Pular para o conteúdo
publicidade
Neymar Jr se machuca durante jogo de futebol entre Brasil e Sérvia, em 24 de novembro | Foto: Jean Catuffe/DPPI/Shutterstock
Edição 141

A Copa da patrulha ideológica

A obsessão da esquerda por Bolsonaro e pela agenda 'progressista' ofusca o futebol dentro de campo

Silvio Navarro
-

No último dia 24, o país inteiro parou no meio da tarde para assistir à estreia da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, em Doha, no Catar. A dez minutos do final da partida, o atacante Neymar precisou ser substituído por causa de uma lesão no tornozelo. Eufóricos com o placar vitorioso, muitos brasileiros não perceberam a gravidade da situação, até que um cinegrafista da TV Globo flagrou o craque do time chorando de dor do lado de fora do campo.

Horas depois do jogo, outra cena, captada pelo celular de um autor desconhecido, causou alvoroço nas redes sociais e ajudou a incendiar ainda mais o clima político no país. Num auditório improvisado no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em Brasília, a equipe de Lula festejava a contusão do jogador. A imagem mais marcante é a da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, acenando com um “tchauzinho” para o camisa 10 aos prantos. Outros políticos aplaudiram. Sobraram sorrisos.

O motivo que levou os auxiliares de Lula a comemorarem o drama do principal atleta do time brasileiro é um só: Neymar declarou apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Chegou a participar de uma live na reta final da campanha. Ainda não se sabe se a gravidade da lesão o deixará fora do restante do Mundial — para o qual ele se preparou durante quatro anos. Segundo cronistas esportivos europeus, Neymar vive o auge de sua forma em campo. Mas para a esquerda brasileira, pouco importa: qualquer um que apoie Bolsonaro deve ser perseguido — ou “cancelado”, segundo o dicionário “progressista”.

O gesto abjeto de Gleisi e sua equipe também serviu como uma espécie de senha para uma ação dos novos MAVs (sigla criada pelo PT para Militância e Ambiente Virtual) contra Neymar nas redes sociais. “Novos” porque a denominação surgiu em 2011 para caçar jornalistas e personalidades públicas carimbadas como “inimigos de direita”. Mas, tempos depois, como os expoentes do partido foram varridos pela Lava Jato e Lula acabou trancafiado numa prisão gourmet, o núcleo passou anos esvaziado — até ser reativado na campanha presidencial pelo aloprado André Janones.

A velha imprensa que ‘fez o L’

Paralelamente ao caso, o noticiário esportivo no Brasil tinha duas missões: enaltecer a brilhante exibição do atacante Richarlyson, autor de dois gols — um deles “de placa”—, e sustentar que a lesão do camisa 10 poderia colocar fim à “Neymardependência”. Ou seja, era a oportunidade perfeita para os comentaristas que “fizeram o L” rifarem o apoiador de Bolsonaro da Copa. A escalação dos analistas esportivos no consórcio da mídia é bem conhecida.

Reprodução brasil247
Reprodução Yahoo Esportes
Reprodução UOL

O tratamento dado a Richarlyson foi completamente diferente. Destaque do jogo, ele foi celebrado pelo consórcio da imprensa como um defensor das grandes causas mundiais. O texto da abertura da reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, é infalível.

“O centroavante do Brasil em 2022 é aquele que levanta a voz contra o racismo, que defendeu a vacina e a ciência nos momentos mais difíceis, é quem protestou contra as queimadas na Amazônia e no Pantanal. É Richarlyson” (Jornal Nacional, TV Globo)

YouTube video

Reprodução CUT
Reprodução UOL

Copa de ‘todes’

Nem só da arquibancada anti-Bolsonaro vive a Copa. Tanto no Brasil como no restante do planeta paira a patrulha do politicamente correto sob os holofotes do Catar. Para a maioria dos cronistas “progressistas”, pouco importam as habilidades de um ponta-esquerda ou se determinado jogador já faturou títulos importantes em ligas europeias. O critério de avaliação é a bandeira que o atleta defende.

É evidente que alguns temas, como o combate ao racismo nos estádios, são fundamentais e que a tolerância com esse tipo de crime deve ser zero. Mas, por exemplo, uma imagem do elenco da Alemanha com a mão na boca, em sinal de censura, rodou o mundo. Tornou-se um dos cartões-postais da Copa. O motivo é porque os tetracampeões foram impedidos de ostentar a braçadeira de capitão com o símbolo do arco-íris no braço do goleiro Neuer.

Jogadores da Alemanha protestam em campo | Foto: Reprodução/Redes sociais

Mais uma vez: não se trata de discutir a importância da causa. Contudo, os popstars da crônica esportiva não pensaram nisso há dez anos? Ou naquela época ninguém atentou que a Fifa vendeu o torneio por US$ 220 bilhões para uma ditadura fundamentalista? Trata-se do Mundial mais caro da história — 20 vezes a mais do que custou a Copa na Rússia em 2018. São cifras que superam o PIB de muitos países participantes.

Enxovalhada por casos de corrupção na última década, tanto a Fifa como as confederações de futebol pelo mundo, como a brasileira CBF, venderam suas cotas de patrocínio para marcas que exploraram o politicamente correto em ações publicitárias pelo mundo. Resta a pergunta: nenhuma dessas marcas indignadas com a rigidez do Catar conhecia o regime vigente na sede da Copa 2022?

O fato é que as pautas que hoje predominam no noticiário esportivo não têm nada a ver com o que acontece dentro de campo. Talvez a explicação esteja nas novas gerações que tomaram as redações e as redes sociais. O consórcio da imprensa reclama da falta de cuidado com a covid no Mundial. Também da falta de “empoderamento feminino” no país-sede.

Tornou-se tarefa quase impossível encontrar comentaristas que tenham repertório histórico sobre as Copas ou que tenham estudado o desempenho dos atletas no último ano. Não se fala sobre os uniformes, mas sobram manchetes sobre o look dos treinadores e até das apresentadoras.

Reprodução Lance
Reprodução gshow
Reprodução UOL
Reprodução UOL

Para os amantes do futebol, na 22ª edição da Copa, quase não se fala sobre futebol.

Leia também “À procura de um caminho”

2 comentários
  1. JHONATAN SURDINI
    JHONATAN SURDINI

    Só li verdades!

  2. Francisco Medeiros
    Francisco Medeiros

    ISTO ESTA ACONTECENDO EM VARIOS RAMOS DA SOCIEDADE MUNDIAL EM QUE A INFORMAÇAO, PRODUTO OU ATIVIDADE PRINCIPAL (como no cinema), ESTAH PERDENDO IMPORTANCIA PARA O IDEALISMO ATUAL. LAMENTAVEL.

Anterior:
Raquel Gallinati: ‘Fui a primeira mulher a representar os delegados de São Paulo’
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 248
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.