mercado” constituído por profissionais, em princípio, liberais, capitalistas, não estarem apoiando vigorosa e publicamente o Presidente. Ver como agem Itaú, XP, BTG etcaterva está dando ânsias de vômito.

  7. Carlos Alberto Carravetta
    Carlos Alberto Carravetta

    Constantino, você é brilhantemente assustador!

    1. Marcus Borelli
      Marcus Borelli

      Concordo totalmente com você Carlos.

  8. Luciana Ruas Rodrigues
    Luciana Ruas Rodrigues

    Como deixou muito claro Ortega y Gasset (não confundir com o amigo de Lula), se por ódio a Pedro faço todo o possível para liquidá-lo, não estou fazendo outra coisa senão liquidar o que ele fez, no presente, e assim instituir o “não Pedro”, ou seja, negar a história e pregar o retorno à barbárie.
    Isso se torna ainda mais claro quando o retorno se afigura a um passado recente, que se pretende, em vão, apagar da história.
    Viva o passado. Viva a nação da eterna aurora!!!!!!!!

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