Durante nossas vidas testemunhamos tanto acontecimentos gigantescos quanto eventos microscópicos e mundanos. Acompanhamos processos históricos — guerras, revoluções e inovações tecnológicas —, mas vivemos de microeventos: buscar o filho na escola, ver a luz do sol refletida no mar de inverno, cuidar de um parente doente.
O macro briga com o micro. É um desafio prestar atenção ao mundo e, ao mesmo tempo, abraçar o microcosmo onde está nossa existência. É preciso saber da geopolítica mundial enquanto regamos as flores do jardim.
É aqui que muitos se perdem, embriagados por trivialidades.
A supremacia do trivial sobre nossas vidas é garantida pela produção, na maioria da mídia, de uma sequência infinita de fatos irrelevantes e informações inúteis, que demandam atenção permanente. Uma fala de um político desconhecido, o rompimento de um casal de atores, o acidente em um local sem importância e a troca de farpas entre as celebridades da semana: essas são as notícias que dominam nossos dias.
As dimensões intelectual, moral e espiritual definem se uma vida será produtiva, fértil e emocionalmente satisfatória. Mas a vida intelectual e moral do cidadão médio — do consumidor — tem, cada vez mais, a profundidade de uma piscina de criança.
Estamos acorrentados ao trivial.
A combinação de tecnologia e mídia oferece distração a todo momento, quase sempre na forma de satisfação instantânea via consumo, de representações de violência estilizada, da infantilização do amor romântico ou de sua hipersexualização.
O tempo é dedicado a coisas banais em prejuízo do que é precioso.
Gastamos tempo enorme com banalidades, enquanto o essencial nos escapa. As coisas centrais à nossa humanidade foram substituídas por um voyerismo em escala industrial
Passamos horas sentados, assistindo a programas em que pessoas como nós passam horas sentadas, assistindo a programas. É um espelho bizarro; é a banalidade absoluta transformada em nova categoria de programação: os reality shows são apenas um exemplo. Reality show é um nome curioso para um produto cuja principal função é remover o espectador da realidade. Nunca o termo programação foi tão bem empregado.
Imaginem se alguém assistisse a nosso cotidiano.
A busca por diversão deve ser tão antiga quanto a humanidade. Ela está na origem da política de “pão e circo” da Roma antiga, que mantinha cheio o estômago do povo e o divertia com os espetáculos do Coliseu.
Hoje o Coliseu está em todos os lugares.
E ao alcance de um clique.
É uma tempestade perfeita de televisão, internet, celular, mídias sociais, canais de streaming e jogos on-line.
Quanta distração.
Nos afogamos em trivialidades.
Somos empurrados do desejo para o repúdio, da esperança para o medo, do medo para uma intimidade inexistente com completos desconhecidos, como barquinhos de papel em uma inundação.
Gastamos tempo enorme com banalidades, enquanto o essencial nos escapa. As coisas centrais à nossa humanidade foram substituídas por um voyerismo em escala industrial que nos faz consumidores de minúcias da vida de estranhos, enquanto ignoramos o básico sobre nós mesmos.
A maioria não consegue responder de forma sincera e completa a pergunta “quem é você?”.
A trivialidade do que absorvemos tritura nosso espírito, encolhe o intelecto e esteriliza as emoções. A trivialidade destrói a vida contemplativa.
Nunca foi tão fácil fugir do aqui e agora. Mas é no aqui e agora que a vida acontece.
Ninguém pode apreciar de verdade uma boa música se não souber apreciar o silêncio.
Leia também “A paz dos criminosos”
Gostei, Motta, mas todo. lado ruim tem um lado bom e vice versa. Graças à velocidade instantânea das informações, as pessoas ficaram mais esperta e alertas ao mundo que nos cerca. Ficou mais difícil ser enganado e hoje em dia há uma multiplicidade de informações circulando diariamente. Eu não tenho redes sociais, mas, por trás de todo um espectro fútil que há nas redes, há, também, muita troca de informações. A maior prova disso foi a eleição de Bolsonaro para a Presidência da República. O comitê do ex-presidente sabia como ninguém usar as redes e fazer campanha. Bolsonaro fez em 02 (dois) anos o que o PT e PSDB não fizeram ao longo dos anos que permaneceram no poder. Deu-se no Brasil o surgimento de uma nova Direita que não para de crescer. Graças a Deus.
Espertas.
Também me incomoda o tanto de futilidade que a sociedade consome.
Roberto Motta, este é um artigo para ser lido em família.
Hoje à mesa do almoço eu e minha esposa conversávamos.
Em dado momento ela lembrou que durante a pandemia fez alguns vídeos com bonequinhos e postou no Tiktok e não despertaram a atenção de quase ninguém.
A leitura do seu brilhante texto explica o porque.
Estará surgindo uma nova profissão, a do psicólogo especializado no tratamento do viciado em trivialidades encontradas na internet?
Após ler este artigo, compreendo Antonio Salieri silenciosamente escondido contemplando Mozart. Recomendo, Roberto Motta, pelo menos por hoje dormir com um galho de arruda atrás da orelha. Parabéns e obrigados.
Obrigado pelo artigo!
Motta é um malvado literário
Excelente texto. As vezes fico observando ao meu redor, seja no metrô, no restaurante, no ponto de ônibus, como as pessoas ficam o tempo todo conectadas aos celulares, ignorando o parceiro ao lado, completamente absorvidas com bobagens, vídeos barulhentos e idiotas, uma futilidade sem fim. Até atravessar a rua sem tirar os olhos do celular eu já presenciei. E fico me perguntando: o que está acontecendo? Onde vamos parar? Estes dispositivos devem ter algo de viciante.
Top demais!
Disse o sábio Jung: Quem olha para fora sonha mas quem olha para dentro desperta. Quem hoje em dia despertou de verdade?
Infelizmente as trivialidades tem dominado o lugar da essência do ser humano. Tornando-os poços cheios de vazios, sem nada que possa preenchê-los.
Espetacular, Roberto Motta, olhar cirúrgico sobre o tempo atual
“Produto Interno Bruto”.
Hum!! Concordo com a reflexão e a rapidez com que essa nova realidade se estabelece. Arrisco um vaticínio: o conceito de humanidade, em todos os seus fundamentos (“as coisas centrais”), sofrerá mudanças irreversíveis. Se é para o bem ou para o mal não sabemos mas, seremos muito diferentes.
Adoro os textos do Motta 👏👏👏