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Foto: Divulgação/Exército Brasileiro
Edição 143

Guerra à sensatez

Decisão de juiz que suspendeu compra de blindados expõe mais uma face do ativismo judicial — e chama atenção para a necessidade de renovação de equipamentos das Forças Armadas

Gabriel de Arruda Castro
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Que o Judiciário brasileiro tem ultrapassado suas atribuições com frequência, só será novidade a quem porventura tenha optado pela vida monástica nos últimos anos. A notícia, agora, é que outra barreira acaba de ser ultrapassada: no começo deste mês, um juiz concedeu liminar suspendendo a compra de blindados pelo Exército brasileiro. A justificativa: teria sido melhor aplicar o dinheiro na saúde, já que não há risco de guerra iminente.

A decisão foi tomada em uma ação popular assinada por Charles Capella de Abreu, assessor especial da Casa Civil no governo petista. Abreu chegou a ser citado pelo doleiro Alberto Youssef como um dos responsáveis por arrecadar propina para o petista Antônio Palocci. Agora, ele parece estar repentinamente preocupado com as contas públicas.

A compra de 98 blindados envolveria um custo total de € 900 milhões, o que ultrapassa os R$ 5 bilhões. O edital havia sido aberto em março de 2021 e vencido pelo consórcio italiano Iveco-Oto Melara. A decisão do desembargador Wilson Alves de Souza, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, é mais um exemplo do onipresente ativismo judicial, que tenta compensar a falta de respaldo legal e de conhecimento com frases de efeito vazias em tom indignado.

Wilson Alves de Souza, desembargador na Bahia e responsável por suspender a compra de blindados para o Exército brasileiro | Foto: Reprodução

Sem ter sido eleito para tal, ao tomar decisões orçamentárias em nome do governo brasileiro, o magistrado decidiu que o Executivo deveria destinar à saúde os recursos reservados aos tanques de guerra. Para o desembargador, é evidentemente ilegal fazer esse tipo de aquisição “sem que haja qualquer necessidade desses equipamentos bélicos, como se o país estivesse em guerra iminente ou atual”. A consequência lógica desse raciocínio é que o Brasil só pode adquirir blindados caso esteja à beira de um conflito armado. “Ao que consta a todos, a única guerra que se está a enfrentar neste momento é a travada contra a covid-19, que permanece e recrudesce no atual momento — e isso também é fato público e notório —, a exigir mais investimentos em lugar de cortes, exatamente na área da saúde”, escreveu Souza, em sua decisão.

Além de interromper um processo perfeitamente legal e guiado com base em critérios técnicos, a decisão do desembargador ignora a necessidade de atualização no equipamento militar à disposição das Forças Armadas.

Cavalaria de blindados do Exército brasileiro | Foto: Divulgação/Exército Brasileiro

Longe do topo

Dono do quinto maior território, a quinta maior população e o 12º maior PIB do mundo, o Brasil — que também possui a terceira fronteira terrestre mais extensa do globo — aparece longe dos primeiros colocados nos rankings que medem a capacidade defensiva das Forças Armadas.

Segundo o relatório de 2022 da Global Firepower, que mede a capacidade bélica de cada país, o Brasil é apenas o 33º colocado no número de tanques de guerra, com 439 unidades — atrás de países como Turcomenistão, Camboja e Azerbaijão. A Rússia, primeira colocada da lista, aparece com 12.420 tanques.

Em outras áreas, o desempenho do país é um pouco melhor. No ranking do número de aviões militares, o país é o 16º, com 679 aeronaves. Em número de helicópteros, aparece em 22º lugar. Com 112 navios e submarinos, em 32º lugar no ranking de poderio naval, o Brasil está atrás de Bangladesh e de países sul-americanos: Colômbia, Chile e Bolívia, que não têm acesso ao mar.

Segundo a base de dados do Instituto de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo (Sipri), que compila dados desde 1949, o Brasil tem apenas o 74º maior orçamento militar per capita do planeta, perto de Tailândia, Tunísia e Cazaquistão. Os números do Banco Mundial mostram que, nos últimos 20 anos, os gastos militares do Brasil ficaram em torno de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB), com pouca oscilação. Nesse quesito, o país aparece acima da Argentina (0,8%) e do México (0,6%), mas abaixo de Chile (1,9%) e Colômbia (3,4%)

Cavalaria de blindados do Exército brasileiro | Foto: Divulgação/Exército Brasileiro

Em termos de porcentual do Orçamento, as despesas militares brasileiras atingiram o ápice no ano 2000, com 5,4%, e foram caindo, até atingir 3,3%, em 2020. Os números mostram que a renovação da frota de veículos blindados não é um luxo, mas uma necessidade.

Na opinião do general reformado Paulo Chagas, a decisão do desembargador Wilson Alves de Souza foi irresponsável. “A aquisição desses blindados não representa uma decisão de oportunidade, mas a conclusão de um processo iniciado há muito tempo”, diz ele. Chagas, um crítico feroz das gestões petistas, não acredita ter havido uma grande disparidade entre os governos do PT e a gestão Bolsonaro no que diz respeito à aquisição de equipamentos para as Forças Armadas. A explicação é simples: em grande medida, essas compras são frutos de um planejamento estratégico de longo prazo, que atravessam governos.

O Brasil é apenas o 33º colocado no número de tanques de guerra, com 439 unidades — atrás de países como Turcomenistão, Camboja e Azerbaijão

Para o general, o Brasil precisa aumentar o seu investimento, para ser capaz de proteger suas extensas fronteiras. “O poderio bélico do Brasil é adequado à capacidade da sua economia, mas está muito aquém das nossas dimensões e da importância do patrimônio nacional a ser assegurado”, diz.

Na opinião de Chagas, alguns programas em especial deveriam ser tratados como prioridade pelo Ministério da Defesa. Entre eles, a conclusão do submarino nuclear (projeto iniciado ainda nos anos 1970) e o domínio da tecnologia do Veículo Lançador de Satélites (VLS), que emprega mecanismos semelhantes aos do lançamento de mísseis. “Isso colocará o Brasil, estrategicamente, em condições de garantir a sua soberania e as nossas riquezas em todo o território nacional”, diz ele. E acrescenta: “Em termos tecnológicos, não estamos muito longe disso. Faltam apenas uma decisão de Estado e os investimentos adequados”. O coronel Paulo Roberto da Silva Gomes Filho também tem sua lista de itens prioritários: “Destacaria, além dos blindados, a defesa antiaérea, a produção de mísseis e a fabricação de aeronaves remotamente pilotadas (os drones), além da área cibernética”.

Tropa do Exército brasileiro em treinamento | Foto: Divulgação/Exército Brasileiro

Importância estratégica

Coronel da reserva do Exército e estudioso de geopolítica, Paulo Filho afirma que a aquisição dos blindados, paralisada pela Justiça, é essencial. “A importância da aquisição das viaturas é evidente. O envelhecimento e a obsolescência da Viatura Blindada de Reconhecimento EE-9 Cascavel, uma viatura cujo projeto original já completou 50 anos, apontam por si só para a necessidade de um novo meio de combate para dotar as unidades de cavalaria mecanizada”, explica.

Paulo Filho diz ainda que a situação geopolítica atual é de maior incerteza, com o conflito na Ucrânia e a possibilidade de uma escalada repentina. Além disso, outro elemento torna o cenário mais desafiador: a velocidade cada vez maior de inovação. A aquisição de material bélico costuma ser lenta, porque envolve fatores técnicos e geopolíticos, além de econômicos. O processo de aquisição dos novos caças Gripen da Força Aérea, por exemplo, levou mais de uma década, até que o governo batesse o martelo, em 2013, e decidisse fechar negócio com a fabricante sueca Saab. Depois, foram necessários mais oito anos, até que, no ano passado, os primeiros aviões de fato chegassem ao Brasil.

“Para que as Forças Armadas possam cumprir suas missões, elas precisam receber os meios adequados”, observa. “E os programas em curso não são, de forma nenhuma, exagerados. Eles são adequados à realidade orçamentária das Forças e à estatura político-estratégica do país”.

Soldado brasileiro em treinamento | Foto: Exército Brasileiro/Flickr


Decisão revogada

Nove dias depois da liminar concedida pelo magistrado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) desfez a decisão. A presidente do tribunal, Maria Thereza de Assis Moura, afirmou que a aquisição é parte de um projeto de longo prazo. “O projeto em questão — ‘Projeto Forças Blindadas’ — teve início em 2012, há, portanto, mais de dez anos, não sendo algo traçado de forma açodada ou repentina”, escreveu Maria Thereza, em sua decisão. A ministra lembrou que a aquisição só estará completa em 2040, e que o pagamento de € 900 milhões se dará de forma gradual ao longo desse período.

A decisão da presidente do STJ, publicada na quarta-feira 14, se deu um dia antes do fim do prazo para que o governo fizesse o empenho do valor inicial da negociação, de R$ 1 milhão. Um atraso no pagamento poderia gerar despesas adicionais ao Executivo.

A atuação desastrada do desembargador Wilson Alves de Souza é um sinal de que a Justiça pode ser a maior ameaça à modernização do Exército. Desta vez, o erro foi desfeito a tempo.

Carro blindado do Exército brasileiro | Foto: Exército Brasileiro/Flickr

Leia também “A liberdade ainda pulsa em frente aos quartéis”

5 comentários
  1. ANDRÉ
    ANDRÉ

    Um desconhecedor do mundo e da geopolítica. O tempo para para aquisição de material bélico é por demais grandioso. Na visão do Juiz teremos de esperar um conflito…rsrs. Pedir socorro a Venezuela ou entregar o País a ela. Agiu a mando de quem? Ainda mais partindo o pedido de quem partiu. Grandes no território e pequenos e medíocres na ética, na moral e no patriotismo.

  2. William Bonfim
    William Bonfim

    O nosso judiciário é, em parte, uma desgraça.

  3. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Esses juízes atuais parecem desconhecer por completo as leis. Fazem só o que lhes dá vontade conforme o lado escolhido. Parecem mais torcedores de futebol do que profissionais preparados

  4. Olnei Pinto
    Olnei Pinto

    Ao longo dos anos as instituições no geral , foram recebendo figuras que estivessem alinhadas com a ideologia que compromete o desenvolvimento , segurança e a soberania da nação, restando ser refém das nulidades. O desembargador e o aluno do Palocci ,frequentaram esta escola.

  5. Sônia Dias Mecking
    Sônia Dias Mecking

    Isso mesmo: divulguem bem nossa fraqueza de defesas. Assim, na hora da invasão “aumentar”(porque já existe), vocês fazem alguma compra dessas, e, apressadamente, ensinam rapazes completamente inabilitados, que só se distraem com vídeo games, a lidar com armamento pesado. Tudo isso diz muito mais do que parece, sobre a resposta que o “pobre povo Brasileiro” tem esperado nas portas dos quartéis. Meu ex marido a 30 anos atrás, Tenente e Cirurgião Dentista, trazia a farda do quartel para mim remendar. Posteriormente, aluguei peças na frente da minha casa, para alguns rapazes do Exército, e andei cerzindo alguma farda também deles, para ajudar. Mas, as aposentadorias de todos, e as dos políticos, estão em ordem não é? Então, está tudo bem. Parabéns.

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