Não faltam “especialistas” querendo quebrar o termômetro para curar a febre do paciente. No caso da economia brasileira, eles observam as altas taxas de juros e imediatamente apontam os culpados: os especuladores, o mercado, o Banco Central independente. Essa confusão entre causa e efeito está no cerne de muita ideia equivocada. Politizar o Banco Central para reduzir na marra as taxas de juros é uma ideia tão antiga quanto estúpida. A estupidez, porém, tem sido a marca registrada do lulismo.
“Se os governos desvalorizam a moeda para trair todos os credores, você educadamente chama este procedimento de ‘inflação’”, ironizou George Bernard Shaw. Para compreender o enorme risco do controle político de um Banco Central, talvez seja preciso voltar no tempo até as origens do dinheiro. Segundo o austríaco Ludwig von Mises, o dinheiro não pode surgir por decreto estatal ou algum tipo de contrato social acordado entre os cidadãos; ele deve sempre se originar num processo de livre mercado.
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O escambo, que os homens praticam desde os primórdios da civilização, conta com sérias limitações. Um problema crucial é a necessidade de um desejo mútuo coincidente, ou seja, os dois agentes envolvidos na troca precisam concordar exatamente com o que recebem em relação ao que oferecem. Outro problema é o das indivisibilidades, isto é, uma troca teria de ter a mesma magnitude de valor. Basta pensar na situação de alguém querendo trocar uma casa por vários produtos distintos, para mostrar a impraticabilidade desse método. Eis quando surge o dinheiro.
Em The Mystery of Banking, o economista Murray Rothbard explica melhor a origem do dinheiro e os riscos inflacionários provenientes do papel-moeda. Justamente por conta dessas barreiras do escambo, que atende não mais que as demandas de uma vila primitiva, o próprio mercado criou gradualmente um meio de troca mais eficiente. Foi ficando claro para os comerciantes que o uso de uma commodity amplamente aceita como meio de troca fazia muito sentido. Em vez de um produtor de calçados ter de encontrar um vendedor de carne disposto a trocar exatamente carne por calçado, bastava ele vender no mercado seus produtos em troca dessa commodity, e depois usá-la para comprar os bens que desejava.
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Para atender a esta função, a commodity deveria ser demandada por seu valor intrínseco, ser divisível, portável e durável, além de apresentar um elevado valor por unidade. Durante a história, diversas commodities serviram como moeda, mas invariavelmente o ouro e a prata foram os escolhidos quando possível. Com o tempo, surgiu a demanda por certo padrão homogêneo de commodity usada como moeda. Os reis estampavam seus rostos nas moedas de ouro, garantindo sua qualidade e peso, e em troca cobravam a “senhoriagem”.
Durante a Revolução Americana, para financiar o esforço de guerra, o governo central emitiu vasta quantidade de papel-moeda, os “Continentals”
Automaticamente surgiu o risco de o próprio governo alterar o peso das moedas e embolsar a diferença. Era o começo do “imposto inflacionário”, ou a desvalorização da moeda. Esta prática foi bastante facilitada com a introdução do papel como moeda, servindo no início como um certificado garantindo o peso do ouro. É importante notar que praticamente todas as moedas mais importantes, como o dólar, a libra, o marco ou o franco, começaram simplesmente como nomes para diferentes unidades de peso do ouro ou da prata.
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Naturalmente, o risco de falsificar a moeda sempre existiu, e por isso mesmo surgiu a demanda por padrões e selos de governos ou bancos. A falsificação de moeda é uma fraude, que enriquece o fraudador em detrimento do restante dos usuários da moeda. Os primeiros a receberem o dinheiro falsificado se beneficiam à custa dos últimos. O governo tem como função justamente evitar tal fraude, punindo com prisão os criminosos. O grande problema é quando o próprio governo adere à prática de “falsificação”, com o respaldo da lei. A invenção do papel-moeda foi um convite tentador para os governos embarcarem nessa nefasta prática inflacionária.
Em primeiro lugar, o governo deve garantir que os pedaços de papel são resgatáveis em seu equivalente em ouro. Caso contrário, ninguém irá aceitá-los voluntariamente. Em seguida, o governo geralmente tenta sustentar seu papel-moeda através de legislação coercitiva, instando o público a aceitá-lo, incluindo os credores de montantes em ouro, através das leis de “legal tender”. O papel-moeda passa a ser aceito como pagamento dos impostos, e os contratos privados são forçados a aceitar pagamento em papel. Quando a moeda começa a ser amplamente aceita e utilizada, o governo pode então inflar sua oferta, para financiar seus gastos de forma menos escancarada.
A inflação é o processo pelo qual o imposto escondido é usado para beneficiar o governo e os primeiros a receberem a nova moeda. Após um prazo suficiente, o governo adota um passo definitivo: corta a ligação da moeda com o ouro que ela representava antes. O dólar, por exemplo, passa a ter uma vida própria, independente do ouro que ele representava anteriormente, e o ouro passa a ser apenas uma commodity qualquer. O caminho para a inflação está totalmente livre de obstáculos.
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O primeiro papel-moeda governamental do Ocidente, segundo Rothbard, foi emitido na província de Massachusetts, em 1690. Sua origem ilustra muito bem o relato acima. Massachusetts estava acostumada a periódicas expedições militares contra a Quebec francesa, e os ataques bem-sucedidos permitiam o pagamento dos soldados com a pilhagem obtida. Dessa vez, no entanto, a expedição perdeu feio, e os soldados retornaram para Boston sem pagamento e descontentes. O governo de Massachusetts, então, precisava arrumar alguma outra forma para pagá-los. Em dezembro de 1690, foram impressas 7 mil libras em notas de papel. O governo garantira que tais notas seriam resgatadas em ouro ou prata em poucos anos, e que novas notas não seriam emitidas. No entanto, já em fevereiro de 1691, o governo declarou não ter recursos novamente, e emitiu mais 40 mil libras em notas para pagar a dívida acumulada. Além disso, as notas não poderiam ser resgatadas pelos próximos 40 anos. As portas do inferno inflacionário estavam abertas!
Pelo menos em três vezes na história norte-americana, desde o fim do período colonial, os norte-americanos sofreram bastante com o sistema de fiat money. Durante a Revolução Americana, para financiar o esforço de guerra, o governo central emitiu vasta quantidade de papel-moeda, os “Continentals”. A desvalorização foi abrupta, e antes mesmo do término da guerra essas notas não tinham mais valor algum. O segundo período foi durante a guerra de 1812, quando os Estados Unidos saíram do padrão ouro, mas retornaram dois anos depois. O terceiro período ocorreu durante a Guerra Civil, com a emissão dos greenbacks, notas não resgatáveis para pagar a guerra. No final da guerra, os greenbacks tinham perdido metade de seu valor inicial. Mais recentemente, pode-se falar numa quarta fase de elevada inflação norte-americana, na década de 1970. Após medidas keynesianas adotadas pelo governo, a inflação medida pelo Índice de Preço ao Consumidor (CPI) subiu mais de 8% ao ano na década, fazendo com que o dólar perdesse metade de seu valor no período entre 1969 e 1979.
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O mecanismo encontrado pelos países desenvolvidos para mitigar esse risco da política inflacionária foi justamente a criação de bancos centrais independentes, para separar o ciclo político do econômico. Com quadros técnicos e um mandato estritamente voltado para a preservação do valor da moeda, esses bancos centrais estariam mais protegidos da tentação política de apelar para o imposto inflacionário. Nem sempre essa blindagem funciona, mas ela tem sido razoavelmente eficaz no mundo livre. Já governos populistas invariavelmente seguem pela rota inflacionária, como a Venezuela e a Argentina podem atestar. Esses são os exemplos que Lula pretende seguir.
Leia também “Democracia inabalada”
Excelente matéria com uma verdadeira aula de moedas e meio circulante.
O grande problema é você colocar isso na cabeça bitolada de um esquerdista que ainda habita o século XVI.
Excelente explicação sobre a origem do dinheiro (papel moeda), e também da importância de um Banco Central independente, não comandado por interesses políticos.
Excelente! Grande aula!
Parabéns.
Sem sombra de dúvidas o artigo é uma aula brilhante de economia. Parabéns, Constantino.
Assinate de primeira hora, por admiração do quadro de jornalistas dessa revista, que tem o grande Augusto Nunes, sinto-me à vontade para solicitar uma cobrança sobre a cobertura do segundo maior estelionato do País, Lojas Americanas. Só perde para a maior organização criminosa de todas as galaxias (parece frase da Dilma), que foi o PT
Um banco central independe é a melhor garantia contra a espoliação.
Gostei de sua aula ! porem sinto muitas saudades de te ouvir na JovemPan.Voltei a ler livros que aí não tem censura e não sou obrigada a ver pessoas sem qualificação na minha sala. Confesso que agora vejo as noticias aqui no meu cp .pois tudo isto vai passar.
Se o congresso ficar de quatro e tirar a autonomia do Banco Central, só resta a quem tem o real, comprar dólar e abrir conta lá fora em um país onde haja democracia com o devido respeito ao cidadão.
Muito explicativa a matéria. Parabéns.
Texto didático e indicado à todas as pessoas que tentam entender que a dinâmica inflacionária passa por caminhos claros e precisos. Cabe ao BC independente, atuar com instrumentos de pesos e contra-pesos para atenuar as interferências políticas na moeda.
Excelente, muito didático!
Bem explicado! Qualquer leigo entendi.
Constantino, Arminio Fraga, Persio Arida e Elena Landau sabem disso? E ainda assim fizeram o L?
Brilhante Constantino,aula Magna.Dou apenas minha opinião;Brasil não tem como viver com esse governo,impossível. Os ministros escolhidos é o próprio Inferno de Dante.
Gostaria de enviar este artigo para o Lula e a trupe dele (o poste ). A defesa da independência do banco central é crucial para travar o molusco e sua sede de poder.
Aqui é só aguardar, brevemente estaremos ferrados, economia nas mãos do Lula e sua turma será o caos
No Brasil, é melhor comprar ouro.
Não corre o risco de o Xandão apertar um botão e confiscar seu patrimônio.
E ouro vc consegue colocar na mala e fugir para o exílio, vide o que está acontecendo com os manifestantes, isso pra não falar o que o ditador do Canadá fez com os manifestantes de lá.
Outra saída é comprar dólares e abrir uma conta no exterior. No dinheiro lá de fora ninguém mexe. Pelo menos os ditadores daqui não tem acesso a ele.