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Foto: Shutterstock
Edição 162

A desumanidade da pauta verde

O regime de “sustentabilidade” está empobrecendo o mundo

Joel Kotkin
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“O homem é a medida de todas as coisas”, escreveu o filósofo grego Protágoras mais de 2,5 mil anos atrás. Infelizmente, nossas elites de hoje em dia tendem a não concordar com ele.   

Nos últimos anos, o desgastado termo “sustentabilidade” promoveu uma narrativa em que as necessidades e as aspirações humanas ficam em segundo plano em relação à austeridade verde da Neutralidade de Carbono e do “decrescimento”. As classes dominantes de um Ocidente que está desvanecendo estão determinadas a salvar o planeta depauperando os demais cidadãos. Sua agenda deve custar ao mundo US$ 6 trilhões anuais pelos próximos 30 anos. Enquanto isso, eles coletam enormes subsídios verdes e vivem como potentados do Renascimento.  

Em Enemies of Progress, o autor Austin Williams sugere que “o mantra da sustentabilidade” começa com o pressuposto de que a humanidade é “o maior problema do planeta”, em vez de os “criadores de um futuro melhor”. De fato, muitos ambientalistas e cientistas do clima acreditam que ter menos pessoas no planeta é uma prioridade. O programa deles defende não apenas menos gente e menos famílias, mas também uma diminuição de consumo entre as massas. Eles esperam que as pessoas vivam em unidades habitacionais cada vez menores, tenham menos mobilidade e enfrentem calefação e ar-condicionado mais caros para seus lares. Essas prioridades se refletem em uma burocracia reguladora que, se não reivindica uma justificativa divina, age como se fosse a mão direita de Gaia e da ciência santificada.  

Livro The Enemies of Progress | Foto: Divulgação

A pergunta que precisamos fazer é: sustentabilidade para quem? A secretária do Tesouro norte-americano Janet Yellen sugeriu recentemente que seu departamento vê a mudança climática como “a maior oportunidade econômica do nosso tempo”. Sem dúvida há muito ouro nesse verde para os investidores de Wall Street, os oligarcas da tecnologia e os herdeiros que financiam as campanhas dos ativistas do clima. Eles também controlam a mídia cada vez mais. Atualmente, a família Rockefeller, herdeira da fortuna da Standard Oil Company, e outros ambientalistas muito ricos estão financiando repórteres do clima em órgãos como a Associated Press e a NPR — National Public Radio — nos Estados Unidos.  

A cruzada ocidental contra as emissões de carbono torna provável que empregos, “verdes” ou não, vão para a China, que já emite mais gases de efeito estufa que o restante do mundo desenvolvido

Sob o novo regime da sustentabilidade, os megarricos lucram, mas o restante de nós nem tanto. O exemplo mais flagrante talvez seja a implantação forçada de veículos elétricos (EV), que ajudou a tornar Elon Musk, CEO da Tesla, o segundo homem mais rico do mundo. Ainda que melhorias estejam sendo feitas em veículos de baixa emissão de carbono, os consumidores estão essencialmente sendo pressionados a adotar uma tecnologia que tem problemas técnicos evidentes, continua sendo muito mais cara que o motor de combustão interna e depende essencialmente de uma rede elétrica que corre risco de blecaute. Na verdade, os ativistas do meio ambiente não esperam que os carros elétricos substituam os carros da maioria. Não, as pessoas comuns serão obrigadas a usar transporte público, andar a pé ou usar bicicleta para se deslocar.   

Elon Musk | Foto: Shutterstock

A transição para veículos elétricos sem dúvida não é uma vitória para as classes baixas e médias do Ocidente. Mas é uma dádiva para a China, que goza de forte liderança na produção de baterias e dos elementos de terras-raras necessários para a fabricação desses veículos, que também são importantes em turbinas eólicas e painéis solares. O conglomerado BYD, da China, que é financiado por Warren Buffett, emergiu como o maior fabricante de veículos elétricos do mundo, com grandes ambições de exportação. Enquanto isso, as empresas norte-americanas desses carros lutam com questões de produção e cadeia de fornecimento, em parte por causa da resistência dos ativistas verdes em relação à mineração doméstica de elementos de terras-raras. Até mesmo a Tesla espera que boa parte de seu crescimento futuro venha de suas fábricas chinesas.   

Fabricar carros com componentes predominantemente chineses terá consequências para os trabalhadores do setor em todo o Ocidente. A Alemanha já foi um gigante da indústria automotiva, mas a estimativa é que ela perca cerca de 400 mil empregos nessa indústria até 2030. De acordo com a publicação McKinsey, a mão de obra manufatureira norte-americana pode ser reduzida em até 30%. Afinal, quando os principais componentes são feitos em outro lugar, muito menos força de trabalho é necessária entre trabalhadores norte-americanos e europeus. Não é uma surpresa que alguns políticos, preocupados com uma reação popular negativa, tenham proposto uma desaceleração do rolo compressor dos carros elétricos.  

Essa dinâmica pode ser encontrada em toda a pauta da sustentabilidade. Os custos energéticos cada vez maiores no Ocidente ajudaram a China a expandir sua fatia de mercado na exportação de manufaturados, praticamente alcançando a dos Estados Unidos, a da Alemanha e a do Japão combinadas. A produção norte-americana caiu recentemente ao seu nível mais baixo desde a pandemia. A cruzada ocidental contra as emissões de carbono torna provável que empregos, “verdes” ou não, vão para a China, que já emite mais gases de efeito estufa que o restante do mundo desenvolvido. Enquanto isso, as lideranças chinesas estão tentando se adaptar às mudanças no clima, em vez de prejudicar o crescimento econômico tentando alcançar metas implausíveis de Neutralidade de Carbono.    

Trabalhadores em fábrica de automóveis em Linhai, Província de Zhejiang, China | Foto: Shutterstock

Existem claras implicações de classe aqui. Os reguladores da Califórnia admitiram recentemente que as rigorosas leis climáticas do Estado ajudam os afluentes, mas prejudicam os pobres. Essas leis também têm um impacto desproporcional em cidadãos de minorias étnicas, criando o que a advogada Jennifer Hernandez chamou de “Jim Crow verde”. Enquanto o crescimento tecnológico e industrial cada vez mais sofisticado na China é alegremente financiado por investidores de risco norte-americanos e por Wall Street, o padrão de vida entre a classe média ocidental está em declínio. A Europa enfrenta uma década de estagnação, enquanto a expectativa de vida dos norte-americanos diminuiu pela primeira vez em tempos de paz. Eric Heymann, do Deutsche Bank, sugere que a única maneira de alcançar zero emissão até 2025 é contendo todo o crescimento futuro, o que pode ter efeitos catastróficos para o padrão de vida das classes baixas e médias.           

Em vez da mobilidade ascendente que a maioria esperava, boa parte da força de trabalho ocidental encara a perspectiva de viver de auxílio-desemprego ou trabalhar por salários baixos. Hoje em dia, quase metade de todos os trabalhadores norte-americanos recebe remunerações baixas, e o cenário futuro é pior. Quase dois terços dos empregos criados nos anos recentes são postos de baixa remuneração na indústria de serviços. O mesmo ocorre no Reino Unido. Nas últimas décadas, muitos empregos capazes de sustentar famílias inteiras desapareceram. De acordo com um relatório britânico, o trabalho autônomo ou temporário não é capaz de sustentar nada parecido com uma vida confortável. Os índices de pobreza e escassez de alimentos já estão subindo. Como resultado, a maior parte dos pais nos Estados Unidos e em outras partes do mundo duvida que seus filhos terão uma vida melhor do que a sua geração teve, enquanto a confiança nas nossas instituições chegou a níveis historicamente baixos.  

Fabulistas em espaços como o New York Times estão convencidos de que a mudança climática é a maior ameaça à prosperidade. Mas muitas pessoas comuns estão muito mais preocupadas com os efeitos imediatos das políticas climáticas do que com um planeta superaquecido no médio e longo prazo. Essa oposição à pauta de zero carbono foi declarada pela primeira vez pelo movimento dos gilet jaunes, em 2018, na França, cujos protestos semanais foram provocados pelos impostos “verdes”. Eles foram seguidos pelos protestos de fazendeiros da Holanda e de outras partes da Europa em anos recentes, que estão incomodados com as restrições aos fertilizantes, que vão diminuir a produção. A reação causou um aumento do populismo em diversos países, em especial na Itália, na Suécia e na França. Até mesmo na ultramoderna Berlim, um referendo sobre metas de emissão mais rigorosas não conseguiu obter votos suficientes.  

Manifestação dos Coletes Amarelos na França, em 17 de novembro de 2018 | Foto: Wikimedia Commons

Trata-se de uma guerra de classes ofuscada pela retórica ambiental. Ela coloca as elites das finanças, da tecnologia e das organizações sem fins lucrativos contra um grupo mais numeroso, mas menos conectado de cidadãos comuns. Muitos deles ganham a vida produzindo alimentos e necessidades básicas, ou movimentando esses produtos. Funcionários de fábricas, caminhoneiros e fazendeiros, todos submetidos a enormes investidas regulatórias ambientais, veem a sustentabilidade de forma muito diferente do que as elites corporativas urbanas e seus funcionários descolados. Como os gilets jaunes  afirmam abertamente: “As elites se preocupam com o fim do mundo. Nós nos preocupamos com o fim do mês”.  

Essa desconexão também existe nos Estados Unidos, de acordo com Ruy Teixeira, analista político de longa data. Tentativas de eliminar os combustíveis fósseis podem empolgar as pessoas em São Francisco, mas são vistas de forma muito diferente em Bakersfield, o centro da indústria do petróleo na Califórnia, e no Texas, onde até 1 milhão de empregos tradicionalmente bem remunerados podem ser perdidos. De modo geral, de acordo com um relatório da Câmara do Comércio dos Estados Unidos, uma proibição nacional no fracking, amplamente apoiada pelos ambientalistas, custaria 14 milhões de empregos — muito mais que os 8 milhões de empregos perdidos na Grande Recessão de 2007-09. 

Ruy Teixeira | Foto: Divulgação/Flickr

Então não é uma surpresa que os trabalhadores não estejam tão entusiasmados com a pauta ambiental. De acordo com uma nova pesquisa da Universidade de Monmouth, apenas 1% considera o clima sua principal preocupação. Uma pesquisa do Gallup mostra que apenas 2% dos participantes das classes trabalhadoras responderam que têm carro elétrico e meros 9% afirmam que estão “considerando seriamente” comprar um.  

Essas preocupações ocidentais não são nada em comparação com como a agenda ambiental pode impactar o mundo em desenvolvimento. Esses países são lar de aproximadamente 3,5 bilhões de pessoas sem acesso confiável à eletricidade. Elas estão muito mais vulneráveis às altas nos preços de energia e alimentos que os países ricos. Em lugares como a África Subsaariana, reprimendas dos ambientalistas às novas tecnologias, aos combustíveis fósseis e à energia nuclear prejudicam qualquer esperança de geração de riquezas e empregos, tão desesperadamente necessários. Não surpreende que cada vez mais esses países ignorem o Ocidente e se voltem para a China, que está ajudando o mundo em desenvolvimento a construir novas usinas de combustíveis fósseis, além de instalações nucleares e hidrelétricas. Tudo isso é um anátema para muitos ambientalistas ocidentais. Para piorar as coisas, a União Europeia já considera a taxação de carbono para importações, o que pode excluir o mundo em desenvolvimento do que continuam sendo mercados globais.  

Ainda mais crítico poderia ser o impacto do mantra da sustentabilidade na produção de alimentos, em especial para a África Subsaariana, que será a região com maior crescimento populacional do mundo nas próximas três décadas, de acordo com as projeções da ONU. Esses países precisam de um aumento na produção de alimentos, em nível doméstico ou vindos de países ricos, como os Estados Unidos, a Holanda, o Canadá, a Austrália e a França. E sabem perfeitamente o que aconteceu quando o Sri Lanka adotou a agenda da sustentabilidade, que levou ao colapso do setor agrícola do país e, por fim, à queda violenta do governo.  

Manifestantes em Colombo, Sri Lanka, protestando contra o governo e exigindo a renúncia do presidente, em 9 de julho de 2022 | Foto: Ruwan Walpola/Shutterstock

Precisamos repensar a pauta da sustentabilidade. A proteção ao meio ambiente não pode ser feita à custa de empregos e do crescimento. Também precisamos ajudar os países em desenvolvimento a conquistarem um futuro mais próspero. Isso significa financiar tecnologias viáveis — combustíveis, nuclear e hídrica — que possam oferecer fontes de energia confiáveis tão fundamentais para o desenvolvimento econômico. Não adianta sugerir um programa que vai manter os pobres empobrecidos.  

A menos que as preocupações das pessoas sobre a agenda ambiental sejam ouvidas, elas quase certamente vão tentar interferir nos melhores planos das nossas elites supostamente esclarecidas. No fim, como afirmou Protágoras, os seres humanos ainda são a principal “medida” do que acontece no mundo — gostem ou não os ilustrados.  


Joel Kotkin é colunista da Spiked, membro de destaque na Universidade Chapman no tema de futuros urbanos e diretor-executivo do Instituto de Reforma Urbana. Seu livro mais recente, The Coming of Neo-Feudalism, acabou de ser lançado
Ele está no Twitter:  @joelkotkin 

Leia também “Elon Musk versus BBC”

3 comentários
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Tem algo mais importante do que o homem, neste planeta? A agenda verde é proporcional à vida do homem, que com ele vivo temos esperança no futuro, inclusive na agenda verde

  2. Joviana Cavaliere Lorentz
    Joviana Cavaliere Lorentz

    Por essas novas regras hoje Cubatão continuaria a ter ar sólido mas de boa com a “venda de carbono”.
    Problemas locais jamais serão resolvidos por governança global.

  3. Gilson Herz
    Gilson Herz

    Agenda verde, verde de dólares para os afortunados que pensam que são os ungidos do Planeta. Essa raça tem que ser extirpada, de preferência do planeta.

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