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Edição 146

Estratégia para a Amazônia ou os escravos da natureza

Como resultado do desconhecimento da realidade amazônica por parte da população brasileira, a sociedade torna-se suscetível à desinformação

General Eduardo Villas Bôas
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“E neste século 21, uma das maiores questões que ameaçam a soberania é a sustentabilidade.
Desta forma, a questão do desenvolvimento da Amazônia,
onde diversos atores não estatais limitam a nossa soberania,
é algo que tem de ser abraçado pela nação como um todo.
Não é um problema do governo só, não é um problema dos amazônidas,
é um problema de todos os brasileiros.
Devendo tornar-se uma política permanente de Estado,
sob pena de, em curto prazo, nós sofrermos severas consequências.”
General Hamilton Mourão, 2021

Presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, voltado a coordenar e desenvolver políticas públicas para a região, o então vice-presidente do Brasil, general Antônio Hamilton Mourão, falou sobre geopolítica e Amazônia na abertura do 1º Webinar do Instituto General Villas Bôas, em agosto de 2021. Para Mourão, a Amazônia é assunto de todos nós, e o desenvolvimento local deve ser uma política permanente de Estado.

Antes de discutir geopolítica e Amazônia, alguns fatores importantes precisam ser destacados: precisamos envolver todos os atores; levar em conta a imensidão da floresta, a realidade e as necessidades da população local e os países vizinhos, vendo o Brasil como liderança regional. Outra variável geopolítica a ser considerada, essa com abrangência interna, diz respeito às características peculiares e às vocações naturais das diferentes mesorregiões que compõem a nossa Amazônia.

Extensão da floresta Amazônica no Brasil e países vizinhos | Ilustração: Shutterstock

Grau de humanização, nível de preservação ambiental, potencial econômico, comunidades indígenas e seu grau de integração com a sociedade nacional, infraestrutura e outros estabelecem necessariamente critérios bastante diferenciados para a elaboração das estratégias e dos projetos a serem implementados.

O exame aleatório de algumas delas ilustra essa conceituação. O Estado do Acre, por exemplo, teria um impulso de desenvolvimento em razão da conclusão de uma rodovia interoceânica, constituído tanto em corredor de exportação para toda a bacia do Pacífico, como, ele próprio, dispondo de energia e transporte, transformar-se-á em plataforma de exportação para importantes mercados, como a China e o Japão e a costa oeste dos Estados Unidos, sem contar as pressões decorrentes de eventuais fluxos migratórios de populações asiáticas, que poderiam trazer para localidades como Assis Brasil, no Acre, características semelhantes às de Foz do Iguaçu, no Paraná.

Rodovia Interoceânica é uma estrada binacional que liga o noroeste do Brasil ao litoral sul do Peru, através do Estado brasileiro do Acre | Ilustração: Wikimedia Commons

Está, pois, a região dos Estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e do sul do Amazonas a requerer medidas de caráter econômico, social, tecnológico, ambiental e de segurança que lhes permita fazer face a essa nova realidade. Exemplificando, se a população local não for contemplada com estrutura que proporcione ensino, elevação do nível cultural e capacitação profissional, estará condenada a ser mantida à margem de um surto de desenvolvimento que inevitavelmente importará do sul do país a necessária mão de obra qualificada, caminhando assim na contramão da diminuição das desigualdades sociais.

Já a região do Alto Rio Negro, também conhecida como a Cabeça do Cachorro, apresenta realidade totalmente distinta. Afastada das frentes de desmatamento, tem como principal centro urbano e sede do único e extenso município a cidade de São Gabriel da Cachoeira. Do ponto de vista ambiental, praticamente mantém-se intacta e abriga a maior diversidade étnica do país. São 22 grupos distribuídos em mais de 600 comunidades espalhadas em seus 109 mil quilômetros quadrados.

Cidade de São Gabriel da Cachoeira | Foto: Shutterstock

Dispõe de enorme riqueza mineral e, em contrapartida, carece de caça e pesca em quantidades suficientes para suprir as necessidades alimentares da população indígena. O desafio que apresenta está em proporcionar atividades que lhes deem sustento e que, ao mesmo tempo, mantenham seu modo tradicional de vida, fixando-os em seu ambiente natural, para evitar a migração para São Gabriel da Cachoeira, com a consequente perda da identidade cultural, com efeitos gravíssimos, a ponto de periodicamente produzirem-se suicídios em cadeia entre eles, especialmente entre os mais jovens.

Assim como o Acre e o Alto Rio Negro, cada uma das demais mesorregiões amazônicas deve ser considerada em função de suas especificidades, requerendo, em consequência, medidas totalmente distintas entre si, em relação aos aspectos econômicos, sociais, ambientais e de defesa.

Estratégia

Uma metodologia de atuação na Amazônia requer uma concepção estratégica, para assegurar tanto o atingimento coordenado dos objetivos políticos, como para garantir uma visão de longo prazo e a indispensável abordagem multidisciplinar.

Os ganhos apresentados pela Zona Franca de Manaus vão desde a segurança nacional até a preservação do meio ambiente, passando pela geração de conhecimento científico e a projeção do Brasil sobre os demais países da área

Encontramos no Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus um exemplo acabado de projeto com essas características. Seu alcance vai muito além dos benefícios econômicos diretos que um aglomerado de indústrias possa proporcionar, conforme entendem certas visões essencialmente técnicas com origem em outros centros de poder nacional, a ponto de propugnarem a extinção dos benefícios concedidos à Suframa. Não percebem que os ganhos que apresenta vão desde a segurança nacional até a preservação do meio ambiente, passando por fatores relevantes, como a geração de conhecimento científico e a projeção do Brasil sobre os demais países da área.

Além da Suframa, restam poucos projetos com enfoques estratégicos, a exemplo do Programa Calha Norte, que tantos benefícios têm trazido aos municípios da faixa de fronteira, desde sua implantação, em 1986, e do Projeto Sivam, que, baseado em uma infraestrutura de alta tecnologia, vem proporcionando benefícios que vão bem além da simples vigilância militar. Preservação ambiental, previsões meteorológicas, combate a ilícitos, segurança e controle do tráfico aéreo, comunicações e projeção internacional do Brasil ilustram a variedade de efeitos positivos alcançados.

Araras-azuis em uma área de Floresta Amazônica | Foto: Shutterstock

Papel central do governo federal

Uma condição de êxito essencial repousa no papel central que o governo federal tem a desempenhar na elaboração e na execução desse processo. Nenhum outro órgão governamental dispõe da força política necessária para assumir a condução dos planejamentos, exercer a função de indutor, regulador, coordenador e fomentador e, se necessário, até mesmo de executor, bem como para enfrentar as pressões de toda ordem internas e externas. O importante, contudo, está no fato de que o governo federal é a única instância capaz de abrigar sob sua esfera de atribuições todas as instituições com responsabilidade e interesse de atuar na área.

Este requisito decorre também da extensão territorial, do valor das riquezas naturais, da complexidade de seus problemas e também do fato de que toda e qualquer ação, independentemente de sua natureza, trará reflexos para a segurança da área e, por extensão, para a segurança nacional.

Ademais, há que se considerar ainda a repercussão internacional que as questões amazônicas suscitam, sem contar as necessárias ligações com os países vizinhos, o que constitui atribuição exclusiva do Executivo, quer bilateralmente, quer no contexto da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Essas questões materializam-se, por exemplo, nas obras relativas à infraestrutura de integração.

O Executivo Federal é também o único órgão com capacidade de suprir carências próprias da população de determinadas regiões da Amazônia. Os 30 milhões de habitantes representam apenas 12% da população brasileira, o que faz com que mais da metade do território nacional conte com apenas esses mesmos 12% de representação no Congresso Nacional. Sua rarefação e dispersão provocam a incapacidade de expressar suas demandas, quer sejam econômicas, sociais ou até mesmo políticas. Em consequência, é pouco provável que, sem a atuação de órgãos públicos, ss milhares de comunidades espalhadas pela vastidão amazônica possam ter acesso aos benefícios proporcionados pela infraestrutura e pelos serviços essenciais.

Porto de Tabatinga, Amazonas, Brasil. Local de livre comércio entre Colômbia e Brasil | Foto: Shutterstock

Pragmatismo

É necessário que todo esse processo se respalde em um patamar mínimo de pragmatismo, para livrá-lo de condicionantes ideológicos, alheios à realidade e aos interesses da população amazônica.

Presentemente, há um generalizado desconhecimento da realidade amazônica por parte da população brasileira em geral. Como resultado, a sociedade torna-se suscetível à desinformação, que se processa por meio da ampla difusão de um discurso “politicamente correto”, calcado em ideias estereotipadas e geradas em outros contextos históricos, econômicos e sociais, o que nos conduz a uma compreensão incorreta das opções a adotar com vistas ao equacionamento de seus inúmeros problemas.

Como consequência, em qualquer tipo de abordagem sobre a Amazônia, prevalece a vertente ambientalista, ensejada por verdadeiro fundamentalismo ambiental, calcado na intocabilidade, sem levar em consideração os mais de 30 milhões que lá vivem e lutam pela sobrevivência, com enormes dificuldades para assegurar o atendimento de suas necessidades básicas.

A indigência social e econômica retira da população local a capacidade de discernir sobre a legalidade ou ilegalidade das poucas opções disponíveis para a garantia do sustento próprio e das famílias. E lhes são negados a perspectiva de uma evolução natural e o direito de sonhar com o rompimento da severa realidade que os cerca. Estão condenados a sobreviver apenas da extrema generosidade do meio ambiente, mas que ao mesmo tempo lhes inviabiliza a obtenção de qualquer excedente para, pelo menos aos filhos, proporcionar um futuro que não seja o de escravos da natureza.

Cabe investigar de onde vêm e decifrar o como e o porquê de essas correntes de pensamento terem dogmaticamente adquirido condição de verdades irrefutáveis em nosso país, com capacidade de impedir que soluções concretas aflorem da superfície do pensamento nacional, sobre a qual flutuam como uma nata estagnada, resultante da condensação desses preceitos politicamente corretos.

Casas submersas durante a subida do Rio Negro | Foto: Shutterstock

Leia também “Conquista, ocupação e defesa da Amazônia”

6 comentários
  1. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Realmente nós que não vivemos na Amazônia não temos a menor noção da imensidão que é esse país dentro do nosso país, mas uma coisa eu suspeito: Essas intenções ambientalistas são mera fachada para internacionalização da Amazônia, não para preservação, mas para exploração da nossa madeira, que já foi encontrada sendo enviada clandestinamente para a França, da nossa água, onde já foram encontrados navios japoneses se abastecendo e uma série de minérios como o nióbio, tanto falado pelo Bolsonaro. As FAs já estão inertes há muito tempo. Nossa soberania vem sendo ameaçada e o ex- presidente era uma pedra no sapato desses países. Esse governo Ilegítimo vai terminar de sucatear as FAs e tratar os militares como o que eles são realmente: Meros funcionários públicos.

  2. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Pois é general, diante de seus corretos comentários ao final do artigo sobre essa corrente ideológica do atraso ambiental e que norteia esse novo desgoverno, não consigo entender porque nossas FFAA após ter contestado as urnas eletrônicas e pedir providências que o TSE não quis atender, deixou desamparados os 58 milhões de eleitores (no mínimo) que desejavam a continuidade de um governo que se mostrou eficiente, democrático mesmo diante de anos de pandemia e guerra e da incessante agressão do tradicional CONSORCIO da imprensa e de membros dos poderes Judiciário e Legislativo. Afinal general Villas Boas, o regime que vivemos é uma democracia, ou se aproxima ao de nossos vizinhos autoritários?

  3. Jorge Alberto de Oliveira Marum
    Jorge Alberto de Oliveira Marum

    Impressão minha ou estão censurando comentários neste artigo?

  4. Bruno Araujo Barbaresco
    Bruno Araujo Barbaresco

    Maravilha de reportagem. Uma história atual do Brasil. Uma aula sobre a Amazônia. Isso deveria ser divulgado na forma de uma grande reportagem em rede nacional. Parabéns.

  5. Carlos Pinto de Sampaio
    Carlos Pinto de Sampaio

    Programas de subsídios permanentes, invariavelmente, levam a estagnação e a corrupção!
    Lembrando Ronald Reagan: “O sucesso de qualquer programa de benefício/subssídio deve ser mensurado/avaliado pelo número de saídas/renuncia aos mesmo”…
    Realmente e lamentavelmente esta visão é que colabora e explica a decadência das FFAA….

  6. Henrique Vianna de Amorim
    Henrique Vianna de Amorim

    Tenho estado por tres vezes em Manaus e região do Rio Negro, tambem no Equador , Peru e Bolivia. Realmente o problema è complexo, a região è inospita, as coisas como
    locomoção, transporte, culturas , etc. Gostei da abordagem do artigo.

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