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Ron DeSantis, governador da Flórida | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Edição 153

O novo rosto do Partido Republicano

Ron DeSantis, governador da Flórida, vem pouco a pouco pavimentando seu caminho, que, se o seu plano der certo, o levará à vitória nas prévias do partido contra Donald Trump

Gabriel de Arruda Castro
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Em uma segunda-feira de manhã, o cubano Dasniel Martinez prepara sua pescaria numa pequena praia de East Palm Beach, na Flórida. Ele parece indiferente à locação, mas o lugar é peculiar: exatamente em frente a Mar-a-Lago, a luxuosa mansão (e resort) onde o ex-presidente Donald Trump passa a maior parte do tempo.

Nascido em Cuba, Martinez mora a poucos quarteirões dali, numa região bem mais humilde da cidade. Ele trabalha na manutenção de estradas, mas está em seu dia de folga. Enquanto finca molinetes na areia e ajeita uma rede de pesca, ele conta à reportagem de Oeste que gosta do seu quase vizinho, a quem apoiou nas eleições de 2020. “É importante ter alguém com pulso firme”, diz. Mas, se depender de Martinez, Donald Trump vai continuar em Mar-a-Lago. Na eleição do ano que vem, ele prefere outro nome: o de Ron DeSantis, atual governador da Flórida.

Dasniel Martinez | Foto: Gabriel de Arruda/Revista Oeste

DeSantis é republicano, como Trump, e vem pouco a pouco pavimentando seu caminho, que, se o seu plano der certo, o levará à vitória nas prévias do partido. “Não sou uma pessoa política, mas DeSantis tem feito um bom trabalho”, diz Martinez. Ele afirma que o governador está certo ao enfrentar a promoção das chamadas pautas de gênero nas fases iniciais da educação. “Não quero as crianças pequenas aprendendo sobre essas coisas de transgênero”, opina. Quanto a Trump, Martinez afirma que a chance dele já passou. E acrescenta que o ex-presidente “fala demais.”

Ron DeSantis, governador da Flórida, discursa ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
Ron DeSantis, governador da Flórida, discursa ao lado de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Quem é DeSantis

Embora nenhum republicano seja tão capaz de mobilizar eleitores quanto Trump, Ron DeSantis tem convencido cada vez mais conservadores de que ele, e não o magnata, é o futuro do partido. Aos 44 anos de idade, ele tem 32 a menos que Trump e ostenta um currículo perfeito para as preferências do eleitor tradicional norte-americano. Formou-se com honras nas duas maiores universidades do país (história em Yale e Direito em Harvard) e foi oficial da Marinha, onde serviu no Iraque e recebeu uma medalha por mérito. Depois, atuou como procurador federal e colocou abusadores de crianças na prisão. Em 2012, foi eleito para seu primeiro mandato como deputado no Congresso norte-americano.  

Ao contrário de Trump, DeSantis tem zero divórcio: casado desde 2010 com Casey, ele tem três filhos — todos novos demais para causar danos à imagem do pai.

A estratégia de DeSantis, recém-empossado em seu segundo mandato como governador, é simples: fazer de tudo para se consolidar como o candidato do partido à Presidência sem dizer publicamente que quer se consolidar como candidato do partido à Presidência. Ele tenta se apresentar como alguém que, ao contrário de Trump, não se envolve em bate-bocas desnecessários e prefere gastar o tempo implementando uma agenda conservadora.

Outro bom indicativo do sucesso da Flórida é o número de moradores de outros Estados que decidiram se mudar para lá: 220 mil migrantes internos entre junho de 2020 e junho e 2021

Em sua gestão, DeSantis ultrapassou algumas linhas que republicanos, mesmo os mais conservadores, titubeavam em cruzar. Dois exemplos ilustram isso.

No ano passado, depois que a Disney se opôs publicamente a um projeto de lei que impedia a exposição de crianças a conteúdos de teor sexual nas escolas da Flórida, o governador articulou uma medida que pode soar extrema: com o apoio do Legislativo, ele removeu os gordos benefícios fiscais que existiam desde a instalação da Disney World, na região de Orlando. A medida era arriscada, porque o turismo é parte significativa da economia da região. Além disso, comprar briga com um conglomerado poderoso como a Disney é algo que o instinto dos políticos tradicionais recomenda evitar. DeSantis bancou a aposta.

Disney
Castelo da Cinderela | Foto: Mark Willard/Disney

O segundo exemplo é o da ofensiva contra os acadêmicos radicais de esquerda entrincheirados no New College, uma faculdade pública estadual. Responsável por indicar parte dos membros do conselho da instituição, DeSantis escolheu nomes conservadores puro-sangue, com o objetivo de remodelar o currículo da faculdade e torná-la um exemplo de educação nos moldes clássicos.

À frente do governo da Flórida, DeSantis também sancionou uma medida que restringiu os abortos, manteve o Estado aberto durante a pandemia e, mais recentemente, revogou a licença para a venda de bebidas alcoólicas de uma casa de shows que promoveu um evento de drag queens com teor sexual diante de uma plateia que incluía crianças.

Em seu segundo discurso de posse, no mês passado, DeSantis resumiu a tônica do seu governo: “Nós não vamos permitir que a realidade, os fatos e a verdade se tornem opcionais. Nós nunca vamos nos render à turba woke”.

Bons resultados de gestão

Ao mesmo tempo, Ron DeSantis não gasta todo o tempo lutando contra a agenda cultural da esquerda. Ele sabe que também precisa entregar bons resultados como gestor.

A economia da Flórida tem tido um desempenho acima da média nacional nos últimos anos em quesitos como o crescimento do PIB e a geração de empregos. Com exceção dos pequenos Estados de Utah, Dakota do Norte e Dakota do Sul, a Flórida é o Estado norte-americano com o menor índice de desemprego: em dezembro de 2022, o índice ficou em 2,5%.

O ritmo acelerado da economia da Flórida é visível. Em cidades como Orlando e Boca Raton, o que mais se veem são novos condomínios e centros comerciais sendo construídos — parte deles de alto padrão. Raramente se vê um prédio comercial vago.

Imagem de uma placa anunciando um novo empreendimento imobiliário anunciando casas milionárias
Imagem de uma placa anunciando um novo empreendimento imobiliário de casas milionárias | Foto: Gabriel de Arruda/Revista Oeste

A propósito, outro bom indicativo do sucesso da Flórida é o número de moradores de outros Estados que decidiram se mudar para lá. Os dados do Censo norte-americano mostram que, entre junho de 2020 e junho e 2021, a Flórida teve um saldo positivo de 220 mil migrantes internos. O número é a diferença entre quem se mudou da Flórida e quem se mudou para lá. Na outra ponta da lista, a Califórnia — possivelmente o Estado mais à esquerda — teve um saldo negativo de 367 mil.

Mas talvez o maior trunfo de Ron DeSantis para 2024 seja o seu sucesso eleitoral em um Estado em que 26,8% da população é de latinos. Em sua reeleição, ele obteve a maior margem dos últimos 41 anos na disputa pelo governo estadual: foram 59% dos votos, contra 40% do democrata Charlie Crist. O republicano venceu com folga até mesmo em cidades onde os democratas costumavam ter vantagem. Em Miami, por exemplo, ele conseguiu 11 pontos de diferença.

Embora tenha um histórico recente de predomínio republicano, a Flórida teve disputas apertadas nos últimos anos. Quando o republicano Rick Scott foi eleito, em 2014, a margem foi de apenas 1%. O cenário nas disputas presidenciais é parecido. Em 2012, por exemplo, Barack Obama venceu por 50%, contra 49% de Mitt Romney. Em 2016, Donald Trump teve 48,6%, contra 47,4% de Hillary Clinton. Quatro anos depois, Trump teve 51,2%, contra 47,9% de Joe Biden.

Uma conta simples basta para a constatação de que DeSantis conseguiu atrair o apoio de eleitores que tradicionalmente apoiam os democratas. Se ele conseguir repetir esse fenômeno no plano nacional, levará os republicanos de volta à Casa Branca.

Ron DeSantis, governador da Flórida
Ron DeSantis, governador da Flórida | Foto: Reprodução/Redes sociais

Reação de Trump

Outro sinal da ascensão de DeSantis é o fato de Donald Trump ter voltado as suas baterias contra ele. O governador ganhou até apelido: Ron “DeSanctimonious”, um trocadilho com uma palavra inglesa que pode ser traduzido como “santarrão hipócrita.” O magnata publicou uma foto em que DeSantis aparece abraçado a três jovens que, segundo a legenda, são menores de idade. Ao que tudo indica, a imagem foi feita numa festa, quando DeSantis atuava como professor de ensino médio em uma escola privada.

Até agora, a postura do governador tem sido a de evitar o conflito. “Eu não gasto meu tempo tentando atacar outros republicanos”, disse ele, há duas semanas, quando indagado a respeito do ex-presidente.

A maior parte das pesquisas ainda mostra Trump como o favorito dos republicanos para 2024. A dúvida é se ele tem fôlego para sustentar o seu eleitorado conforme Ron DeSantis ganha os holofotes e se torna mais conhecido fora da Flórida. Alguns levantamentos revelam que DeSantis talvez já tenha feito a ultrapassagem. Em novembro, uma pesquisa do YouGov mostrou que 42% dos republicanos querem DeSantis como candidato, contra 35% que apoiam Trump.

Parte dos republicanos teme que, se superado por DeSantis, Trump decida concorrer como independente e rachar a base conservadora. Mas, para o cientista político Bruno Garschagen, o ex-presidente não deve ir para o tudo ou nada se enxergar que suas chances são reduzidas. “Não creio que o Trump partiria para uma aventura em outro partido”, afirma. “Ele sabe que só terá alguma chance se for pelo Partido Republicano. E Trump não joga para perder”. Na opinião de Garschagen, DeSantis é uma opção melhor que o ex-presidente: “Espero que ele tenha apoio do partido, como parece que terá, e que enterre de vez Trump e o trumpismo”.

Trump
Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos | Foto: Evan El-Amin/Shutterstock

Na opinião de Márcio Coimbra, professor de relações internacionais na Universidade Mackenzie, que já trabalhou no Partido Republicano, DeSantis tem mais chances do que Trump, porque consegue atingir um público mais amplo do que o ex-presidente. “Ron DeSantis consegue transitar dentro do eleitorado do Trump, mas também apresentar uma imagem renovada, de alguém mais jovem e que vem de um ‘swing state’”, ele explica. A expressão ‘swing state’ se refere a um Estado que, nas eleições presidenciais, pode pender tanto para os republicanos quanto para os democratas.

Coimbra não acredita que a postura assertiva de Ron DeSantis em temas como a agenda LGBT possa atrapalhá-lo nas eleições gerais. “O que é importante em uma campanha nacional dentro dos Estados Unidos é fazer as pessoas saírem de casa para votar”, diz ele. Ainda segundo o professor, o risco de Trump lançar-se candidato por uma terceira via é real.

“Ele não teria nada a perder se saísse candidato por um terceiro partido. Isso poderia jogar a eleição nas mãos dos democratas”, Coimbra afirma. As eleições nos Estados Unidos não têm segundo turno.

As prévias no Estado de Iowa, tradicionalmente as primeiras, devem acontecer no começo de 2024.

Ron DeSantis, governador da Flórida
Ron DeSantis, governador da Flórida | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Leia também “O dilema de Jair Bolsonaro”

4 comentários
  1. Felipe Vizu Correia
    Felipe Vizu Correia

    DeSantis seria ótimo presidente, mas ainda acho que a missão de Trump ainda não terminou, assim como de Bolsonaro. DeSantis e Tarcísio são novos e poderão vir a ser presidentes por vossos países num futuro próximo, talvez quando o tempo de Trump e Jair realmente tiver passado. Jair mesmo falou que o Brasil ainda carece de líderes de direita. Temos que nos fortalecer ainda mais nas próximas eleições e emplacar cada vez mais conservadores em toda a esfera executiva e legislativa.

  2. Rodrigo Favero Celeste
    Rodrigo Favero Celeste

    Acredito que Trump e Bolsonaro já cumprimram suas missões. Foram importantes para quebrar a hegemonia dos corruptos da esquerda. Eles precisam comprender isso e abrir espaço para os novos, liderar a direita, mas não com cargos políticos, talvez no legislativo. Liderar a direita mundial é a missão deles! Se eles entenderem isso, DeSantis e alguém no Brasil (Tarcísio, Ratinho Jr, Zema, Caiado e tantos outros) farão um excelente trabalho para a direita por muitos anos, levando a esquerda tóxica atual ao declínio definitivo!

  3. Jota Dabliu
    Jota Dabliu

    Não chega nem aos pés de Trump no quesito – entender o mundo. Mas enfim, essa torpe história de “fala demais” não é só aqui.

  4. Paulo Miranda
    Paulo Miranda

    Ron DeSantis, o próximo presidente dos EUA a partir de 2025 – e início da volta do liberalismo econômico e liberdade de expressão ao poder.

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