Muita gente boa ainda acha que “essa história de esquerda e direita” é uma bobagem. “Basta os dois lados sentarem e conversarem”, dizem alguns, como se fosse um desentendimento de vizinhos ou um debate acadêmico. Também já pensei assim. Sabe o que mudou minha cabeça? A realidade da segurança pública brasileira.
Descobri que há muito tempo nosso sistema de Justiça Criminal vem sendo destruído. O cidadão está cada vez mais indefeso, a polícia mais acuada, as leis penais cada vez mais fracas, a aplicação da justiça cada vez mais seletiva e os criminosos cada vez mais protegidos, organizados e ousados.
Tudo isso é resultado de um processo de décadas, que precede em muito a chegada da esquerda ao governo federal, em 2003 (embora, a partir daí, tudo tenha se acelerado). Um dos marcos desse processo de decadência foi a reforma do Código Penal e da Lei de Execução Penal, em 1984. Foi essa reforma que deu aos criminosos brasileiros seus inúmeros “direitos”, alguns inéditos no Ocidente civilizado, como a “progressão de regime”. A reforma criou também uma inovação absoluta em Direito penal em todo o mundo: o regime aberto de prisão, em que o criminoso está livre nas ruas, mas continua constando como “preso” nas estatísticas criminais.
Essa reforma da legislação foi feita no governo do presidente João Baptista Figueiredo, ainda durante o chamado “regime militar”. A explicação para esse fato é assustadoramente simples: o pensamento de esquerda alcançou a hegemonia no ambiente acadêmico e cultural, ainda nas décadas de 1970 e 1980, apesar de o governo federal ser comandado, naquela época, pelos militares do movimento de 1964.
Na sua magnífica série de livros sobre o movimento de 1964 — que começa com o volume A Ditadura Envergonhada —, o jornalista Elio Gaspari parece atribuir esse fenômeno à teoria da “panela de pressão, que teria sido concebida pelo general Golbery do Couto e Silva. Segundo essa teoria, como o poder militar ocupava e regia todos os espaços políticos, era preciso criar uma válvula de escape para as pressões sociais de oposição — exatamente como a válvula de uma panela de pressão impede que a panela exploda.
A “válvula de escape” foi formada pela licença que a esquerda recebeu para atuar livremente — e sem qualquer oposição — na cultura, no entretenimento, na grande mídia e no sistema de ensino — o que incluía, naturalmente, as escolas de Direito. O incansável trabalho de ativistas, intelectuais e políticos de esquerda criou um ecossistema hegemônico que atua das escolas infantis às faculdades de Direito, das ONGs de “Direitos Humanos” aos “coletivos” em universidades, favelas e até instituições do próprio Estado. Essa constelação de indivíduos e entidades cria narrativas ideológicas, ataca a polícia, constrói “memoriais” para bandidos mortos, produz novelas que glorificam traficantes e um noticiário que ataca a polícia diariamente.
O termo politicamente correto agora é ressocialização. Vocês sabem o que é isso? É um processo mágico, pelo qual entra um criminoso violento de um lado, e sai um cidadão exemplar do outro
Nada explica melhor o que está acontecendo no Brasil do que as declarações recentes de autoridades do novo velho governo, e os eventos que o país, estarrecido, tem testemunhado nos últimos dias.
Como a inusitada visita de um ministro de Estado, sem qualquer escolta ou segurança, a uma das regiões mais perigosas do mundo, o complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, onde famílias de trabalhadores são reféns do narcotráfico e onde ocorrem combates diários entre duas facções pelo controle do território.
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Ou a declaração de outro ministro em defesa da descriminalização das drogas — e todo mundo que defende a descriminalização, defende o uso, mesmo que se socorra de artifícios retóricos para negar isso.
A gota d’água poderia ter sido a declaração da autoridade máxima do Poder Executivo de que a insegurança das regiões pobres é causada pela polícia. É uma gota d’água com potencial de tsunami.
A maioria dos integrantes de facções criminosas no Brasil já foi presa várias vezes, e depois foi solta, porque assim determina a lei. A maioria dos criminosos no Brasil já foi presa várias vezes; alguns foram presos em mais de cem ocasiões. O sistema de Justiça Criminal no Brasil sempre dá mais uma chance ao criminoso. Quem sabe agora, depois da centésima prisão, ele não se regenera?
Me desculpem, usei o termo errado. Não se fala mais em regeneração. O termo politicamente correto agora é ressocialização. Vocês sabem o que é isso? É um processo mágico, pelo qual entra um criminoso violento de um lado, e sai um cidadão exemplar do outro.
É isso que a legislação penal brasileira imagina que acontece.
Isso não acontece em lugar nenhum do mundo.
A reabilitação de um criminoso depende principalmente dele. É ele que precisa se arrepender do crime, cumprir uma pena, indenizar as vítimas pelo prejuízo causado e depois se comprometer a não mais violar a lei.
A participação do Estado nesse processo é mínima. O que o Estado pode fazer, através do sistema de Justiça Criminal, é garantir que o criminoso será punido de forma proporcional ao crime cometido.
Isso não acontece no Brasil. O Brasil é o país da impunidade.
Percebam: não importa a monstruosidade do crime. Não importa quantos crimes tenham sido cometidos. Não importam as vítimas. No Brasil, o criminoso sempre será solto e terá uma “nova chance”.
São essas as ideias que prevalecem na Justiça Criminal brasileira — nas leis, nas decisões judiciais, e, cada vez mais, no medo permanente que o brasileiro tem de ser vítima de um crime violento.
Tudo isso está acontecendo na frente dos nossos olhos. Isso é muito mais do que uma crise de segurança; trata-se de um projeto político.
Entre 2003 e 2018 morreram assassinados 875 mil brasileiros. Em média, em apenas 8% dos casos os assassinos são identificados. Acontecem no Brasil mais de 2 milhões de assaltos por ano apenas nas capitais. São quatro assaltos por minuto. No tempo que você levará para ler esse texto, 20 pessoas serão assaltadas.
Apenas 2% desses assaltantes serão, um dia, identificados.
No Brasil impera a absoluta impunidade. Nada disso é por acaso.
Os criminosos brasileiros são tratados com leniência e permissividade desconhecidas nas democracias ocidentais. Em qualquer um desses países, criminosos como os que martirizaram o menino João Hélio, os que torturaram e mataram o jornalista Tim Lopes ou os que jogaram a menina Isabela Nardoni da janela de um edifício teriam sido condenados a longas sentenças, à prisão perpétua ou à pena de morte.
Aqui, no Brasil, todos já estão de volta às ruas.
Livres.
O legado de destruição intelectual e moral deixado pela ideologia de esquerda no sistema de Justiça do Brasil chegou até à linguagem. Antigamente, criminosos que cumpriam pena eram chamados de “presos”. Depois viraram “detentos”. Em certo momento, passaram a ser chamados de “apenados”. Depois viraram “reeducandos”. E, finalmente, “pessoas privadas de liberdade”.
Acreditem: esse é o termo oficial usado hoje.
Um país que chama assim os criminosos presos não acredita que eles mereçam qualquer punição.
Uma sociedade que não consegue condenar moralmente seus criminosos jamais conseguirá condená-los judicialmente.
Tudo isso é resultado da destruição da segurança pública brasileira pelo ativismo desenfreado de esquerda, que eu explico com fatos, dados e referências no meu livro A Construção da Maldade.
Muita gente boa ainda acha que “essa história de esquerda e direita” é uma bobagem. Isso é um equívoco grave. Quando falamos de posições ideológicas, falamos de ideias — e há ideias boas e ideias ruins.
Só conseguiremos de volta paz e segurança enfrentando e eliminando a ideologia que dominou o sistema de Justiça Criminal com ideias ruins.
Essa ideologia tem vários nomes: marxismo, comunismo, socialismo, progressismo. Outros interesses estão envolvidos, é claro; mercados ilegais, como o do tráfico de drogas, movimentam bilhões. Mas as ideias que garantem a traficantes, estupradores e assassinos brasileiros o direito de continuarem destruindo nossas vidas são as ideias da esquerda.
E, a isso, ninguém pode ficar indiferente.
Leia também “A ressaca”
A origem de todos os nossos problemas , tem um nome : IMPUNIDADE.. Existem muitas leis, porém pouca aplicabilidade. O político rouba e não acontece nada. O menor rouba um celular para comprar uma cervejinha e nada acontece. O cidadão trafega pelo acostamento nas estradas e nada accontece;o funcionário publico não funciona a contento, mas, vc. não pode reclamar senão ( desacato)vc. pode ser punido.A polícia prende e o judiciário solta no mesmo dia;etc.et.etc.
O titulo do livro da Barbara W. Tuchman me vem à cabeça : A Marcha da Insensatez! É um país do absurdo, das filigranas jurídicas, da degeneração do judiciário. Marco Aurélio Mello se jactava após liberar aquele chefão do tráfico ; “tudo dentro da lei”. Que país é esse Renato Russo? Que país é esse?
Ficaram tão indiferentes que milhões de eleitores foram às ruas e desejaram mais impunidade , tudo isso é triste e lamentável. A pergunta é : como reverter esses danos se a arquitetura dos prejuízos para a sociedade foram desenhadas e construídas a longo tempo ?
Motta, sou um admirador seu. comentários sempre lúcidos; com bom senso; equilibrados com muita lógica e conteúdo. Parabéns.
Uma sugestão:onde se lê “Me desculpem,…”, ficaria melhor se fosse “Desculpem-me,…”.
Parabéns pela coragem de expor seu pensamento sobre um assunto tão sensível. De minha parte, deixei de usar redes sociais, deixei de falar sobre política, deixei de opinar sobre assuntos controversos. Recebi tanto deboche nas redes sociais, por expor minha opinião, que o medo se instalou. Não me lembro de ter sentido isso anteriormente, e olhe que vivi a Ditadura Militar.
Só conseguiremos de volta paz e segurança enfrentando e eliminando a ideologia que dominou o sistema de Justiça Criminal com ideias ruins. Então Roberto Mota, isso agora vai demorar, pois os que implantaram isso tudo, estão de volta ao poder e com o aval do STF.
Não só o aval…. , o retorno foi planejado e imposto por eles…
Excelente artigo. E falando no Figueiredo, lembro da frase do Euler Bentes em seu livro sobre a figura: QUANDO FORAM DAR A NOTÍCIA DE QUE ELE ERA O NOVO PRESIDENTE, O ENCONTRARAM DE ONDE NUNCA DEVERIA TER SAÍDO, AS ESTREBARIAS DO EXÉRCITO.
Parabéns
Concordo em gênero, número e grau.
Vou ler o livro a Construção da Maldade.
Parabéns!
Motta como sempre cirúrgico nas suas colocações.
Na minha adolescência e juventude nos anos 70 em Curitiba/PR era raro quem tinha carro e os pais que tinham dificilmente emprestavam a seus filhos.
A turma ia a bailes e festinhas de garagem e no retorno não havia mais ônibus do transporte público.
O jeito era dormir na praça até a chegada do primeiro horário do domingo.
Fizemos isso incontáveis vezes sem nenhuma preocupação.
Hoje resido em Itajaí/SC e minha família continua em Curitiba.
Quando vou a Curitiba tem regiões que evito circular.
Nunca circulo com os vidros do carro abertos.
A sensação de insegurança não permite.
Excelente Motta, conhecimento e coragem. Não entendo como você ainda esta na Jovem Pan. Salvo o PANICO, aquilo lá ficou parecendo do Consorcio.
Q bom existirem pessoas como vc pondo o dedo nas feridas abertas. D todos males brasileiros, a insegurança é o maior, disparado, infelizmente
Mais da metade dos criminosos presos durante os ataques no RN já passaram por audiência de custódia e foram liberados.
PARABENS MOTA… DESENHOU…
Quando voltaremos a falar sobre as urnas eletrônicas? Quando voltaremos a cobrar transparência nas eleições, com contagem pública dos votos e possibilidade de auditoria? Vamos esperar para as vésperas das eleições para não dar tempo, de novo?
Excelente Motta!
Não é lei, ela existe, é só cumpri-la, infelizmente, eles não querem ter o trabalho de julgar e depois terem que julgar novamente…então prende e solta, e o povo que se f…
Texto simplesmente sensacional Motta,te acompanho nas suas lives no YouTube. Posso sempre acompanhá-lo nos meus horários livres(quando não estou atendendo).Aula sobre a segurança brasileira,abordagem perfeita.
Nosso modelo de polícia é da época do império. Ninguém do mundo civilizado e dos não civilizados não usam mais esse modelo, em que o Ministério Público não é o agente da mudança da Segurança Pública. Aqui no Brasil no temos os policiais e um poder moderador, que vai levar ao Ministério Público, o que for de interessante. Nos EUA a polícia é polícia, e o Ministério Público está junto, para que o Juiz faça justiça, no Brasil faz tudo, menos justiça!!