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Cientista político Christopher Garman | Foto: Reprodução/Divulgação
Edição 138

‘A esquerda vai ter dificuldade para governar’

Para o cientista político Christopher Garman, a ‘lua de mel’ de Lula será curta e os  protestos de conservadores devem ganhar força

Cristyan Costa
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Lua de mel curta, baixos índices de aprovação durante o governo e forte oposição dos conservadores nas ruas. Essa é a análise do cientista político Christopher Garman, sobre o que o presidente eleito, Lula, vai enfrentar daqui para a frente. Isso porque a direita conseguiu eleger uma boa bancada no Congresso Nacional, quase manteve Bolsonaro na Presidência e tem demonstrado força nas manifestações.

Essa é uma tendência que deve se expandir para outros governos de esquerda na América Latina, que vão lidar com um cenário econômico e político bem mais hostil do que na primeira onda do grupo, em meio ao “boom das commodities”, no início dos anos 2000 e meados da década passada. “O atual apoio popular da esquerda não garante a governabilidade da qual desfrutaram um dia”, afirma Garman. “É só pegar como amostra o presidente do Chile, Gabriel Boric. Em menos de um ano, a aprovação dele afundou rápido. Gustavo Petro, na Colômbia, está semelhante, visto que, mal assumiu, sua aprovação despencou.”

Foto: Reprodução/Divulgação

O especialista diz que o mundo vive um momento de “desencanto” com as instituições e de “revolta contra o sistema”, o que significa governos mais fracos e suscetíveis à não permanência no poder. A Oeste, Garman discorreu sobre as eleições no Brasil, as manifestações de rua e a volta da esquerda à maioria dos países latino-americanos.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Com a vitória de Lula, a América Latina volta a ficar quase totalmente tingida de vermelho, semelhante ao início dos anos 2000. Como o senhor vê essa mudança?

Diferentemente do que algumas pessoas afirmam, não se trata do restabelecimento da força que a esquerda tinha no passado. Trata-se de um movimento de descrença nas instituições e insatisfação com o sistema atual, que vem aumentando com o passar do tempo. Somadas a isso, há as consequências da covid-19. O choque inflacionário, em virtude do isolamento social, tomou conta do planeta. A renda da população caiu drasticamente, as classes baixas sofreram mais, e a esquerda conseguiu capitalizar isso de alguma forma. Outro elemento é que estamos em uma era em que o ambiente para apoio popular é complicado. O cenário é de “lua de mel” curta para novos governantes, como o presidente Lula, além de baixas taxas de aprovação.

“Os conservadores saíram da eleição sentindo-se roubados, principalmente ao observarem a forma como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conduziram a disputa”

Então, esses governos de esquerda terão dificuldades para se sustentar?

Sim, porque o atual apoio popular da esquerda não garante a governabilidade da qual desfrutaram um dia. É só pegar como amostra o presidente do Chile, Gabriel Boric. Em menos de um ano no Palácio La Moneda, a aprovação dele afundou rápido. Gustavo Petro, na Colômbia, está igual, visto que, mal assumiu, sua aprovação despencou de 60% para 40%, dando sinais de que esse processo de desidratação vai continuar. A esquerda entrou no poder, porém, com restrições econômicas e políticas. No caso do Brasil, ela não tem um bom passado, em razão de escândalos de corrupção expostos pela Lava Jato, não conseguiu maioria no Congresso e está limitada ao caixa do Estado, que não é suficiente para financiar seu programa de governo assistencialista. Ela está com as mãos amarradas.

O presidente chileno Gabriel Boric chega ao seu escritório no Palácio Presidencial La Moneda | Foto: Matias Basualdo/AP/Shutterstock

A que o senhor atribui a derrota do presidente Jair Bolsonaro?

Não acho que as declarações que o presidente deu sobre o novo coronavírus são as causas do resultado da eleição, como ouvi na mídia. Um dos motivos para a não reeleição do chefe do Executivo foi o impacto da inflação, devido ao isolamento social. Durante a pandemia de coronavírus, a renda real do Brasil caiu 8%, e ainda não voltou aos patamares pré-covid, apesar da recuperação da economia, entre o fim do ano passado e agora, e da queda do desemprego. Muita gente não viu o que o governo fez para combater isso e não entendeu as causas do problema, ao querer soluções rápidas para problemas difíceis.

Depois de vencer a eleição, Lula falou em “pacificar o Brasil”. Ele conseguirá fazer isso?

Não. O país está polarizado, e isso vai durar bastante tempo. Também acredito que Lula terá índices de aprovação baixíssimos, algo bem diferente de quando deixou a Presidência. A pessoa que votou em Lula não deu ao petista um cheque em branco. O efeito destas eleições será semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos. Joe Biden foi eleito com uma retórica de pacificação. Embora tenha conseguido passar algumas medidas no Parlamento, não pacificou o país, e nada indica que o fará. Os próximos passos de Lula serão mobilizar o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), para tentar conseguir apoio no Congresso e assegurar o mínimo de governabilidade. Ainda assim, a Câmara e o Senado têm figuras que não se curvarão, ou seja, haverá oposição de verdade: uma trincheira anti-PT.

Lula tem condições de concretizar promessas, como regulamentar a mídia, derrubar o teto de gastos e alterar a reforma trabalhista?

Dessas citadas, a mais possível de acontecer é a quebra do teto de gastos, porque há parlamentares dispostos a gastar mais. Tudo vai depender do Congresso, agora de centro-direita. Lula tem condições de promover algumas coisas do seu plano de governo, mas nem tudo. A oposição a ele é real no Parlamento. Pelo menos um terço do Congresso é liberal-conservador. O petista terá de negociar caso a caso. Hoje, é quase impossível imaginar que os congressistas revoguem a reforma trabalhista, por exemplo, tampouco promovam a regulamentação da mídia. Com a oposição na rua, do tamanho que ela está se apresentando, propostas autoritárias dificilmente passariam no Congresso.

Qual a avaliação do senhor sobre as manifestações populares em reação à vitória de Lula?

Os conservadores saíram da eleição sentindo-se roubados, principalmente ao observarem a forma como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conduziram a disputa. As duas Cortes pesaram a mão no ativismo judicial durante o processo. Além disso, há o tratamento diferenciado que a imprensa tradicional deu ao candidato do PT. Isso é nítido nas entrevistas concedidas por Lula e Bolsonaro ao Jornal Nacional, com Bonner tratando melhor o ex-presidente. O eleitor de direita não se esqueceu da questão envolvendo os empresários bolsonaristas e vê o TSE como um algoz de Bolsonaro. O que eu vejo é que os protestos vão continuar de natureza ordeira e pacífica.

Qual o maior desafio do novo governo?

Estabelecer uma aliança em prol da economia. Lula precisa garantir a responsabilidade fiscal, se quiser ter dinheiro em caixa. O problema é que, durante a campanha, o ex-presidente criticou o capitalismo, as privatizações e até o mercado. Se ele não conseguir firmar um pacto em prol da recuperação do país, a maioria das promessas que fez ficará no papel. No governo Jair Bolsonaro, a economia tinha grandes chances de crescer, agora, é uma incógnita.

É possível imaginar uma América Latina novamente pintada de azul, como a que havia entre 2016 e 2018?

Se o ambiente de insatisfações e de revoltas contra o sistema perdurar, sim, porque os governos não vão ter continuidade, como ocorria num passado recente. Fala-se, agora, que o presidente Jair Bolsonaro foi o “primeiro a não conseguir ser reeleito” na pós-democratização. Mas o PT corre esse risco também, porque vivemos em um momento em que há menos continuidade de governos. A oposição elege-se, mas, quando chega ao poder, tem dificuldades em mantê-lo. Tudo indica que a esquerda passará pelo mesmo.

Leia também “O árbitro do jogo foi parcial”

11 comentários
  1. Cantidio Rosa Dantas
    Cantidio Rosa Dantas

    Pacto com a ilegalidade,traição com o povo Brasileiro e falta de respeito com a verdade são atributos desses ue se dizem vencedores às eleições Presidenciais de 2022. A História corrigirá em breve ssas tremendas mentiras.Cantidio Dantas.

  2. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Me preocupa o fato que Lula tem muita “habilidade” para conseguir votos do Congresso para suas propostas. Já fez isso no passado, provavelmente irá fazer o mesmo no futuro. Infelizmente não acredito em políticos.

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O Brasil será desgovernado por um descondenado.

  4. Berman
    Berman

    Há um outro fator a considerar , a saúde do Lula com possível recorrencia do cancer.

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    A esquerda vai pra cadeia

  6. JOSE ROBERTO FRANQUES MARTINS
    JOSE ROBERTO FRANQUES MARTINS

    Jamais tivemos politização da população neste nível. Muito sensata sua avaliação.
    Infelizmente JB atingiu índice alto de rejeição o que foi determinante para o resultado das urnas.

  7. Carlos Eduardo F. Rezende
    Carlos Eduardo F. Rezende

    Sem comentários.
    O que eu quero dizer sobre o lula e a quadrilha, não posso.

  8. JOSE FERNANDO CHAIM
    JOSE FERNANDO CHAIM

    SE… GOVERNAR!!!!!!!

  9. nader murad
    nader murad

    muito bem analizado tem mais o lula nao deceu do palanque esta
    destilando odio optando pelo revanchismo

  10. AMILCAR O ANDRADE
    AMILCAR O ANDRADE

    vai ter dificuldade nada .O lula tera novamente o instrumento mais importante da “democracia brasileira” A chave do cofre .Essse instrumento que promove ,com maestria,acordos ,e alianças perfeitas ,para eles claro, e o lula é mestre para dividir o butil

    1. Alzira Conceição Pacheco de Lima
      Alzira Conceição Pacheco de Lima

      Concordo com vc, meia dúzia se mantêm honestos, os outros nunca foram.

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