Há alguns dias, durante a Conferência de Biodiversidade da ONU, em Montreal, o atual secretário-geral da entidade, o português António Guterres, afirmou que, graças ao seu apetite voraz por um crescimento descontrolado e desigual, a humanidade se tornou “uma arma de destruição em massa”. Outrora secretário-geral do Partido Socialista português (e veremos que a identidade nominal dos títulos não é mera coincidência), e também presidente da Internacional Socialista, Guterres é apenas o mais recente de uma lista exclusiva de militantes socialistas que, desde o primeiro deles, o socialista norueguês Trygve Lie, fiel amigo da URSS e da China, têm ocupado a chefia da organização internacional.
A onipresença socialista no comando da ONU não é obra do acaso. Desde a sua fundação, a organização foi concebida como uma importante plataforma para tornar palatável a agenda socialista, agora caiada com as tintas da “governança global”, eufemismo diplomático para o globalismo, um projeto de governo mundial. Em 1914 — antes, portanto, do golpe bolchevique de outubro de 1917 —, Lenin escrevera em A Revolução Socialista e o Direito das Nações à Autodeterminação: “O objetivo do socialismo não é apenas acabar com a divisão da humanidade em pequenos Estados e com o isolamento das nações sob todas as formas, não é apenas unir as nações, mas integrá-las”. Trinta anos depois, em declaração ao jornal Pravda (“A Verdade”), o principal sucessor de Lenin, Josef Stalin, já saudava nos seguintes termos a organização recém-fundada justamente para promover a referida integração: “Atribuo grande importância à ONU, dado que é um importante instrumento para a preservação da paz e da segurança internacional”.
Mas, conquanto a identidade entre o imperialismo comunista e o projeto globalista já se pudesse divisar na primeira metade do século passado, foi só ao fim dos anos 1980, com o processo de dissolução nominal do comunismo na URSS e no Leste Europeu, que os principais ideólogos e estrategistas comunistas — com destaque para Mikhail Gorbachev e Eduard Shevardnadze — sofisticaram o seu vocabulário político, tornando-o mais abstrato e universalista, e adaptando-o à langue du bois das organizações internacionais. Nesse contexto, toda referência tradicional a coisas como “ditadura do proletariado”, “propriedade coletiva dos bens de produção”, “combate ao capitalismo”, “guerra ao imperialismo” deveria ser abandonada em favor de discursos genéricos e ideologicamente insípidos sobre os “valores universais” e os “interesses comuns a toda a humanidade”. Buscava-se um novo paradigma, que pudesse transcender (ou, melhor dizendo, sintetizar dialeticamente) a antítese entre capitalismo e socialismo. Adotando a novilíngua do globalismo onuseiro, escreveu Gorbachev em livros como Em Busca de um Novo Começo e Perestroika:
“O futuro da humanidade não será definido pela oposição entre capitalismo e socialismo. Foi essa dicotomia que criou a divisão da comunidade mundial e toda a série de consequências catastróficas. Devemos encontrar um paradigma que integre todas as realizações do espírito e das ações humanas, sem nos ater à ideologia ou ao movimento político no qual se originam. Esse paradigma só pode se apoiar em valores comuns que a humanidade desenvolveu ao longo dos séculos. A busca por um novo paradigma deveria ser a busca por uma síntese daquilo que é comum e une os povos, os países e as nações, e não daquilo que os divide (…) Nenhum país, nenhuma nação deveria ser considerada de forma isolada das outras, muito menos oposta às outras. É o que o nosso vocabulário comunista chama de internacionalismo, o que significa o anseio em promover os valores humanos universais”.
Abandonando a retórica da defesa dos interesses do “proletariado” internacional, os comuno-globalistas haviam decidido falar em nome da “humanidade” como um todo. Ocorre que, em sendo essa humanidade meramente abstrata, a humanidade real, de carne e osso, logo passou a ser um entrave e uma ameaça a um novo bezerro de ouro: o meio ambiente. Ao espírito do internacionalismo comunista, somava-se, então, uma mentalidade fortemente malthusiana e misantropa, para a qual os seres humanos são como parasitas cuja reprodução deve ser combatida. Para o bem-estar do planeta, a humanidade precisava parar de crescer — era esse o diagnóstico das elites globalistas ao tempo em que o ambientalismo passava a ser o novo tópos dos discursos.
Antecipando em décadas a fala do atual secretário-geral da ONU, o Clube de Roma havia decretado que “o verdadeiro perigo é a própria humanidade”. Os fundadores do Clube tinham como livro de cabeceira a obra Ecoscience: Population, Resources, and Environment (1977), de Paul R. Ehrlich e John P. Holdren. Ehrlich, professor do departamento de biologia da Universidade de Stanford, ficou conhecido pelo best-seller The Population Bomb (1969), um libelo malthusiano alarmista, que previa uma grande fome universal para as décadas seguintes, tendo como causa a superpopulação do planeta. Já Holdren, o outro autor, serviu como o principal conselheiro do ex-presidente norte-americano Barack Obama para questões de ciência e tecnologia, recebendo o apelido de “czar da ciência” da Casa Branca. No referido livro, os dois escreveram: “Conclui-se, de fato, que leis de controle populacional compulsório, incluindo as que imponham o aborto compulsório, podem ser constitucionalmente justificadas se a crise populacional se tornar grave o bastante a ponto de ameaçar a sociedade”.
Com efeito, ao descrever a humanidade como “arma de destruição em massa”, Guterres apenas reproduz um motivo onipresente na retórica dos ecofundamentalistas, obcecados com controle de natalidade. Dentre eles poderíamos mencionar o falecido príncipe Filipe, outrora duque de Edimburgo (e, todavia, sempre mais conhecido como o marido de Elizabeth II), que declarou certa vez seu desejo de reencarnar como um vírus mortal, “de modo a contribuir de alguma forma para reduzir a superpopulação”. Ou Ingrid Newkirk, presidente e cofundadora do Peta (People for the Ethical Treatment of Animals), para quem a humanidade é “um câncer” e “a maior praga sobre a Terra”. Ou ainda ator Jason Momoa (o Aquaman das telas, guardião dos oceanos), que afirmou na ONU: “Somos a doença que está infectando o planeta”. Como admitiu certa vez o escritor Richard Conniff numa conferência sobre direitos dos animais: “Entre os ambientalistas, depois de duas ou três cervejas, é relativamente comum a opinião de que, se de repente uma calamidade varresse toda a humanidade da face da terra, então as outras espécies poderiam ter uma chance”.
Só no ano de 2016, o consumo de energia da família Gore superou os 19 mil quilowatts-hora (kWh) por mês, enquanto a média americana foi de 900 kWh
É claro que — assim como os líderes comunistas jamais se submeteram aos padrões de escassez impostos à população comum em prol da construção do paraíso terreno — os denunciadores do clima fazem questão de se excluir da “humanidade” denunciada, mirando-a sempre de cima para baixo, como deuses do Olimpo. Em 1994, por exemplo, ocorreu no Cairo (Egito) uma conferência da ONU sobre população. Al Gore, um dos maiores entusiastas do evento, declarou em seu discurso de abertura: “Nenhuma solução isolada bastará para produzir os padrões de mudança de que tanto necessitamos. Mas juntos, com tempo suficiente, conseguiremos uma estratégia para alcançar uma população estabilizada e, assim, melhorar a qualidade de vida para os nossos filhos”.
A expressão “para os nossos filhos” precisa ser bem compreendida, e particularmente o referente do pronome “nossos”. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, Al Gore não se refere ao conjunto da humanidade. Não, ao falar em “nossos filhos”, o diálogo é exclusivamente com os seus pares de conferência, a elite globalista reunida em torno das organizações internacionais. O propósito é melhorar a qualidade de vida dos filhos deles via impedimento do nascimento dos filhos dos outros. Mestre das previsões catastrofistas jamais realizadas, e quase caricatas de tão exageradas, Al Gore é, aliás, o protótipo da hipocrisia dessa elite, que exige dos outros uma mudança de mentalidade e de hábitos que ela própria jamais adota. Pois é para manter a exclusividade de seu alto padrão de desenvolvimento e consumo que exigem que abdiquemos do nosso. É para manter o conforto de sua pequena e exclusivíssima humanidade que pretendem impedir o crescimento da grande humanidade formada por todos os que não somos eles. Afinal, todos são humanos, mas uns são mais do que os outros.
Perguntado certa vez sobre esse descompasso entre discurso e ato, o titereiro de Greta Thunberg respondeu que o seu estilo de vida era “na medida do possível livre de carbono [carbon-free]”. Ocorre que, segundo informações que o National Center for Public Policy Research obteve em arquivos públicos e com a companhia de energia elétrica de Nashville (onde Gore tem uma mansão), as coisas não são bem assim. Os dados revelam que, só no ano de 2016, o consumo de energia da família Gore superou os 19 mil quilowatts-hora (kWh) por mês, enquanto a média americana foi de 900 kWh. Ou seja, o lobista do clima consome mais energia num ano do que uma família norte-americana média em 21 anos. Apenas em setembro daquele ano, por exemplo, a mansão consumiu 30.993 kWh, quantidade de energia suficiente para abastecer uma residência norte-americana de classe média por 34 meses. Para aquecer a sua piscina, Al Gore abocanhou 66.159 kWh ao longo do ano, energia bastante para iluminar seis lares norte-americanos.
Eis aí uma “verdade inconveniente” para alguém que, com notável sem-cerimônia, pede aos seus compatriotas que reduzam o seu consumo doméstico de energia elétrica. Eis, quiçá, o verdadeiro sentido da previsão do Fórum Econômico Mundial para 2030: “Você não terá nada e será feliz”. Previsão cujo complemento nas entrelinhas o perspicaz leitor de Oeste não terá dificuldade em deduzir: “Nós teremos tudo e seremos ainda mais”.
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Por mais que a hipocrisia prevaleça por algum tempo, no final todos seremos pó.
Excelente!!!
Espetacular o artigo! Mostra bem a índole desses conservacionistas da vida dos outros.
Mais um excelente artigo, Flávio. Muito bem resumida a cronologia dos fatos tão nefastos do globalismo.
Por que a Sra. Ingrid Newkirk não contribuiu com sua morte para salvar a humanidade dela própria?
👏👏
As dinâmicas de população são determinadas pela própria espécie, se há escassez de alguma forma ela se auto regulará naturalmente. Ocorre que como os donos da verdade querem forçar essa regulação antes, para encherem ainda mais suas panças sob o pretexto de que é bom para todos.
com esse tipo de “protetor” a humanidade está realmente perdida, em 2030 vamos saber que o mundo irá acabar em 2050, mas reduzir o consumo energético dos países do grupo G-7 ninguém fala
Após ler esse excelente artigo de Flávio Gordon, que nos alertou para o papel nefasto que vem sendo exercido, há décadas, pela ONU, qual seja, servir de instrumento para impor o socialismo e globalismo, vem à mente uma citação bíblica sempre destacada pelo Presidente Bolsonaro: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará – João 8:32”.
QUANDO OS MORTAIS SE ACHAM OS “IMORTAIS” É A HORA EM QUE A MORTE CHEGA.
PARA ELES.