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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock|Dr. Alan Greenspan, ex-presidente do Conselho de Governadores do Federal Reserve, em 2007 | Foto: Wikimedia Commons|Rubem Novaes | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil|Sede do Federal Reserve, Washington DC, EUA | Foto: Shutterstock|Sede do Silicon Valley Bank, uma subsidiária do SVB Financial Group, banco comercial de alta tecnologia com sede nos EUA, Santa Clara, CA, EUA -
Edição 156

A crise bancária norte-americana

As falências do Silicon Valley Bank e do Signature Bank levaram clientes a uma corrida para sacar seus recursos e afetaram o setor bancário nos Estados Unidos e em outros países

Rodrigo Constantino
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Os mercados financeiros do mundo vivem dias de tensão, em especial no setor bancário norte-americano. As falências do californiano Silicon Valley Bank (SVB), focado em financiamento de startups e cuja quebra é a maior de uma instituição financeira nos Estados Unidos desde 2008, e do nova-iorquino Signature Bank levam turbulência aos mercados, e autoridades norte-americanas e da União Europeia se apressaram a negar uma crise e alegar que o sistema bancário nesses dois locais está seguro.

O SVB anunciou na última quarta-feira (8) que estava buscando uma ampliação de capital, para tentar lidar com dificuldades financeiras que o levaram a alienar investimentos no valor de cerca de US$ 21 bilhões, com um prejuízo de cerca de US$ 1,8 bilhão. Esse anúncio levou muitos clientes a uma corrida para sacar seus recursos. O preço das ações da instituição tombou, o que, por sua vez, afetou o setor bancário nos Estados Unidos e em outros países.

Sede do Silicon Valley Bank, em Santa Clara, CA, EUA | Foto: Shutterstock

O FDIC garante depósitos de até US$ 250 mil nos bancos, justamente para evitar corridas bancárias e crises sistêmicas, uma vez que todo banco opera alavancado. A discussão tem girado em torno de até onde deve ir o papel do governo Biden no resgate dos envolvidos. Os investidores que apostaram no SVB devem perder seus recursos, mas aqueles com dinheiro em depósito deveriam ser protegidos, alegam muitos economistas.

O problema disso é o velho “moral hazard”, o relaxamento de critérios, pela certeza de um emprestador de última instância que vem em resgate de quem confiou em bancos pouco sólidos. No caso do SVB, não só suas apostas eram bem arriscadas, como a gestão do controle de risco estava totalmente dominada pela ideologia woke. O banco resolveu “lacrar” com o dinheiro dos outros, e certamente isso atrapalhou a eficiência dessas alocações.

O Banco Central norte-americano atua como alguém que oferece novas rodadas “grátis” de bebida, postergando a ressaca, mas também aumentando os riscos

O que permitiu, então, que um banco tão ousado levantasse tanto dinheiro? É aqui que entra o problema estrutural do setor financeiro. Um dos principais preços de mercado é justamente a taxa de juros, e ela vem sendo sistematicamente manipulada pelo Federal Reserve, o Banco Central norte-americano. A emissão de papel-moeda e as operações no open market são instrumentos à disposição do Banco Central para a criação de mais oferta monetária.

Sede do Federal Reserve, Washington DC, EUA | Foto: Shutterstock

Historicamente, todo governo abusou desse mecanismo, usando a inflação para financiar seus gastos. O resultado é o estímulo de mais crédito na economia, com taxas de juros artificialmente mais baixas. Investimentos que não seriam realizados numa economia realmente livre acabam se tornando atraentes, e muitos recursos são desviados para destinos indesejados.

Esses excessos estimulados pelo governo necessitam de um tempo para ajuste, sempre doloroso. Uma analogia com um bêbado pode ilustrar melhor a situação: após o consumo excessivo de álcool, uma ressaca se faz necessária para o organismo limpar as impurezas acumuladas. No entanto, o Banco Central norte-americano atua como alguém que oferece novas rodadas “grátis” de bebida, postergando a ressaca, mas também aumentando os riscos. Se muita liquidez for injetada para evitar frequentemente a ressaca, o resultado pode até ser uma cirrose.

O Banco Central atua como emprestador de última instância, o que é análogo a uma rede de segurança para trapezistas. Sabendo-se a priori que esta rede de segurança estará lá para proteger no caso de uma queda eventual, os trapezistas naturalmente se tornarão mais ousados nas manobras. É o que os economistas chamam de “moral hazard”.

A bolha da internet estourou em 2000, uma fase de ajustes dolorosos era necessária, mas o governo considera tais ajustes sempre impopulares. As intervenções, como a manutenção da taxa de juros em 1% ao ano por longo período, aliviaram as sequelas da crise, mas ajudaram a criar uma nova bolha ainda maior. Não deixa de ser curioso o fato de que era Alan Greenspan o mentor desta política, já que ele foi um ferrenho defensor do padrão ouro no passado, objetivando justamente proteger a economia de políticas inflacionárias como esta.

Alan Greenspan, em 2007 | Foto: Wikimedia Commons

Durante sua gestão no comando do Fed, o mercado financeiro criou a expressão “Greenspan Put”, exatamente para se referir a essa rede de segurança garantida pelo Banco Central no caso de alguma catástrofe. Desde então, de crise em crise, a mesma receita tem sido utilizada para impedir o estouro da bolha, o risco sistêmico. A reação ao fim da bolha da internet foi o estímulo que produziu a bolha imobiliária, que por sua vez estourou em 2008. E de lá em diante os bancos centrais dos países desenvolvidos têm operado com uma taxa de juros perto de zero, o que é insustentável.

Rubem Novaes, economista com ph.D. pela Universidade de Chicago, comentou: “Economistas sábios sabem há muito tempo que sistema econômico nenhum resiste a um período de taxas de juros excecionalmente baixas, com política fiscal frouxa. Quando a desgraça se evidencia, os culpados são aqueles que procuram consertar os malfeitos, esfriando a economia e causando recessão. É sempre assim. E vamos de bolhas em bolhas até ‘the ultimate bubble’”.

Rubem Novaes | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O economista austríaco Ludwig von Mises resumiu bem a situação: “Não há como evitar o colapso final de um boom provocado pela expansão do crédito. A alternativa é apenas se a crise deveria vir mais cedo como resultado de um abandono voluntário de uma maior expansão do crédito, ou mais tarde como uma catástrofe final e total do sistema monetário envolvido”. São tempos preocupantes. Se nenhum banco mais pode falir, ou se todos os depósitos serão sempre garantidos, mesmo em entidades suspeitas, e se toda recessão deve ser evitada por mais estímulos monetários, então o próprio sistema financeiro corre perigo.

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0 comentários
  1. Hans Herbert Laubmeyer Filho
    Hans Herbert Laubmeyer Filho

    Excelente artigo, recuperando um histórico que principalmente nossos políticos fazem questão de esquecer.

  2. RB01
    RB01

    Boa Rodrigo Constantino. Uma nota bem explicativa apontando o que está acontecendo realmente com os bancos americanos. Revista Oeste nota 10!

  3. Carlos Alberto Carravetta
    Carlos Alberto Carravetta

    Parabéns, Consta! Afiado e certeiro, como sempre. Tem gente que afirma que o sistema de 5 bancos brasileiro é “sólido”. Tomara! Aguardemos. Afinal, temos gente “séria”, “competente e “honesta” dirigindo o país.

  4. Ordival Affonso Junior
    Ordival Affonso Junior

    O Brasil é sustentado por uma política de arrecadação de cerca de 45% da produção da população economicamente ativa. Some-se a isso o Banco Central independente será difícil quebrar, mas desse desgoverno petista pode-se esperar qualquer coisa. São especialistas em destruir tudo por onde passam. Verdadeiras “pragas” que se travestem de boas pessoas e sua pautas mentirosas e desastrosas em prol dos mais pobres.

  5. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    E a nossa canhota esta preparando manifestações contra o Banco Central e o seu presidente. Isso são manifestações consideradas democráticas pelo nosso STF? Quando se manifestarem contra a Suprema Corte ou o TSE ou o TST também será democrática? Afinal, não somos todos iguais perante a Lei?. Como fica a segurança jurídica de quem investe no desenvolvimento se até o PASSADO JURIDICO é incerto?

  6. Zé Mané
    Zé Mané

    Excelente artigo. Não existe sistema seguro se não houver confiança. Bancos trabalham confiança, crédito não dinheiro.

  7. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    é preocupente o momento !! se economias sólidas de países ricos, estão sofrendo pressão !! imagina aqui nesse Brasil com o Lula ladrão no desgoerno e o Jaiminho na economia !!

  8. Jose Carlos Rodrigues Da Silva
    Jose Carlos Rodrigues Da Silva

    Daqui a alguns meses será o Brasil que vai pro buraco com essa turma da esquerda, Lula larápio já vai levar os dois da JBF para China, brincadeira né.

  9. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Muito bom e preocupante artigo…!

  10. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    No Brasil o sistema bancário é sólido.
    Preocupante é a ação do DESgoverno em retirar o presidente e a autonomia do BC.
    Tira o sono e causa pesadelos em qualquer pessoa de bom senso.

    1. Teresa Guzzo
      Teresa Guzzo

      Não entendo muito das regras que regulam a atividade bancária. Tudo que possuo está em um banco privado no Brasil, mas entendo uma regra básica:se a inflação está em alta os juros não poderiam baixar.Vivemos desde o começo desse governo uma inflação alta em muitos setores .Paulo Guedes conduziu nossa economia de forma brilhante e mostrou como superar obstáculos em uma pandemia e guerra na Ucrânia. Como o demente do Haddad conduzirá a nossa ?Esse governo não pode chegar ao fim,destruirá o país. Lula subiu a rampa com objetivo de roubar,corromper e destruir..É exatamente o que tem mostrado até agora.

  11. Rejane Manfroi Ottobelli
    Rejane Manfroi Ottobelli

    Boa Rodrigo, Muito obrigado.

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