Pular para o conteúdo
publicidade
Ilustração: Shutterstock
Edição 145

É possível ser jovem para sempre?

Os avanços da ciência para estender os limites da vida humana

Loriane Comeli
Paula Leal
-

Já dizia Millôr Fernandes que a morte é hereditária. Mas a ciência moderna busca cada vez mais formas de garantir aos humanos a juventude eterna. Cientistas mais otimistas acreditam que caminhamos, até mesmo, para derrotar a morte. O avanço de campos como a engenharia genética, a medicina regenerativa e a nanotecnologia nas últimas décadas dá sinais do interesse irrefreável da humanidade em combater os efeitos do relógio cronológico.

Alguns especialistas acreditam que os homens vão vencer a morte por volta de 2200; outros anunciam que isso ocorrerá em 2100. O historiador israelense Yuval Harari, em sua obra Homo Deus, trata do tema e diz que os futuros super-homens não serão imortais e poderão morrer em guerras, acidentes de carro, quedas, afogamentos. Contudo, diferentemente de nós, mortais, “suas vidas não terão prazo de validade”. Eles poderão ir até uma clínica para receber um tratamento renovador que não só irá curar doenças, como também regenerar tecidos deteriorados e aumentar a eficácia de órgãos, como olhos e cérebro. Enquanto esse futuro não chega, a ciência desenvolve tratamentos para retardar o envelhecimento e garantir qualidade de vida aos humanos cada vez mais longevos. Se a medicina do século 20 visava a curar os doentes, a medicina do século 21 está empenhada em aprimorar a condição das pessoas saudáveis.

Livro Homo Deus, do historiador israelense Yuval Harari | Foto: Divulgação

Envelhecer é doença?

Para um grupo ainda minoritário de cientistas, o envelhecimento é uma doença. E, portanto, tem cura. O geneticista David Sinclair, doutor pela Universidade de New South Wales, na Austrália, e pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos, é um deles. Sinclair está à frente de um laboratório na Universidade Harvard onde pesquisa por que envelhecemos. “Não existe nenhuma lei na biologia que diga que devemos envelhecer”, disse o cientista, em entrevista para a BBC News Brasil, no ano passado. “Não sabemos como parar isso, mas estamos melhorando o mecanismo de desacelerar. E, em laboratório, conseguimos reverter.” No Vale do Silício, na Califórnia, o assunto é levado a sério. Em 2012, Ray Kurzweil (ganhador da Medalha Nacional dos Estados Unidos para Tecnologia e Inovação, em 1999) foi nomeado diretor de engenharia no Google, e um ano depois o Google lançou uma empresa chamada Calico, cuja missão declarada é “resolver a morte”. Há também um projeto chamado Google Baseline Study, que reúne uma base de dados para estabelecer o perfil da “saúde perfeita”. Com isso, será possível identificar qualquer alteração, ainda que minúscula, de saúde, como o câncer, antes mesmo de ele se manifestar no organismo.

Projeto Google Baseline Study | Foto: Reprodução

Para Ricardo di Lazzaro Filho, médico e mestre em aconselhamento genético e genômica humana, ainda é difícil definir o envelhecimento como uma doença. “A maior parte dos médicos entende que envelhecer faz parte do fluxo normal da vida, mas, quando o envelhecimento está associado à perda de condições, acaba se tornando uma doença”, diz. Lazzaro Filho afirma que a compreensão de por que o ser humano envelhece ainda não é tão clara. “Existe um leque de causas biológicas que parece levar a isso, que vai desde a parte genética, de mutações no DNA, à questão epigenética, que é a regulação do DNA, alteração de sinalização entre células, até o tamanho dos telômeros, que são as pontinhas do DNA”, explica o especialista. Enquanto envelhecer continua inevitável, estudos mostram que hábitos saudáveis podem elevar o tempo e a qualidade de vida dos humanos. “Mais de 80% de sua saúde futura depende de como se vive, não do DNA”, diz Sinclair. Já há inúmeras pesquisas reconhecendo os benefícios da alimentação saudável, como adotar a dieta mediterrânea, que inclui frutas, vegetais, peixes, azeite — além de ingerir menos calorias e com menor frequência. A prática da atividade física e uma boa noite de sono também são consenso para alcançar a longevidade. O foco agora está em desenvolver medicamentos e outras terapias regenerativas para desacelerar os efeitos do tempo.

Fontes da juventude em cápsulas

Um exemplo é a rapamicina, um imunodepressor utilizado contra o processo de rejeição a órgãos transplantados e que se mostrou eficiente no bloqueio de uma enzima que acelera a divisão celular, atalho para o envelhecimento. Descoberta acidentalmente nos anos 1970, na Ilha de Páscoa (seu nome deriva da denominação aborígine do território chileno Rapa Nui), camundongos que usaram a substância registraram um aumento de 38% na expectativa de vida. O medicamento entrou na fase de testes clínicos com mulheres e homens, e há, em todo o mundo, pelo menos 2 mil estudos em torno da rapamicina, com o envolvimento de grandes laboratórios farmacêuticos. A substância atua numa proteína chamada mTOR, que controla parte das respostas do metabolismo a situações de stress, e cientistas acreditam que seu uso possa reduzir o crescimento de alguns tipos de câncer e frear distúrbios neurodegenerativos, como o Alzheimer.

Outra promessa de elixir da juventude é o resveratrol, um composto natural responsável pelos principais benefícios das uvas roxas, suco da fruta integral e também do vinho tinto. Estudos mostram que a substância é capaz de ativar alguns genes associados a um envelhecimento mais lento, evitar a oxidação do DNA das células, reduzir a inflamação no organismo e bloquear o crescimento e a propagação de células cancerígenas. Outra medicação que tem mostrado bons resultados em retardar o envelhecimento é a metformina, um remédio popular contra a diabetes. Em diabéticos, o medicamento melhora o controle do nível de açúcar no sangue e a sensibilidade à insulina. Mas cientistas observaram que vermes e roedores que receberam metformina normalmente vivem mais do que seus companheiros de laboratório não medicados. Esses estudos com animais sugerem que, além de reduzir o nível de açúcar no sangue, o remédio também diminui a inflamação e produz efeitos celulares capazes de alterar o envelhecimento. Todos esses medicamentos ainda necessitam de mais revisão científica, e não devem, de modo algum, ser ingeridos sem orientação médica. Mas agrada pensar que prateleiras em farmácias poderão fornecer pílulas capazes de estender a vida humana, com qualidade.

Uvas roxas, fonte de resveratrol | Foto: Joaquin Corbalan/Shutterstock

Para além da genética

Os progressos na epigenética, área da biologia que estuda como estímulos ambientais podem ativar determinados genes e silenciar outros, foram fundamentais nos estudos sobre o envelhecimento. As descobertas de que a idade biológica de uma pessoa pode ser encontrada em seus genes permitiu que os cientistas não ficassem mais reféns da idade cronológica. “São dois grandes avanços: o primeiro é que a gente consegue usar uma forma de medir a idade biológica dos indivíduos”, explicou Marcelo Alves da Silva Mori, doutor em biologia molecular do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O segundo é que isso sugere que o envelhecimento é algo programável.”

Foi essa descoberta que levou muitos cientistas a pensarem na possibilidade de reprogramar nossas células, modificando essas marcas no organismo. “Essa é a fronteira que a gente vive hoje na área de biologia do envelhecimento: a reprogramação epigenética, no sentido de tentar rejuvenescer nossas células”, resumiu o pesquisador da Unicamp.

Há 2 mil anos, o imperador Qin Shi Huang, o primeiro da dinastia Qin, na China, tentou alcançar a imortalidade, ao ingerir pílulas de mercúrio

Inúmeras empresas e startups têm surgido nos últimos anos para testar medicamentos ou realizar terapias genéticas — tratamentos que introduzem genes saudáveis no organismo para substituir ou alterar genes “defeituosos” que causam problemas de saúde — em humanos, com o intuito de retardar o envelhecimento.

Uma delas é a Unity Biotechnology, empresa localizada em São Francisco, na Califórnia, cujo objetivo é resolver o problema de células caducas, que acarretam a perda da visão relacionada à idade. “Nossa missão é desenvolver terapias para prolongar o período de vida livre de doenças”, diz a empresa.

Mayo Clinic, em Rochester, Minnesota | Foto: Wikimedia Commons

Na Mayo Clinic, uma rede de hospitais e de pesquisa sem fins lucrativos com unidades em três Estados norte-americanos — Minnesota, Arizona e Flórida —, o foco é atestar em humanos resultados já obtidos em camundongos no tratamento de fibrose pulmonar (doença em que o pulmão do indivíduo, por algum motivo, apresenta cicatrizes em seu tecido ou passa a ficar mais endurecido) em idosos. “Não queremos que as pessoas vivam até os 120 anos e se sintam como se tivessem 120”, disse ao The Wall Street Journal, em janeiro, James Kirkland, gerontologista da Mayo Clinic.

Neste ano, pesquisadores do Instituto Babraham, de Cambridge, no Reino Unido, conseguiram rejuvenescer em três décadas as células da pele de uma mulher de 53 anos de idade. O processo de regeneração aplicado pelos cientistas se baseou nas técnicas utilizadas para criar a ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado, há mais de 25 anos. Também no Reino Unido, a startup Genflow Biosciences se concentra em terapias que fornecem uma variante do gene SIRT6, encontrado em pessoas que ultrapassaram os 100 anos. Em laboratório, o gene dos centenários prolongou a vida de camundongos em 30%.

No Brasil, existem hoje três terapias genéticas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária — para doenças hereditárias da retina, atrofia muscular espinhal e câncer hematológico para pessoas com até 25 anos. Nenhuma está relacionada ao envelhecimento. No entanto, um estudo do Instituto Biológico da Unicamp, iniciado há cerca de cinco anos, se propõe a estudar o tema com pesquisas experimentais que envolvem a prescrição de dietas, remédios e terapias genéticas, que já mostraram bons resultados em camundongos e vermes.

Quanto tempo uma pessoa pode viver?

A maioria dos seres humanos está geneticamente programada para morrer antes dos 100 anos, e até pouco tempo atrás isso parecia definitivo. Um estudo recente publicado na revista Nature Communications mostra que podemos viver, no máximo, até 150 anos — quem chegou mais próximo da marca é a francesa Jeanne Calment, que alcançou 122 anos. “Alguns pesquisadores acreditam que, matematicamente, o limite de idade biológica do ser humano já foi atingido”, diz o médico Di Lazzaro Filho. Mas é fato que a duração média de vida duplicou nos últimos cem anos. Em 1900, a expectativa de vida global não excedia os 40 anos. Em 1960, a expectativa de vida no mundo era de 53 anos, segundo o Banco Mundial. Sessenta anos depois, passou para 73 anos. No Japão e em Hong Kong, a esperança de vida é a maior do mundo: 85 anos. O número de centenários no planeta também aumenta sem parar: passou de 95 mil, em 1990, para cerca de 620 mil, hoje em dia.

A francesa Jeanne Calment morreu com 122 anos | Foto: Reprodução

“A primeira pessoa a viver até 200 anos já nasceu”, afirma o pesquisador Sergey Young, autor do livro The Science and Technology of Growing Young, lançado em 2021. Os dados ainda são insuficientes para saber se isso é verdade, embora a tendência seja de aumento do tempo de vida médio das populações, pondera Mori. “Em grande parte, o tempo de vida tem a ver com questões ambientais e com cuidados médicos. Agora, se vamos chegar aos 200 anos ainda é uma dúvida. Talvez nos próximos cem anos a gente consiga.”

A ânsia pela vida eterna acompanha a humanidade desde sempre. Há 2 mil anos, o imperador Qin Shi Huang, o primeiro da dinastia Qin, na China, tentou alcançar a imortalidade, ao ingerir pílulas de mercúrio. Morreu envenenado. Agora, a ciência mostra caminhos promissores e menos arriscados para ludibriar a morte. A vida humana deve ser prolongada? A questão não é simples. Há desafios éticos em jogo. O aumento da expectativa de vida pode revolucionar a sociedade e tem implicações financeiras, sociais, religiosas.

Imagine uma pessoa com 150 anos de idade. Se ela se casasse aos 40, sob o lema “até que a morte os separe”, ela teria 110 anos junto da pessoa amada. Agora pense na carreira profissional, em que um jovem hoje escolhe uma profissão aos 17 anos. Com a tecnologia, será preciso se reinventar muitas e muitas vezes, mesmo aos 80 anos. A aposentadoria precisará de um planejamento longo. Imagine a manutenção de um lar por mais de cem anos. O choque de convivência entre pessoas que nasceram em séculos diferentes, ter um chefe com 130 anos. Se isso já fosse realidade, Charles III teria de esperar até 2076 para chegar ao trono. Como diz Harari em sua obra: “Nosso compromisso ideológico com a vida humana nunca permitirá que simplesmente aceitemos a morte”. Enquanto a morte tiver uma motivação, buscaremos sempre uma maneira de superar suas causas.

Ilustração: Shutterstock

Leia também “Acredite: o mundo está melhorando”

5 comentários
  1. Paulo Ferreira
    Paulo Ferreira

    Excepcional materia, parabéns às jornalistas. Acompanho este tema com meus médicos e livros e gostaria de saber as novidades sempre.

  2. Wendel Meireles
    Wendel Meireles

    Muito bom, segundo alguns cientistas o comprimento dos telômeros é reduzido a cada processo de regeneração celular, então nosso tempo máximo de vida estaria associado ao comprimento dos telômeros .

  3. Raquel Bittencourt Cavalcanti
    Raquel Bittencourt Cavalcanti

    Que perda de tempo ler esse texto!
    Tanta matéria relevante a ser publicada…
    Não seria melhor, em vez de projeções tão
    elitistas, falar da aceitação ao processo do envelhecimento?
    Afinal, gente normal e trabalhadora ,envelhece, enruga, adoece ,luta pra sobreviver e morre.
    E o que permite viver bem, apesar da dureza desta jornada, é a comunhão com Deus, o Eterno, única possibilidade de caminharmos acima das futilidades deste tempo.

  4. Sandro Luis Batista Soares
    Sandro Luis Batista Soares

    Se isso realmente se concretizar, as previdências mundial iriam se colapsar. Mas essa teoria de não morrer, é a mesma do tele-transporte, isso será impossível.

  5. Jose Carlos Rodrigues Da Silva
    Jose Carlos Rodrigues Da Silva

    A maior descoberta de minha geração é que o ser humano pode alterar a sua vida mudando sua atitude mental.William James

Anterior:
Imagem da Semana: o mundo reverencia Senna
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 242
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.