A cultura woke tem defeitos demais até para serem listados — quanto mais comentados — em um artigo de tamanho razoável. Mas um desses muitos defeitos se destaca para mim como um dos mais irritantes: a incessante infantilidade.
Nos meus tempos de ensino fundamental, num colégio católico, ainda recordo as muitas vezes em que um colega acusava publicamente outro de usar um termo chulo. Essas acusações eram sempre anunciadas de forma triunfante, revelando a ideia do acusador de estar a servir heroicamente ao bem comum expondo uma ameaça entre nós. Às vezes a alegação estava baseada em pura ignorância de linguagem, como quando um dos meus colegas de quarto ano usou o termo “estulto” e foi imediatamente delatado para a nossa professora, a irmã Agnelia, por falar um palavrão.
Não lembro se “estulto” foi empregado corretamente, mas, de toda forma, por sorte, a irmã Agnelia sabia não se tratar de um palavrão. E declarou que o acusado era inocente de qualquer transgressão.
Se ofender com o uso do artigo “os” exige um grau bem mais alto de imaturidade nociva
Claro, palavras de fato proibidas, como “inferno” e “maldição”, às vezes eram proferidas. No entanto, mesmo quando criança, sempre simpatizei com o malfeitor quando seu delito era delatado publicamente por outro colega, que eu invariavelmente considerava ter cometido um delito muito mais sério do que usar linguajar sujo.
Em constante vigilância contra o uso de palavras feias, os membros da cultura woke são tão imaturos quanto meus puritanos colegas de escola. E também são tão ignorantes sobre o significado das palavras — como foi revelado alguns anos atrás, quando um assessor de Anthony Williams, então prefeito de Washington DC, foi forçado a se demitir, depois de ser acusado de injúria racial ao usar o termo “niggardly”, que pode ser traduzido como “de forma avarenta”, em uma conversa sobre financiamento.
Na verdade, os membros da cultura woke são piores que meus colegas de classe mais sensíveis. Diferentemente deles, que não recordo de nunca terem inventado pretextos para ofender com a linguagem, os descolados são mestres do fingimento nessas farsas. Como exemplo, não é preciso ir além de um tuíte recente do Guia de Estilo da Associated Press: “Recomendamos evitar generalizações muitas vezes desumanizadoras, com o uso do artigo ‘os’, como ‘os pobres’, ‘os doentes mentais’, ‘os franceses’, ‘os deficientes’, ‘os universitários’”.
We recommend avoiding general and often dehumanizing “the” labels such as the poor, the mentally ill, the disabled, the college-educated. Instead, use wording such as people with mental illnesses. And use these descriptions only when clearly relevant.
— The Associated Press (@AP) January 27, 2023
Que fique claro, porque reconheço o enorme poder da linguagem, eu celebro que a linguagem se torne mais inclusiva, menos racista e menos sexista. Mas ela é orgânica. Seu vocabulário e sua gramática não são construções humanas conscientes que podem ser modificadas livremente ou de um dia para o outro. Ofender-se, por exemplo, com o uso casual do termo “artesão” para descrever uma categoria que inclui mulheres que trabalham como carpinteiras ou encanadoras é se ofender com um jeito de falar inocente. É fabricar uma justificativa para exibir as supostas sensibilidades superiores de alguém. E apenas pessoas imaturas se comportam de forma tão detestável.
Mas se ofender com o uso do artigo “os” exige um grau bem mais alto de imaturidade nociva. É a mesma imaturidade do valentão do parquinho, que é tão obcecado consigo mesmo quanto é destrutivo.
Chamar alguém de “transfóbico” só por argumentar que o governo não deveria se sobrepor ao poder de decisão dos pais em relação aos tratamentos de saúde recebidos por filhos menores de idade é ignorar de modo infantil o perigo de destituir os pais dessa responsabilidade vital
Os descolados também são infantis na maneira de ver o mundo, em preto e branco. Pelo jeito, ser woke para as injustiças de hoje em dia significa ignorar as complexidades e as incertezas da realidade. Também parece exigir a desconsideração do fato de que muitas coisas que parecem malignas ou indesejáveis são resultado não de atores maus nem ignorantes, mas de pessoas que fazem escolhas difíceis e inevitáveis.
Aparentemente, as nuances são uma miragem vista apenas pelos egoístas, enquanto a humildade é uma característica apenas dos ignorantes.
Vamos considerar o exemplo dos direitos trans para menores de idade. Como noticiado por Megan McArdle, colunista do Washington Post, muitas figuras da cultura woke querem diminuir o poder de decisão dos pais nas resoluções das crianças na transição de um gênero para o outro. No entanto, independentemente da sua opinião na questão mais ampla dos direitos trans, a responsabilidade dos pais e o amor dos pais pelos filhos continuam sendo considerações muito reais. McArdle sugere, como é acertado, que chamar alguém de “transfóbico” só por argumentar que o governo não deveria se sobrepor ao poder de decisão dos pais em relação aos tratamentos de saúde recebidos por filhos menores de idade — em especial quando o exercício dessa decisão não coloca a vida dessas crianças em risco — é ignorar de modo infantil o perigo de destituir os pais dessa responsabilidade vital.
Seja qual for o bem que se imagine que possa advir de privar a responsabilidade dos pais nesse caso específico, esse é um “bem” conquistado à custa de diluir a habilidade dessas pessoas que mais amam e melhor conhecem as crianças — os pais — de criar seus filhos como acham melhor. Apenas uma mente imatura afirmaria que vale a pena pagar esse preço, inquestionavelmente. Sem dúvida alguém que resista à redução da responsabilidade dos pais nessas situações não é um troglodita ignorante nem um religioso fanático e maligno; na verdade, trata-se de alguém que entende a realidade do amor dos pais — tanto para as crianças quanto para a sociedade — e do valor das responsabilidades assumidas por eles por causa desse amor.
No entanto, outra manifestação da infantilidade woke é a interpretação de tudo pelas lentes de intenções imaginadas. A remuneração média das mulheres é mais baixa que a dos homens? Sim. A razão deve ser porque a sociedade foi projetada por homens para “privilegiar” homens em detrimento das mulheres! O número de pessoas negras matriculadas em cursos avançados de ensino médio é desproporcionalmente menor? Sim. A razão deve ser porque os currículos escolares e os métodos de avaliação foram criados para “privilegiar” pessoas brancas e asiáticos em detrimento dos negros!
Claro, às vezes, existem más intenções. Mas, para muitas das questões sociais e econômicas que dominam as discussões de políticas públicas, as diferenças nos “resultados” de diferentes grupos são os desfechos, não da intenção ou do projeto, mas de incontáveis decisões tomadas por indivíduos que lutam para lidar o melhor que puderem com as inevitáveis escolhas que enfrentam. A mulher que opta por deixar temporariamente o mercado de trabalho para ser mãe muitas vezes acaba perdendo algumas habilidades profissionais e, ao voltar, recebe menos de que receberia se não tivesse tido filhos. A remuneração média das mulheres, por sua vez, diminui em relação à remuneração média dos homens. Mas aqui não há nenhum projeto maligno. Mas, na mente infantilizada, incapaz de compreender a realidade das consequências não pretendidas e da inevitabilidade das escolhas, chega-se à conclusão de que o salário mais baixo das mulheres é resultado do machismo e da discriminação dos homens.
Vale mencionar uma última característica infantil do woke, a saber, sua incapacidade, ou recusa, imatura de colocar as coisas na devida perspectiva. É inegavelmente verdade que alguns indivíduos são racistas, enquanto outros são xenofóbicos; alguns homens são sexistas, e algumas pessoas são homofóbicas. Será sempre assim, infelizmente. Mas não há dúvida de que o racismo, a xenofobia, o sexismo e a homofobia são muito menos comuns nos Estados Unidos hoje do que eram poucas décadas atrás. Mas a cultura woke aproveita cada suposto relato de intolerância — relatos que são, eles mesmos, ampliados pelas redes sociais — como evidência de que a sociedade norte-americana está cheia de racismo, xenofobia, sexismo e homofobia incuráveis. Como estão muito mais interessados em demonstrar a própria superioridade moral imaginária do que compreender a realidade, esses descolados se recusam a reconhecer a tolerância e a civilidade esmagadoras da sociedade norte-americana moderna. Como crianças, a compreensão dessas pessoas da sociedade que habitam é defeituosa. Infelizmente, ao contrário das crianças, eles ocupam lugares de destaque na mídia, na academia e na máquina pública.
Donald J. Boudreaux é doutor em economia pela Universidade Auburn e formado em Direito pela Universidade de Virgínia. Ele é membro sênior do Instituto Americano de Pesquisa em Economia e do Programa F. A. Hayek para Estudos Avançados em Filosofia, Política e Economia do Mercatus Center da Universidade George Mason. Também é membro do conselho do Mercatus Center, professor de economia e ex-chefe do Departamento de Economia da Universidade George Mason. Boudreaux é autor dos livros The Essential Hayek, Globalization, Hypocrites and Half-Wits e seus artigos apareceram em publicações como Wall Street Journal, New York Times, US News & World Report, bem como em diversas revistas acadêmicas. Ele escreve o blog Cafe Hayek
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