“A nossa mídia transformou-se em uma espécie de ‘Exu’, o orixá que se diverte falsificando mensagens e espalhando a confusão”, resumiu o jornalista Fernão Lara Mesquita. Segundo ele, a imprensa tradicional distanciou-se dos fatos e tornou-se militante político-partidária, em virtude da dominação gramcista de esquerda na educação.
Ex-diretor do jornal O Estado de S. Paulo, Mesquita afirma que a imprensa deixou de fazer reportagens para vender opiniões, além de escantear a verdade. “Hoje, ela faz as pessoas ouvirem o contrário do que foi dito e distorce, na ida e na volta, a conexão entre o país real e o oficial”, constatou. Para Mesquita, os remédios capazes de tratar essa enfermidade são “voltar a fazer jornalismo”, submetendo-se ao rigor ético, e o próprio mercado, que vai selecionar aquilo que é bom e descartar o que for ruim.
Autor do site Vespeiro, Mesquita sofreu censura dias depois do segundo turno das eleições, por publicar um vídeo em que trata do sistema eleitoral. O blog ficou desativado por semanas, mas voltou a funcionar depois. Para o jornalista, o Brasil vive uma ditadura “que arrebenta, desmonetiza e censura” pessoas. “Hoje, ela é muito mais violenta que a do regime militar”, constatou.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que é o jornalismo para o senhor?
Antes de mais nada, é importante falar sobre a democracia, o sistema que imita a vida. Ela é a reforma permanente. Tentamos ir por um caminho, ao constatarmos que não é o correto, desviamos e corrigimos o rumo até acertar. É o sistema que recusa o direito adquirido e o compromisso com o erro. A imprensa democrática é a parteira de todas essas reformas e elo entre o país real e o oficial. A nossa mídia, contudo, transformou-se em uma espécie de “Exu”, o orixá que se diverte falsificando mensagens e espalhando a confusão. A imprensa atual faz as pessoas ouvirem o contrário do que foi dito e distorce, na ida e na volta, a conexão entre o país real e o oficial.
O que a imprensa tradicional do Brasil pode fazer para sair disso?
Precisa voltar a fazer jornalismo. E há outro problema a ser resolvido: a crise em um modelo de negócios antigo, que está se desmanchando. Jornalismo custa caro. Até o momento, ninguém encontrou uma alternativa consistente que mantenha uma redação “padrão New York Times”, com centenas de repórteres em atividade. Por enquanto, não se alcançou o patamar em que os profissionais de uma empresa de comunicação podem exercer o ofício sem o limite de tempo para investigar casos e fazer um trabalho digno de ser classificado como jornalismo. O que se chama de jornalismo hoje é alguém emitindo suas próprias opiniões, ou duas pessoas debatendo entre si, com pensamentos relativamente divergentes, ou um jornalista entrevistando outro jornalista. Infelizmente, não se tem mais reportagens.
A mídia dos Estados Unidos e da Europa está na mesma condição que a nossa?
Estão um pouco melhor, até porque são países de economia forte, e os donos de alguns veículos pertencem ao ramo, como Rupert Murdoch, proprietário da Fox News, e a família Sulzberger, dona do New York Times. São pessoas que, apesar de todos os seus defeitos, entendem da profissão e sabem administrar seus produtos. Embora haja polarização política, como aqui, há editorias que fazem reportagem presa aos fatos, bem apurada, dentro das normas de checagem e do padrão ético que se espera. O mesmo se repete na mídia britânica. Já em outras partes da Europa, a coisa é ruim. O Le Monde, por exemplo, está nas mãos de um fabricante de armas, que não entende nada de jornalismo. A imprensa é um reflexo do sistema político em que está. Onde existe democracia real, como na Suíça e nos Estados Unidos, a mídia tem de fazer uma cobertura diferente. Nos EUA, ela tem de municiar com argumentos um eleitor que tem direito ao recall de mandatos de políticos, para ele saber se mantém ou dispensa o cara. Em democracias falsas, como a nossa, a mídia cobre a guerra de quadrilhas para ver qual das duas vai mandar no pedaço.
“As redações de hoje foram ocupadas por gente fruto de tramoias que o PT sabe fazer melhor que ninguém: torna obrigatório o diploma, controla as faculdades de jornalismo e, por fim, se apossa do noticiário”
A imprensa vai acordar e se dar conta desses elementos que o senhor destacou?
O jornalista que está nessa “viagem alucinada” não sai mais. E, enquanto a política brasileira for essa briga de bandidos, vamos ter produtos parecidos no seu radicalismo, seja de um lado seja de outro. Felizmente, ao fazer sua eleição diária entre o que é bom e ruim, o mercado vai expulsar o jornalismo rasteiro e eleger um melhor. Todos os dias, o mercado cria ambientes e oportunidades para o surgimento de produtos novos, que vão cumprir uma função.
Há uma reação do establishment e da velha mídia contra o surgimento de novos veículos e produtos jornalísticos. Há como resistir a isso?
Depende se você está ou não em uma ditadura. No caso do Brasil, estamos em uma, e que arrebenta, desmonetiza e censura. Hoje, ela é muito mais violenta que a do regime militar. Eu já trabalhava em redação quando vigorava, em tese, a censura. O governo mandava um censor e o colocávamos na oficina. Lá, ele pinçava uma ou outra notícia. Nem todo dia isso acontecia. Agora, “cozinha-se” uma pessoa. Pegam um jornalista, proíbem-no de escrever em qualquer plataforma que alcance o público, tiram dele as possibilidades de remuneração, congelam os seus bens e proíbem-no de acessar as redes sociais. Matam a pessoa. Consegue-se isso em ditaduras com padrões chineses, que é o que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, faz no Brasil. É algo de uma violência que a humanidade nunca experimentou antes.
Faz pouco tempo que o consórcio de imprensa acabou. Qual a sua avaliação sobre ele?
Um pool de veículos para transmitir as mesmas imagens, como em um debate político ou qualquer outro evento, é válido. Agora, acho patético um consórcio alinhado ideologicamente, como o que tivemos aqui no Brasil por dois anos, que disse as mesmas coisas a respeito da pandemia de coronavírus e apoiou automaticamente posições contra um governo, no caso Bolsonaro, e a tudo o que se opunha a ele. Quando eu deixei as redações, há cerca de 20 anos, a imprensa era a instituição mais admirada do Brasil, porque ela fazia seu papel, estava contra o establishment e defendia o rigor ético. Hoje, em termos de avaliação, está com menos credibilidade que o Congresso Nacional.
E como foi a cobertura do governo Bolsonaro feita pelo consórcio?
Não foi uma cobertura, foi um linchamento, com raríssimas exceções. Bolsonaro é um fenômeno reativo da sociedade, assim como o ex-presidente Donald Trump e outras versões da direita, que não são direita, mas, sim, fabricações do rompimento da censura pelo advento da internet. Há muito tempo, vigora uma hegemonia social-democrata que controla a imprensa. As redações que conheci eram compostas de representantes da classe média não meritocrática, ou seja, filhos de funcionários públicos, artistas e até políticos. Portanto, um perfil que pendia para a defesa do sistema que mantinha essa casta. Até então, não havia uma mídia que representasse a classe média que subiu atuando por conta própria ou na iniciativa privada. Esse pessoal não tinha voz e viu a rede social como um meio para falar. Temos, então, o fenômeno de 2013, cujas manifestações vão desaguar na queda do PT. Isso tudo fez a imprensa tradicional se levantar em fúria contra Bolsonaro, que incorporou o discurso reativo ao statu quo do momento.
O senhor mencionou o jornalismo do passado. Como ele era na sua geração?
No meu tempo, as redações ainda eram comandadas pelos donos das empresas que montaram jornais democráticos, com bandeiras anti-statu quo, a exemplo de O Estado de S. Paulo, que era republicano e a favor da abolição em um Brasil ainda escravagista e repleto de barões do café. A maioria dos jornais teve sua origem baseada em valores que iam além do dinheiro. As empresas de comunicação se preocupavam com a ética do jornalismo e impunham limites aos seus profissionais. Isso tudo se perdeu completamente. Hoje, essas famílias tradicionais da mídia estão na terceira ou quarta geração, que nunca pisou numa redação ou que lê jornal. As redações de hoje foram ocupadas por gente fruto de tramoias que o PT sabe fazer melhor que ninguém: torna obrigatório o diploma, controla as faculdades de jornalismo e, por fim, se apossa do noticiário. Isso aconteceu sem a reação dos donos das companhias de comunicação. Por isso é que temos poucos jornalistas no mercado e muitos profissionais dedicados à luta pelo poder.
O que o senhor pensa sobre a formação universitária dos jornalistas?
É ruim. Isso porque o PT se especializou não em convencer pelo argumento para conquistar a maioria, que é o mecanismo da democracia, mas em explorar as falhas das regras do jogo para perverter esse sentido. Já nos anos 1920, Antonio Gramsci escreveu a teoria segundo a qual só se conseguiria vencer a batalha contra os seus adversários ocupando todos os gargalos dos centros de transmissão de conhecimento, de modo a pôr uma geração inteira dentro de um sistema que inverte conceitos e falsifica a história. Estamos assistindo a tudo isso agora.
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Esse Fernão é um jornalista que sabe a importância do jornalismo
A grande mídia destrui o que a mantinha viva, a credibilidade.
Comungo com as ideias de Mesquita. Vivi minha adolescência e juventude durante a vigência do regime militar. A sensação de liberdade que eu tinha naquela época não se repete nos tempos atuais onde a “justiça” não é mais cega. Ela se tornou opressora e covarde acobertando e manipulando situações que convém ao sistema.
Fico pasmo nos dias atuais quando vejo jovens de 16 a 20 anos ou jovens senhores de 35 a 40 anos tecendo comentários sobre o regime militar. Não viveram a época e sua fonte de informação é (foi) seus professores militantes.
Os esquerdistas dirão que é mentira. Eu digo: vivia em Curitiba e viajava com frequência a outras localidades. Bastava comprar a passagem. Hoje pessoas que “cometeram crimes contra a democracia”, são presas sem qualquer acusação ou processo, são liberadas ao bel prazer de magistrados nomeados por criminosos e são obrigadas a usar tornozeleiras eletrônicas.
Nosso regime político está muito distante de uma democracia. Os atuais ocupantes dos principais cargos públicos (legislativo, executivo e judiciário) deveriam seguir o exemplo de Clístenes e se auto aplicar o ostracismo para o bem da nação.
Precisamos ouvir todos os dias e disseminar aos jovens, Fernão Lara Mesquita.
Obrigada, Fernão!
estadão só escreve mentiras a favor da laia do comando atual do brasil.
Ele saiu do estadao ha 20 anos. Sao os primos dele q mandam e destruiram o jornal. Deixei de assinar em 2019 apos 30 anos.
Cristyan, excelente entrevista. É preciso que esse bom jornalismo trate com urgência junto aos congressistas o VOTO IMPRESSO já para 2024. Entendo que Guzzo, Augusto, Fernão, Navarro, Ana Paula, Fiuzza e muitos mais poderiam nos levar ao sucesso dessa aprovação para que não tenhamos mais a desconfiança e o desconforto criado pelo TSE sem a transparência e auditoria das urnas eletrônicas. Não é aceitável sem o voto impresso termos em São Paulo o invasor insano Boulos prefeito da cidade. Com o voto impresso saberemos se esse realmente é o desejo do povo democrata paulistano.
Cristyan, até agora não vi reportagem sobre o significativo aumento do eleitorado de 2018 para 2022 nos estados do Norte e Nordeste que Lula foi vitorioso e do reduzido aumento nos estados Sul Sudeste que Bolsonaro foi vitorioso. Cito alguns: Maranhão cresceu 11,15%, Para 10,6%, Bahia 8,64%, Piaui 8,56%, Ceará 7,51%.
Já São Paulo cresceu 4,93%, Rio de Janeiro 3,38%, R.G do Sul 2,86%, Paraná 6,33%.
No mínímo é estranho que tenha despertado esse interesse democrático de votar. Creio importante um trabalho jornalístico sobre as cidades que mais cresceram nesses estados e se justificam tal crescimento.
Obrigado pela leitura, caro Antonio. Um abraço
Embora uma crítica certeira sobre o jornalismo de hoje, a questão maior é tabu! O jornalismo tem o dever de informar e hoje é preciso se debater uma lei que limite ao Estado ter tanto poder e controle sobre a liberdade, sobre a PROPRIEDADE PRIVADA, sobre a vida das pessoas. Afinal não se pode dizer que seja apenas uma questão de noticiário como antigamente quando mesmo antigamente não tínhamos uma LEI que nos garantia segurança pessoal e jurídica, mas era a mesma coisa que hoje: o cidadão com seus direitos espoliados, beneficiando ao Estado e seus servidores.
Parabéns a revista oeste e seu quadro, vale a pena ser assinante!
Excelente entrevista com esse monumental jornalista, que é Fernão Lara Mesquita, parabéns à REVISTA OESTE, Fernão, é a mais verdadeira cultura na veia.
Como sempre brilhante !!!
Por isso é que temos poucos jornalistas no mercado e muitos profissionais dedicados à luta pelo poder. Ainda temos a revista oeste.
Se estamos em um regime ditatorial que impede a difusão da verdade e do diálogo construtivo, como iremos prosperar de maneira sadia?
Gostei muito da entrevista com Fernão Lara Mesquita,Cristyan Costa, como sempre excelente (sou fã).A velha mídia para mim não existe mais,acabou,”cest fini”,apenas desinforma e mente também. Sem credibilidade,o leitor de quinze anos atrás não é o mesmo de hoje.Como Fernão disse são comandadas por gente que não entende nada do bom jornalismo.Muitas vezes o texto é repleto de erros de portugues e ideias confusas.Para ter um jornal que tenha leitores,é necessário ética,princípios e uma excelente equipe de jornalismo.O público pagante não quer ler matéria e artigos ruins,é isso..Nesse cenário a revista Oeste nasceu com um projeto inovador e de qualidade, assinantes aumentaram passaram ao vídeo.Um case na área do bom jornalismo que será estudado..Já entrou para história.
Fico feliz que tenha gostado, Teresa. Um abraço
Excelente entrevista, O Fernão honrando seu título de jornalista e soltando as verdades que infelizmente muitos não conhecem pelos próprios meios ditos na entrevista. A Gramsci alterou o curso do mundo para um conceito ultrarevolucionário.
A Globolixo é o principal exemplo da imprensa parcial e anti ética
Verdade estamos a beira do abismo as corta fechadas e essa gente bem