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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Freepik
Edição 160

Os olhos de uma mãe

Pensei no Estado que passa a mão na cabeça de traficantes, que advoga a favor da liberação das drogas e do desencarceramento de bandidos, no Estado que ataca religiões

Roberto Motta
-

“Os pobres colhem o que os intelectuais semeiam.”
Theodore Dalrymple 

Desde outubro do ano passado eu tenho um programa no YouTube, o Meia Hora com Motta. É quase um programa de rádio, só que pela internet. É uma conversa despretensiosa com amigos que não conheço, espalhados por todo Brasil e até pelo exterior. 

É algo que nunca havia pensado em fazer. Não sou youtuber. Não tenho cabelo colorido (na verdade, quase não tenho cabelo), não sei contar piadas, não conheço fofocas de celebridades e nem tenho a habilidade de criar manchetes histéricas — as chamadas clickbaits —, que fazem com que as pessoas cliquem no vídeo e o coloquem no topo da audiência. 

Não faço nada disso.  

Apenas me sento no meu escritório, ligo a câmera e converso com meus amigos distantes, como se estivessem sentados ao meu lado, sobre temas que considero importantes. Alguns desses temas são difíceis; o passado recente vem tentando nos empurrar para o desânimo, para o medo e, muitas vezes, quase para o pânico.  

“O garoto não devia ter mais do que 15 anos de idade. Estava completamente drogado. Em pé, cambaleando, ao lado do portão, aguardava a saída da mãe”

Tento falar sobre tudo com seriedade, sobriedade, leveza, e com a serenidade possível. Aprendi que o tom da conversa é, frequentemente, mais importante que seu conteúdo.  

Foto: Reprodução YouTube

A experiência tem superado minhas expectativas.  

A maior surpresa foi a quantidade de pessoas dispostas a compartilhar histórias de vida. No final do programa, sempre leio a carta de algum espectador. Às vezes, levo bronca de pessoas que me corrigem: “Não são cartas Roberto, são mensagens de e-mail” 

Eu prefiro chamá-las de cartas mesmo.  

Algumas delas, quando as leio em voz alta, me emocionam e embargam minha voz. Outros relatos são tão fortes que é impossível lê-los no ar. 

Foto: Shutterstock

Há algumas semanas, andando na rua, encontrei meu filho. Sobre esse evento tão trivial e precioso, publiquei esse texto no Twitter: 

“Alegria em estado puro: a alegria de encontrar seu filho, por acaso, andando na rua. Ele já tinha me visto antes que eu o visse. Quando percebi que era ele, ele já estava sorrindo. E aí você percebe como ele está grande, maior que você; você percebe o andar firme e seguro; você fica olhando ele se afastar e não consegue entender o milagre de ter visto um bebê se transformar naquele homem alto, bonito e seguro de si. E o que eu faço agora com esse sorriso que não quer ser apagar do meu rosto?” 

Para minha surpresa, o texto — o registro rápido de uma emoção inesperada — teve grande repercussão. 

Alguns dias depois recebi uma carta — uma mensagem por e-mail. Vou reproduzir o texto aqui apenas com as alterações necessárias para proteger a identidade do remetente.  

Olá, Roberto.  

Hoje presenciei uma situação que me lembrou seu texto sobre o encontro com seu filho, por acaso, na rua. Seu texto foi tão precioso que provocou, de imediato, um sentimento bom demais, uma batida forte que só cabe no coração de quem é pai ou mãe.  

Por isso queria compartilhar com você o que testemunhei. Por sua grande sensibilidade pela fragilidade humana. 

Moro perto de um hospital em Jacarepaguá. Hoje de manhã, ao sair de casa, presenciei uma cena muito triste.  

Um filho aguardava no portão do hospital pela saída da mãe, uma enfermeira, que trabalha lá como plantonista. O que vi é difícil de descrever e mais ainda de esquecer. 

O garoto não devia ter mais do que 15 anos de idade. Estava completamente drogado. Em pé, cambaleando, ao lado do portão, aguardava a saída da mãe. Quando ela saiu, viu o filho naquele estado. Foi justamente naquele instante que eu passava por ali. Meus olhos se cruzaram com os olhos dela. 

Foto: Shutterstock

Na mesma hora, lembrei do seu texto, que eu tinha acabado de ler. Ao contrário da sua experiência, os olhos daquela mãe não brilhavam.  

Naquele olhar eu vi que não era a primeira vez que aquilo acontecia.  

O filho começou a gritar com ela na frente dos colegas de trabalho. Ele berrava dizendo que ela não fazia nada por ele e não lhe dava dinheiro.  

Ela se manteve calma e tentou acalmar o garoto. Depois colocou as mãos no ombro dele e o levou embora, descendo a rua.  

Eu não consegui olhar para trás.  

Comecei a chorar. 

Pensei na tristeza dessa mãe, na destruição da família, na falta de esperança. 

Pensei em como a sociedade permite que isso aconteça; pensei no Estado que passa a mão na cabeça de traficantes, que advoga a favor da liberação das drogas e do desencarceramento de bandidos, no Estado que ataca religiões. 

Foto: Shutterstock

O que vi ali era o resultado dessas políticas. 

O que vi ali era um enredo de sofrimento e perda.  

Voltei para casa rezando por aquela mãe e seu menino. 

Eu já estava sensibilizada por seu texto. Ele expressou a coisa preciosa que é o amor de um pai por seu filho. Quando me deparei com aquela cena, logo em seguida, alguma coisa desabou dentro de mim. 

Imagino que esse deva ser o cotidiano de muita gente em nossa cidade. Vivendo a rotina agitada de nossas vidas, não percebamos o flagelo das drogas tomando conta da sociedade, silenciosamente. 

Até que, um dia, ele nos espera na saída do trabalho. 

Leia também “O insustentável custo de nossa indiferença” 

18 comentários
  1. Rosa Maria Brandalise Scherer
    Rosa Maria Brandalise Scherer

    Emoção pura ao ler esta crônica. Tenho 3 filhas e sei da importãncia da presença dos pais na educação e formação dessa juventude. Nossa responsabilidade é enorme incansável mas vale a pena vê-los crescendo com responsabilidade, estudiosos e longe das drogas. Infelizmente alguns perdem a batalha. Tristeza, mas teu texto chega aos nossos corações e nos dá ânimo para seguirmos na luta diária para darmos bons exemplos aos filhos.
    Parabéns, continue nos presenteando com lindos textos

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Motta, bonito seu relato do encontro ao acaso com seu filho na rua. Tenho 35 anos, pai de uma menina de 2, querendo ter mais filhos de tão bom que é, e imaginei esta cena comigo no futuro.

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Infelizmente as drogas, lícitas ou ilícitas são o flagelo das famílias, sociedade e países.
    Vale a pena uma leitura sobre as 2 guerras do ópio, a primeira entre China x Inglaterra e a segunda entre China x Inglaterra e França.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Roberto Mota gosto muito da sua clareza jornalística excepcional

  5. Dilermando Batista
    Dilermando Batista

    Motta, boa tarde!
    É fantástico quando olhamos para os nossos filhos pensativos, Deus nos concedeu a responsabilidade de cuidar de Seus filhos, como pai. Tentamos fazer o nosso melhor, damos duro para que ele tenha um local que possa chamar de Lar, uma boa educação, princípios religiosos e principalmente exemplos vindos de nós, em como se comportar adequadamente, sendo consciencioso de seus deveres para com o próximo e a sociedade. No entanto, nem sempre conseguimos, muitos de nossos filhos crescem e adotam um caminho diferente daquele que propusemos a eles. Como pais, sofremos, nos afligimos, choramos e, muitas vezes, tentamos encontrar onde erramos, não somente como pessoas, mas principalmente, como sociedade. Se somos sócios, por que nos violentamos tanto? Não devíamos socorrer um ao outro, como em um elo, um sustentando o outro? É triste, mas não podemos desistir, precisamos encontrar soluções plausíveis, de acolhimento, de amor ao próximo. Precisamos ter e praticar a EMPATIA.
    Obg meu querido! Fique com Deus!

  6. Paulo Ferreira Dos Santos Junior
    Paulo Ferreira Dos Santos Junior

    Caro, Motta.
    Alguns dos seus textos são tão impactantes que deveriam ter acesso livre. Esse acaba de escancarar, sem nenhuma tinta ou tergiversação, o mal sobre a liberação das drogas. Esse mal terrível que acomete tantas e tantas famílias com a leniência do Estado e dessa ideologia espúria da esquerda que, invariavelmente, deixa os incautos a mercê dessas ideias tão malévolas.
    Pense a respeito.
    Grande abraço e mantenha a coragem.

  7. D.P.
    D.P.

    Os entorpecentes arrancam o espírito da pessoa. A história que a mãe relata evidencia a completa inversão de valores que a droga provoca na natureza do indivíduo. Alguns se salvam, outros se perdem para sempre, e assim, pode levar a família junto se não haver alguém forte para pará-lo.

    1. D.P.
      D.P.

      Em se tratando de política pública, o Estado deve ter essa obrigação, pois o dano a sociedade é gigantesco, visível, basta ver a cracolândia.

  8. Renato Borges Fagundes
    Renato Borges Fagundes

    Motta, este texto é emocionante e nos faz pensar na felicidade de ter filhos que nos orgulham e o risco de ter filhos que nos causam dor. Estes filhos, que fundo, não são nossos, nós os criamos para voar o mais alto que puderem. Hoje, me preocupo com meus netos crescendo em um país doente, sem lei, sem lógica e sem decência. O naufrágio moral a que estamos submetidos permeia todas as instituições e nos leva ao niilismo. É estarrecedor tomar conhecimento que o stj (com minúsculas, pois seus integrantes são minúsculos) liberou o traficante André do Rap e devolveu seus bens mal-havidos. Atos ilícitos praticados por aqueles que possuam a sagrada missão de serem justos nos deixam perdidos, à deriva neste mundo sem lei.

  9. Álvaro Moreno S. Tiago da Silva
    Álvaro Moreno S. Tiago da Silva

    Muito triste, mais ainda por eu ter a sensação de que perdemos a batalha. Todos, justos ou algozes, seremos engolidos pelo sistema perverso e demoníaco. A satisfação breve destes materialistas pervertidos pelo poder e dinheiro vão nos destruir sem a menor piedade.

  10. Jaqueline Cristina Sales Santos
    Jaqueline Cristina Sales Santos

    O Motta e sem dúvidas um talento com as palavras de forma simples, tanto na escrita e falada, parabéns Roberto 👏👏👏

  11. Valmor Machado
    Valmor Machado

    Muito bom. O MOTA sempre nos surpreendendo .

  12. Charles Estevam De Oliveira Hasler
    Charles Estevam De Oliveira Hasler

    2 comentários:
    1) ao Roberto: De novo, pela segunda vez, você me deixou com os olhos marejados;
    2) à Oeste: o botão de avaliação não funcionou, pelo menos o de avaliação positiva. O outro, eu não tentaria nunca.

  13. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Tchê. Hoje em dia estou praticamente morando no fundo do sertão. Sou híbrido. Eu e minha mulher vamos para a cidade grande apenas umas duas ou três vezes por mês para facher um rancho no super, outro na farmácia, dar uma passadinha na casa dos filhos e netos e receber a aposentadoria. Trabalhei no Judiciário. Dá arrepios aos movimentos e ações de novos juízes e ministros das cortes altas. Principalmente quando um defende abertamente a discriminalização das drogas, pois jovens puxam um fuminho para consumo próprio e em pequenas quantidades. Quando ele disse isto eu lembrei de cenas que presenciava. Nos fundos da minha casa eu tinha um pequeno escritório aonde trabalhava nos finais de semana e nos recessos (naquela época não tinha plantão). O meu imóvel tinha aos fundo outro que até hoje é um matagal. Via constantemente um filho de uma vizinha, com 16 ou 17 anos de idade e que fou crescendo… Ele era consumidor contumaz de marijuana. Toda vez que a polícia chegava dispensava os critérios investigativos e não prendia ele porque a erva apreendida era insiginifcante, apenas algumas gramas e sabiam que qualquer juiz soltaria o menino, depois jovem adolescente até chegar na idade adulta. E eu, via que ele tinha um esconderijo naquele matagal. Escondia o produto dentro de latinhas que poderiam acumular até um quilo daquela maconha. Ele visitava o matagal pelo menos umas dez vezes durante o dia e sempre estava chapado. Começou a cometer pequenos furtos na vizinhança. Os pais fizeram de tudo com ele, até internamento em casas de recuperação… A mãe morreu logo, provavelmente de desgosto, pois o filho começava a vender tudo que tinha em casa. O pai, camioneiro, também morreu de colapso cardíaco quando viu ele consumindo crack… Resumindo: ele sempre era pego com pequenas quantidades… O ministro do STF pensa que as pessoas que estudam o problema das drogas no Brasil são burras e fascistas. O jovem tinha grande quantidade de maconha escondida… mas quem vai investigar e flagrar o crime? Pois não é que hoje em dia ele dever ter uns 40 anos e está totalmente esquizofrênico. Começa a gritar, ouvir som super alto nas madrugadas e mora sozinho abandonado atrás de nossa casa. As entidades sociais e policiais já deixaram de lado a assistência ou prisão porque entendem que ele não tem mais cura. Uma das razões de estarmos no fundo do sertão é poque não tinhamos mais sossego durante noite com o barulho infernal e não conseguíamos dormir e com pena do rapaz sem condições de ajudarmos, já que temos outras entidades que ajudamos dentro das possibilidades. Também lembro de artistas globais defendendo a maconha e até dando entrevistas que não vêem problemas porque fumaram a vida toda… Ora, por que nunca disseram onde e de quem compravam a droga, para ajudar no combate as máfias e pccs? Uma das perguntas que deveria ser feita quando entrevistados ao vivo era esta: por que nunca informaram de quem compravam e em que ponto? Se eles acham que é normal e defendem a legalização não teria problemas dizer quem eram seus fornecedores (se eles mesmos não fazem parte de alguma milícia). Assim, caro Roberto, a vida passa diante de nossos olhos. E neste atual governo os bandidos incorporaram a narrativa que ele protege os comandos nacionais e internacionais. Eles acreditam mesmo. E vão aumentando suas ações (veja o caso do RN). Agora passaram para a fase da impunidade total e de ametrondar. Amigas nossas disseram que suas crianças votam da escola apavoradas com as notícias e não querem mais ir para “aula”. Estamos com as mãos amarradas?

  14. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Bela e contundente crônica

  15. Gilson Herz
    Gilson Herz

    Parabéns Motta pelo excelente texto. O flagelo das drogas é uma realidade que não quer parar. Infelizmente seres abjetos vomitam todo dia, temos que liberar as drogas.

  16. Ana Cláudia Chaves da Silva
    Ana Cláudia Chaves da Silva

    Muito triste essa situação. E infelizmente não são poucos os pais e que perdem seus filhos para as drogas. As vezes dá um desânimo horrível, parece que nadamos contra uma maré muito forte de egoísmo, indiferença e ideologia barata. Outro dia ouvi de uma amiga médica que as drogas deveriam ser liberadas, afinal só se vicia quem tem predisposição. Fiquei tão triste, tão decepcionada, tão horrorizada que até causei surpresa frente a minha reação imediata de revolta (afinal sou sempre calma e bastante calada).
    Mas não podemos desistir de lutar pelo que acreditamos. O bem tem que vencer.

  17. JHONATAN SURDINI
    JHONATAN SURDINI

    Nós, de uma maneira abrangente, esperamos muito do “ESTADO”, aquele que nos suga o máximo. Querem que o ESTADO vete isso, vete aquilo, combata isso, combata aquilo! Com o $$$ que ele nos suga poderíamos nos dedicar mais aos nossos filhos e deixar mais às claras o malefícios de quaisquer vícios, por aí se vai…. conhecimento é poder. Queremos sempre um “PAI” para os problemas sociais. Por isso, a esquerda tá aí! Ninguém comprando, ninguém vende! DROGAS não solucionam nenhum problema, criam outros! LIBERTÁRIO!

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