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Pintura de uma orquestra filarmônica | Ilustração: Mohamad Ferus bin Kassim/Shutterstock
Edição 153

A ditadura do politicamente correto chega às orquestras

Um guia da Liga das Orquestras Americanas coloca a demagogia política acima da herança musical de um Beethoven

Joshua Nichols
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A Liga das Orquestras Americanas (LAO, na sigla em inglês) lançou recentemente um guia que incorpora os conceitos de diversidade, equidade e inclusão (ou DEI) na programação artística das orquestras. Ela afirma que o guia “propõe estratégias práticas para orquestras que querem diversificar seu repertório apresentado, lançando mão de entrevistas de orquestras com orçamentos de todos os tamanhos”. Enquanto muitas defendem concertos com mais diversidade e programação mais inclusiva, esse guia específico se envolve no planejamento artístico. O problema da publicação é que ela destrói a meritocracia no repertório e coloca um fardo pesado para que as organizações artísticas escolham a diversidade em vez do mérito composicional.

Foto: Tzido Sun/Shutterstock

“O ‘Catalyst Guide’ examina filosofias, desafios, fatores para o sucesso e os recursos relacionados à programação que surgiram até o momento na jornada das orquestras, para a equidade dos programas.” A linguagem parece inofensiva aqui, sem dúvida existem muitas filosofias, muitos desafios e fatores a serem considerados pelas orquestras, pequenas e grandes, para lhes trazer sucesso. No entanto, a postura moral da LAO é clara e um reflexo da esquerda moderna. Os comentários de Kerrien Suarez no prefácio confirmam isso:

“A maior parte do trabalho de diversidade, equidade e inclusão no planejamento artístico se concentrou na perspectiva de aumentar a representação por meio do comissionamento de novas obras e de trazer artistas convidados de comunidades historicamente pouco representadas. Essa é uma estratégia ‘de fora para dentro’ que pode ser executada com pouca ou nenhuma mudança nos valores internos, na liderança e nas operações da organização. O ‘Catalyst Guide’ desafia os regentes das orquestras a adotarem práticas de planejamento artístico que promovam transformações de ‘dentro para fora’, indo além da representação que vemos e ouvimos no palco”.

O que Kerrien está defendendo não é bom para o planejamento artístico das orquestras. Historicamente falando, orquestras planejavam um pouco de algo antigo com um pouco de algo novo em suas temporadas. Mas, mesmo assim, o que as orquestras planejavam eram as melhores composições do último meio século. Apesar de ser fato que Beethoven era um europeu branco, sua música não é. Sua música simplesmente não pode ser considerada “branca” de modo indistinto, em função das variadas influências de seu compositor: dança italiana, música de Corte barroca alemã, a França rococó e muitos, muitos outros fatores. Sua música sobreviveu simplesmente por ser excelente.

Ludwig van Beethoven | Foto: Reprodução Redes sociais

Mas o que a torna excelente? A música clássica chega à excelência não no contexto imediato de sua primeira, mas na sua ducentésima execução, 200 anos no futuro. Quanto mais distante uma composição está, do ponto de vista do tempo, de sua gênese cultural, mais abstrata ela se torna, e, assim, a única coisa que resta é o mérito. As plateias são diferentes, têm gostos culturais diferentes e observam valores morais e estéticos diferentes. Até mesmo os instrumentos das orquestras mudam, e então o som da música fica diferente. O compositor está morto, enquanto novos públicos estão sempre surgindo. No entanto, a música sobrevive. E sobrevive por seu mérito próprio.

Mas, no discurso messiânico da LAO, “temos um imperativo moral de trazer à tona vozes injustamente silenciadas pelo racismo e pela discriminação”. Essa atitude moral extirpa por completo a necessidade de uma peça musical perdurar por seu próprio mérito. É mais importante (por ser um imperativo moral) “trazer à tona vozes injustamente silenciadas”, porque o mérito da composição não importa mais; a identidade racial, sexual e de gênero, sim. Isso é claramente afirmado no capítulo 1 do guia da LAO: “O reportório será enriquecido pela descoberta de novas vozes e pela recuperação de legados importantes” (grifo meu). Normalmente, em uma meritocracia, um repertório de composições é enriquecedor, porque a música é profunda e significativa para múltiplas gerações de pessoas, não apenas porque ele atende a critérios importantes para uma época e uma cultura.

O guia quer tornar orquestras “relevantes” pelo enfrentamento da suposta injustiça nas orquestras, e não pela descoberta e pela execução das maiores obras da arte da música. Não vai funcionar, porque orquestras não podem ser morais. Elas reagem ao mercado de ideias e à descoberta de novas vozes musicais. E só podem ser veículos para encontrar o que, no fim das contas, é merecedor para sua época, mesmo enquanto relembram às novas gerações o que foi excelente no passado.

Concerto no Victoria Hall, em Genebra, Suíça | Foto: Martin Good/Shutterstock

A LAO trata da meritocracia dizendo que qualquer acusação de que um repertório não familiar tem qualidade inferior é racista: “O pressuposto subjacente de que compositores racializados são menos talentosos que compositores brancos é fundamentalmente falso e racista”. Mas, por uma questão matemática, se sua preferência por diversidade e inclusão ultrapassa o mérito ou o valor da composição, você necessariamente obtém um repertório de menor qualidade. Precisamos buscar os maiores compositores da nossa geração e nas gerações passadas e nos envolver com sua música com base em seus méritos musicais — a cor da pele, a preferência sexual ou o gênero que se danem.

Precisamos oferecer um mercado livre de ideias para decidir, por meio do processo confuso de ouvir uma peça musical repetidas vezes, com ouvidos diferentes e em momentos diferentes, o que deve resistir ao teste do tempo. Manipular o sistema para evitar os méritos de uma composição em troca de composições mais diversas vai arruinar o que as orquestras clássicas são capazes de fazer e o que devem fazer: tocar a melhor música de que temos notícias, sem consideração por raça, classe, gênero e orientação sexual.


Joshua Nichols é doutor em música, compositor profissional, professor de música e organista. Compõe para orquestras grandes e pequenas, para filmes e para a televisão. Leciona para estudantes de diversas gerações e nacionalidades, como a finlandesa. Nichols toca piano regularmente.

Artigo publicado originalmente no AIER — American Institute for Economic Research

Leia também “A espionagem do século 21”

10 comentários
  1. Márcio Aurélio Gonçalves
    Márcio Aurélio Gonçalves

    Diante de obras de arte musicais produzidas por gênios, o deslumbramento toma conta de nós, transporta-nos a dimensões harmônicas que, segundo o próprio Beethoven, são “revelações mais profundas do que qualquer filosofia”. Ao extremo oposto, ou seja, aos representantes da inépcia musical, incapazes de produzir qualquer coisa que se possa classificar como arte, resta a tentativa patética de turvar o que de mais elevado a alma humana conseguiu, a duras penas, oferecer à humanidade.

  2. Francisco Medeiros
    Francisco Medeiros

    INFELIZMENTE A MERISTOCRARIA ESTA SENDO DEIXADA DE LADO EM TODOS OS RAMOS DA SOCIEDADE NAO SO NA ARTE O QUE EH MAIS GRAVE. “LAMENTAVEL MUNDO NOVO” !!!

  3. Franz Salviano Borges
    Franz Salviano Borges

    Se Mozart, Beethoven, Bach e tantos outros mestres da música não servem para ouvidos “sensíveis?” da esquerda, que criem algo tão bom quanto que satisfaça suas expectativas. Não são adeptos da diversidade? Então, que convivam a música erudita e a música esquerdista, cabe ao ouvinte escolher a que lhe satisfaça.

  4. Rosalia Alvim Saraiva
    Rosalia Alvim Saraiva

    Ficaremos um mundo sem História, até na área musical. Segundo os “politicamente corretos”, Beethoven e todos os outros que se danem. Nossos clássicos em Literatura tbm vão acabar no lixo, talvez por critérios como linguagem antiga, racismo, homofobia, etc etc. Impressionante! A palavra de ordem é destruir o velho para fazer um mundo novo. Talvez os robôs deem conta desse novo mundo.

  5. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Pronto, já não vou mais a teatro e cinema pela péssima qualidade das obras atuais, cheias de lacração e ” cotas” inclusivas, onde sempre tem de haver algum relacionamento gay, a mulher empoderada e o negro. Agora , pelo visto, as orquestras TB sofrerão esse revés. Lastimável

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O que é diversidade e programação mais inclusiva? Música é arte e para vender precisa ter qualidade não importando se é branca, negra, parda ou LGBT%#?!º+yzmw. Comprova-se isso com casas cheias (menos no Brasil) para assistir peças de Ludwig van Beethoven, Wolfgang Amadeus Mozart, Giuseppe Verdi, Enrico Caruso e outros monstros sagrados dos clássicos que mais recentemente foram popularizados por Waldo de los Rios. Carlos Gomes, pobre e órfão de mãe ainda criança, ganhou as graças e patrocínio de Dom Pedro II para desenvolver sua arte e deixou o público no Teatro alla Scala de Milão maravilhados com sua ópera O Guarani. Chiquinha Gonzaga, tornou-se a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil em um tempo em que mulher não tinha nenhuma liberdade. O Blues de origem afro-americana com todos os seus artistas negros sempre fez sucesso. Passei minha adolescência, juventude e ouço até hoje Elton John e Ney Matogrosso. Gays assumidos nunca precisam utilizar suas preferências sexuais para conquistar espaço porque possuem talento de sobra.
    Esta agenda woke que estão empurrando goela abaixo da população mundial terá somente uma realização: destruir séculos de conhecimento e grandes realizações.

  7. Luiz Renato
    Luiz Renato

    Ao invés da expansão cósmica, lutam também bravamente pela volta do geocentrismo, e das fogueiras e decapitações. Enfim, querem seu facho de luz criando as trevas e a imbecilidade. Não podemos ser conivente.

  8. Luiz Renato
    Luiz Renato

    Vão destruir a si mesmos, mas até lá farão muitos estragos!

  9. Pedro do Amaral Botelho de Mesquita
    Pedro do Amaral Botelho de Mesquita

    O esquerdismo em mais uma de suas inúmeras e autoritárias manifestações demonstra ser uma patologia, uma crença irracional com enorme poder destrutivo que promove a destruição dos principais pilares da cultura ocidental: família, racionalidade, ciência e também a música, a grande música, ou música erudita como é mais conhecida. A guerra cultural está sendo perdida, a esquerda marxista avança e paradoxalmente o principal foco de expansão são as universidades americanas e europeias, instituições que deveriam ser locais de debates e difusão de conhecimento, mas que hoje são verdadeiros antros de lavagem cerebral da ideologia marxista. Uma lástima, um verdadeiro desastre.

  10. Vinicius Massaia
    Vinicius Massaia

    Nunca fez tanto sentido hoje olharmos para trás e ver a consequência do encerramento das atividades do Hospicio em Franco da Rocha, hoje teriamos uma sessão somente para esses loucos da esquerda que só enxergam problema. Tudo é problema, ninguém notou que os que mais gritam não se enquandram na exigêcia dos politicamente correto.
    Por isso, há liberdade de expressão e quando a direita se manifesta e aponta as loucuras da esquerda é censurado.

    Está na hora de impor limites e demonstrar que todos somos iguais e que nossos esforços que nos levam à algum lugar e não ao critérios de cores, raça e quaisquer outra coisa que a esquerda enxerga.

    Somos todos iguais não somos seletivos como nos impõe.

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