Pular para o conteúdo
publicidade
Bernardo Santoro, mestre em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro | Foto: Reprodução
Edição 140

‘Os liberais que apoiaram Lula vão ser engolidos pelo PT’

O advogado Bernardo Santoro afirma que as políticas petistas devem colocar em xeque os avanços econômicos conquistados pelos brasileiros

Edilson Salgueiro
-

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não vestiu a faixa presidencial, mas os efeitos de suas políticas já começam a ser sentidos pelos brasileiros. Para cumprir as inviáveis promessas de campanha e atender às reivindicações das velhas raposas da política, o embrionário governo petista mandou às favas a responsabilidade fiscal. Propôs o fim do teto constitucional de gastos, aprovado em 2016 pela administração Michel Temer (MDB), e anunciou a criação de 13 novos ministérios.

Mas não é só isso. O partido que saqueou o país por 14 anos também pretende mudar a política de gestão das estatais, revogar o Novo Marco Legal do Saneamento e desfazer as reformas que contribuíram para a retomada da economia brasileira, assolada pela pandemia e pela guerra no Leste Europeu.

Para conversar sobre esses e outros retrocessos, a Revista Oeste entrevistou o advogado Bernardo Santoro, mestre em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Ele é membro do Conselho Curador da Fundação da Liberdade Econômica e ex-presidente do Instituto Liberal do Rio de Janeiro. Santoro ainda preside o Instituto Rio Metrópole, autarquia que liderou o projeto de concessão do serviço de saneamento básico na região metropolitana do Estado. Atualmente, é especialista do Instituto Millenium.

Membro do Conselho Curador da Fundação da Liberdade Econômica e ex-presidente do Instituto Liberal do Rio de Janeiro | Foto: Reprodução redes sociais

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é o legado econômico do ministro Paulo Guedes e do presidente Jair Bolsonaro?

O mais importante de todos os legados: a Lei da Liberdade Econômica. Embora a Constituição defenda a liberdade econômica como princípio fundamental da ordem econômica brasileira, a criação de uma lei sobre o tema garantiu uma visão de Estado focalizada na desburocratização e na instrumentalização da liberdade econômica. Esses passaram a ser os verdadeiros meios de crescimento do Brasil, e não a indução estatal. Agora, essas conquistas estão sob ameaça. Também pudemos observar reformas estruturais importantes, como o Novo Marco Legal do Saneamento e o Marco das Ferrovias. Houve ainda o corte de 20 mil cargos comissionados e a diminuição do número de ministérios. A privatização de empresas, especialmente de partes da Petrobras e da Eletrobras, também entra na lista de legados. O governo teve uma visão privatista.

Algumas reformas do atual governo não têm caráter definitivo, ou seja, políticos ineptos podem voltar ao poder e destruir os avanços conquistados pelos brasileiros nos últimos anos. Há alguma “vacina” contra esse possível “vírus” cleptocrata?

A melhor maneira de resolver definitivamente o uso de estatais para fins de roubalheira é a privatização. É o único caminho 100% seguro para que haja uma blindagem. Nas estatais que não foram privatizadas, o governo Bolsonaro aplicou métodos de gestão muito parecidos com aqueles que observamos nas melhores gestões de empresas privadas. Isso é interessante, porque uma estatal bem administrada gera bons lucros. Esses lucros podem ser destinados a melhorias e a investimentos sociais. Em contrapartida, como esse “remédio” não é definitivo, os governos seguintes podem simplesmente desmontar esse sistema. Talvez uma Lei Geral de Gestão de Estatais, centrada na melhoria do ambiente de gestão, fosse uma opção. Ainda assim, seria um paliativo. O ideal seria a venda de estatais, porque isso maximiza sua eficiência.

“Desejo que as tendências apresentadas pela equipe de transição não emplaquem. Espero que as instituições brasileiras e o Parlamento sejam fortes o suficiente para impedir o retrocesso das políticas públicas que foram prometidas pelo presidente eleito”

Quais as principais ameaças econômicas que o PT traz para o Brasil?

Quando penso no PT como um partido que defende a condução da economia pelo Estado, com o uso das estatais para fomentar crédito em abundância, tenho as minhas preocupações. O PT não só defende essas ideias, como também acha que essas ideias são a melhor forma de promover o desenvolvimento social e econômico. O PT entende que o crescimento socioeconômico vem do agigantamento do Estado. É uma visão de mundo que se contrapõe à visão liberal-conservadora. Quando comparamos os países que adotaram um modelo de liberdade econômica com as nações que adotaram modelos de indução estatal do crescimento, vemos que os primeiros tiveram resultados práticos superiores.

Quais pautas específicas ameaçam o legado do governo Bolsonaro?

O PT não esconde sua visão estatista. É perigoso o fato de o partido estar usando novamente o BNDES para retomar a política dos “Campeões Nacionais”. Também é perigoso ver o Banco Central expandir a base monetária para bancar gastos públicos. Há ainda a possibilidade do aumento da carga tributária no país, que vinha baixando. O objetivo é adotar políticas sociais fiscalmente irresponsáveis e dirigir os investimentos não de acordo com a oferta e a demanda do mercado, mas tendo como parâmetro ajudar os amigos do partido. A irresponsabilidade fiscal é um problema em si. E Lula já mostrou que pretende destruir um dos maiores legados de Temer, que é a instauração do teto constitucional de gastos. O PT entende que o teto de gastos vai contra o desenvolvimento do país. Mas uma âncora fiscal sólida é que de fato garante a solidez do mercado e das instituições, para que os investidores possam investir de maneira segura. Não podemos ignorar o fato de que o PT prometeu expandir os cargos em estatais e aumentar o número de ministérios.

A equipe de transição do governo Lula tem aproximadamente 300 integrantes. Como o senhor observa essa questão?

Tratando-se da qualidade dos nomes, houve o resgate de homens públicos que, outrora, participaram dos governos petistas e apenas fizeram mal à gestão pública. Essas pessoas malversaram o dinheiro público. Isso pode ser tão danoso ao Erário  quanto a corrupção. Um desses personagens [Guido Mantega] tentou, de maneira vexatória, impedir a nomeação do economista Ilan Goldfajn como presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Mas seus esforços deletérios e antipatrióticos não surtiram efeitos. Essa quantidade gigantesca de pessoas participando da equipe de transição mostra que há pouca preocupação do novo governo com a qualidade do trabalho. Os grupos de transição precisam levantar dados, conhecer as políticas públicas que estão em andamento e entender quais dessas políticas devem continuar. Em vez disso, o novo governo está promovendo uma enorme festa política. Estão vendo quem irá ocupar os “carguinhos” mais importantes.

Ilan Goldfajn | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O PT trouxe economistas liberais para a equipe de transição, como André Lara Resende e Pérsio Arida. O partido está sendo oportunista ou quer mesmo adotar políticas liberais?

Não é um movimento oportunista, porque essas figuras públicas apoiaram a candidatura do presidente eleito. Eles estiveram alinhados ao longo do processo eleitoral. Em contrapartida, não me parece um movimento sustentável. O pensamento político dos petistas e dos principais apoiadores do partido é antiliberal. Eles entendem que o Estado deve ser o grande indutor do crescimento econômico e social do país. No longo prazo, os políticos liberais serão engolidos pelo processo político do PT. Eles perderão espaço no governo Lula. O ambiente político petista é hostil aos liberais.

O senhor considera provável o avanço da PEC da Gastança?

Isso dependerá das eleições para as presidências da Câmara e do Senado. O PT sempre foi habilidoso em negociar com o Congresso. E o atual Congresso não está tão à direita quanto aquele que tomará posse em fevereiro de 2023. O PT tem uma janela de oportunidade, entre dezembro e janeiro, para votar a PEC da Gastança. Também é preciso aguardar qual será o espaço ocupado no governo pelos partidos mais ligados ao centro político.

Quais serão os efeitos econômicos, caso essa proposta seja aprovada?

Essa PEC causará um enorme prejuízo. A imprensa chama de “PEC de Transição”, mas, na verdade, é a “PEC do Suicídio Fiscal”. O melhor juízo administrativo e político exige que essa medida não seja aprovada. Não existe aumento de despesa sem aumento de receita. Para que consigamos suportar essa gastança que se aproxima, precisaremos ter mais recursos públicos. Isso só acontece com o aumento da receita tributária. Não excluo a possibilidade da criação de uma nova CPMF. Não descarto o aumento da tributação sobre o agronegócio. Não ignoro a possibilidade de o PT aumentar as contribuições sociais, as alíquotas de impostos. Outra forma de levantar recursos seria um programa de privatização, mas o PT descarta essa ideia.

Qual é a diferença entre a PEC da Gastança e a PEC Kamikaze, adotada anteriormente pelo governo Bolsonaro?

As medidas adotadas pelo Guedes foram bancadas por recursos extraordinários, advindos dos lucros das privatizações de estatais e das próprias boas administrações das empresas públicas. Particularmente, fui contra a PEC Kamikaze. Essas propostas não geram benefícios de longo prazo, mesmo para as pessoas que foram diretamente atendidas. Mas precisamos admitir que aquele aumento de gastos teve respaldo em receitas extraordinárias. Isso não ocorrerá durante a gestão do PT. Primeiro, porque o aumento de gastos será muito mais substancial que o verificado no governo Bolsonaro. Depois, porque a própria visão de mundo petista nos dá um norte de que a gestão de estatais não será voltada para a realização de lucros.

Um dos integrantes da equipe de transição, Guilherme Boulos, disse que o governo petista revogará o Marco Legal do Saneamento. Como o senhor avalia essa medida?

O Novo Marco Legal do Saneamento foi importantíssimo para que o país começasse a resolver o problema do saneamento básico. A medida trouxe uma série de deveres para os Estados e os municípios, que passaram a ter de comprovar sua capacidade de investimento no setor. A universalização desses serviços deverá ocorrer até dezembro de 2033. Caso os Estados e os municípios não consigam resolver esse problema, eles serão obrigados a vender estatais ou a conceder à iniciativa privada o direito de oferecer os serviços de saneamento. Se o PT mudar essa tendência e atribuir ao Estado o dever de conduzir a política nacional de saneamento básico, teremos uma regressão muito grande. Seria um crime contra o Brasil, contra a população brasileira de baixa renda. A cada R$ 1 investido em saneamento, R$ 4 a menos são investidos em saúde pública. O retorno é gigantesco. O Novo Marco do Saneamento é a maior política pública em defesa do meio ambiente da história brasileira. Isso não foi explorado positivamente pelo próprio governo Bolsonaro. Emplacou-se a narrativa que o atual presidente é inimigo do meio ambiente. Mas Boulos é o verdadeiro inimigo do meio ambiente.

Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, esgoto a céu aberto | Foto: Fabio Costa/Shutterstock

Como o senhor vislumbra o novo governo Lula?

Desejo que as tendências apresentadas pela equipe de transição não emplaquem. Espero que as instituições brasileiras e o Parlamento sejam fortes o suficiente para impedir o retrocesso das políticas públicas que foram prometidas pelo presidente eleito. Um dos grandes retrocessos históricos do país era a legislação trabalhista, pesada e anacrônica. Isso havia sido resolvido parcialmente por Temer e Bolsonaro. Espero que Lula não consiga revogá-la. A reforma trabalhista e a reforma sindical precisam ser mantidas. A tímida reforma previdenciária do governo Bolsonaro garantiu o mínimo de estabilidade fiscal ao país. Isso não pode ser revertido.

Leia também “Lula nunca enfrentará uma oposição como a nossa”

3 comentários
  1. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O governo PTralha é uma tragédia anunviada.

  2. Benjamin Gonzalez Martin
    Benjamin Gonzalez Martin

    Eles adoram sentar no colo do PT. Alias essa turma gosta mesmo é do $$ que o pt sempre lhes deu.

  3. Eduardo Gomes Beltrão
    Eduardo Gomes Beltrão

    O pior prefeito de São Paulo será o nosso ministro da fazenda. Ele o Jaiminho trabalha só de tarde.Forças armadas tem de controlar este supremo, e o lugar do Lula é na cadeia.

Anterior:
Larissa Fonseca, psicóloga: ‘Esperto é aquele que ouve’
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 247
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.