Magro e miúdo, cabeça mal coberta pelos cabelos curtos de recruta, barba de dois dias, pernas mirradas, braços estendidos para baixo como asas sem serventia, o passageiro que entrou tremendo na primeira classe parecia um passarinho implorando por agasalho. Mas era gente, avisaram o blazer preto bem cortado, a camisa social azul-claro, a calça bege e os sapatos pretos de cromo alemão. Mas não gente como a gente, dei-me conta ao reconhecer aquilo que acabara de subir a escada do avião estacionado na pista do aeroporto em Paris, na noite de 4 de setembro de 2005. Era o ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Minutos antes, ao folhear o jornal, eu soubera que Celso Amorim estava em Bruxelas fazendo não me lembro mais exatamente o quê. O chanceler do governo Lula quase perdera a conexão na capital francesa, deduzi pelo atraso da decolagem, pelo andar apressado do ilustre retardatário e pela expressão de alívio do assessor que o escoltava. Amorim foi direto para o banheiro carregando uma maleta. Saiu cinco minutos mais tarde enfiado num pijama cinza-chumbo, calçando chinelas pretas de avó de antigamente, com um tapa-olhos pendurado no pescoço, protetores de orelha na mão direita e, na esquerda, uma coberta amarela.
Com o sorriso que uniformiza todas as aeromoças do mundo, uma jovem de cabelos ruivos aproximou-se do passageiro acomodado uma fileira adiante da minha. Traindo no sotaque a nacionalidade gaúcha, murmurou as perguntas de praxe: “Alguma revista, algum jornal do dia?”. “Não”, informou Amorim balançando horizontalmente a cabeça. “Já examinou o cardápio do jantar?” “Sim”, informou o balanço perpendicular da cabeça. “Vinho ou champanhe?” “Quero um copo de leite”, piou meu companheiro de viagem. “E mais um cobertor.” “Nenhum país merece isso”, pensei na poltrona logo atrás. Nem mesmo um Brasil governado por Lula.
A figura não rimava com a obra. O que via nada tinha a ver com alguém que participara laboriosamente dos trabalhos de parto da política externa da canalhice. Parecia apenas um passarinho com frio, uma espécie de pintassilgo em busca do calor do Planalto Central. Durante o voo de 10 horas, resisti bravamente à tentação que assaltava o grande Nelson Rodrigues sempre que topava, numa rua do Rio, com o igualmente franzino cronista Carlinhos Oliveira. Por muito pouco não perguntei a Celso Amorim se queria um pouco de alpiste.
Não voltaria a ver a poucos centímetros de distância o diplomata que já se transformara numa das peças mais valiosas do meu acervo de infalíveis referências pelo avesso. Amorim é o meu norte invertido em questões internacionais. Espero que escolha um lado, uma causa, um caminho. Escolho o outro e nunca erro. Tem sido assim desde o início de 2003, quando virou ministro das Relações Exteriores. Nos oito anos seguintes, graças às escolhas desastradas do chanceler de Lula, meu índice de acertos chegou a 100%. Mantive a marca entre a posse de Dilma Rousseff, em janeiro de 2011, e o impeachment da presidente que instalou Amorim no Ministério da Defesa. Fiquei sem essa referência pelo avesso com a interrupção da Era PT. Lula resolveu o problema com a criação de uma assessoria especial para complicações internacionais. O chefe só poderia ser o nosso pintassilgo-do-Planalto.
O Amorim modelo 2023 escreveu o prefácio de um livro que louva a política externa do grupo palestino Hamas. Haja imaginação para enxergar ações diplomáticas entre a explosão de um míssil e a implosão de um homem-bomba
Com Amorim no posto, vou repetir meu desempenho nos dois primeiros mandatos de Lula. Rompi relações com Fernando Lugo, por exemplo, um minuto depois de saber que Amorim andava eufórico com a promoção do priápico fantasiado de bispo a presidente do Paraguai. Muito antes, portanto, da descoberta do método aperfeiçoado pelo Reprodutor-de-Batina para multiplicar o rebanho entregue aos seus cuidados: engravidar fiéis incautas, de preferência as mal saídas da adolescência. Outro exemplo: meia dúzia de elogios de Amorim a Evo Morales bastou-me para adivinhar que o Lhama-de-Franja provaria que até na Bolívia é possível piorar o que aparentemente chegou ao limite do péssimo. Bingo.
Também fiz bonito enquanto o ex-chanceler foi ministro da Defesa de Dilma Rousseff. A conselho do campeão de palpites infelizes, o poste fabricado por Lula aprofundou o fosso que separa o Brasil de Israel para flertar com o Irã dos aiatolás atômicos, com os grupos terroristas que sonham com o afogamento de todos os judeus no Mar Morto, até mesmo com os assassinos aglomerados no Estado Islâmico. “É preciso dialogar com eles”, propôs a presidente. Quem diz uma frase dessas pode negociar sem medo com os extremistas do deserto. Só pode haver degola se há alguma cabeça funcionando acima do pescoço.
Aos 81 anos, o chefe da assessoria especial já provou que não há perigo de melhorar. Confrontado com a notícia de que um exército de mercenários contratados por Vladimir Putin resolvera mudar de lado e mandar chumbo no Kremlin, Amorim anunciou que não interessa ao mundo o enfraquecimento militar da Rússia. Quem tinha dúvidas sobre o certo e o errado na guerra que já dura 15 meses pode dormir em sossego: a Ucrânia tem razão. Sempre na contramão da sensatez, o conselheiro para complicações cucarachas sugeriu ao presidente que não economize declarações de amor a abjeções como Venezuela, Cuba e Nicarágua, nem deixe de desperdiçar o dinheiro que o Brasil não tem com caloteiros crônicos como a Argentina. O especialista em trapalhadas planetárias segue exortando Lula a afastar-se dos Estados Unidos, bajular a China e mandar às favas a União Europeia.
Até apertar pela primeira vez a mão de Lula, e descobrir que encontrara o que passou a chamar de “Nosso Guia e Mentor”, o diplomata sem brilho serviu com a mesma animação ao regime militar e a seus adversários civis. Antes de virar lulista desde criancinha, ele foi diretor-geral da Embrafilme no governo do general-presidente João Figueiredo, filiou-se ao PMDB a convite de Ulysses Guimarães e assumiu o Ministério das Relações Exteriores no governo Itamar Franco. É difícil acreditar que aquele esforçado funcionário do Itamaraty e o beligerante octogenário destes tempos estranhos sejam a mesma pessoa.
O Amorim modelo 2023 escreveu o prefácio de um livro que louva a política externa do grupo palestino Hamas. Haja imaginação para enxergar ações diplomáticas entre a explosão de um míssil e a implosão de um homem-bomba. Como Amorim coleciona proezas do gênero, é natural que o Brasil tenha superado a Venezuela na modalidade não olímpica “assombros paranormais”. Lá, Hugo Chávez já se transformou duas vezes em passarinho para aconselhar Nicolás Maduro a fazer o certo. Aqui, há mais de 20 anos um passarinho-do-Planalto finge que é gente para impedir que seu dono perca alguma chance de errar.
Leia também “Um homem sem preço”
Augusto Nunes leu muito Machado de Assis quando era criança. Foi estudar no Rio e encontrou Nelson Rodrigues.
Aff.
Agora, seus artigos extravasam fina ironia com a realidade nua e crua.
Temos muita sorte em vivermos com ele e sua maravilhosa pena.
Texto extraordinário !!!!!
Rindo muito, pena que é trágico. Fico imaginando como é que estes personagens conseguem galgar planos que muitos intelectuais, pessoas de alto QI jamais sonharam. Acho que são tartarugas se equilibrando no topo de um poste, alguém com um plano sombrio os colocou lá. Parabéns Augusto, feliz aquele que tem acesso aos seus textos.
Augusto Nunes. Excelente texto.
Adoro o estilo jornalístico dos textos de Augusto Nunes. Tiro curto, perspicaz e satírico, fez uma caricatura incrível dessa figura que deveria estar em casa, vendo TV, de pijama e pantufas, em vez de andar pelo mundo fazendo e dizendo besteiras, em nome de seu tambem ridículo chefe supremo.
kkkk. Muito bom.
Foram, tão somente, quadrilha de ladrões. Depois, assassinos baratos. Agora, narco terroristas.
Augusto Nunes, sempre sensacional!
Muito bom texto.
Destaque para “Lhama de Franjas”.
Será que ele conhece o Morales… o sujeito que quer rasgar a Bolívia ao meio?
Se depender deste entrega o Brasil inteiro para os… Nicaraguenses e grupelho.
Correção para: se depender, entrega para Ortega e grupelho da Ditadura sanguinária, desumana.
Fico querendo imaginar o pintassilgo lendo isso. Kkkk. Deve ter adorado tantas verdades.
Adorei! Parabéns, Augusto.
Como sempre, um mestre.
excelente artigo!! parabéns Augusto Nunes
O anão de jardim não falha, sempre escolhe o caminho errado. Mas,quem sabe, octogenário tornou-se um sentimental e, agora, anda
chilreando nas lives do Lula?
Que esses ladrões bandidos “comunistas” não esqueçam do romeno Ceaucesco
Excelente. É um grande prazer poder ler um texto como este. Parabéns Augusto Nunes .
Impressionante a coleção de mediocridades e nulidades que há na esquerda! Já foi chamado de megalonanico com razão!
Enquanto lia seu artigo fazia piu piu. Você acaba com o pintassilgo numa bela estilingada.
Excelente texto.
COMO SEMPRE BELA ANALISE DESTA PESSOA.
Sensacional, Augusto.
Celso Amorim, Lula, Esquerda, Comunismo e Solialismo são farinhas de um mesmo saco. Não tem nada que se salve. Esse poder comunista que se encrustou no país vai ser muito difícil de tirar. Infelizmente, não temos oposição.
Obrigada, Augusto, por me mostrar que ainda existe vida inteligente no nosso Brasil! Brilhante!
Ah mestre Augusto Nunes, ler os seus artigos é uma delícia, muitas vezes fecho os olhos e é como se estivesse ouvindo vc falar, parabéns! Adoro o seu trabalho.
Interessante, acontece também comigo: leio os textos escritos por esse Jornalista com Jota maiúsculo, ouvindo a voz de seus comentários sempre irretocáveis. Parabéns à OESTE por manter em seus quadros um profissional dessa magnitude.
Mais um brilhante artigo do Mestre Augusto.
Excelente o texto sobre esee horrivel personagem. Me pergunto se não têm vergonha, mas me lembro que essa gente reescreve a história.
Que deleite a leitura deste texto do Mestre Augusto Nunes. Excelente.
Perfeito Augusto!
Augusto, suas ironias são sensacionais.
De onde menos se espera é que não sai nada mesmo.
Como ler/ouvir Augusto Nunes e não ficar fascinado? Assinei hj Oeste para poder desfrutar desse time de craques. Obrigado!
Esse amorim tá mais pra enguia ensaboada ou camaleão cegueta ou, quem sabe, uma bactéria oportunista? Ele ao dar o norte ao descondenado, indica o sul para o Augusto. Muito bom! É o embaixador menos 1.
Ao ler os excelentes veículos Revista Oeste e Gazeta do Povo, renovo minhas esperanças pois, aos 62 anos, não me sinto mais sozinho nos meus mais de 40 anos de interesse em política pois hoje todos os brasileiros decentes, a maioria, se interessam por ela. Todos ao combate. Teremos a vitória!
Anão diplomático
Que maravilha de texto!
Mestre Augusto, o governo Lula é um verdadeiro desastre. Socialismo não deu certo em país nenhum.
Muito bom. Sarcasmo hilariante q reflete a realidade. O Brasil sifu kkkk
Quem fala com passarinho e ouve vozes do além por conveniência, vá se tratar.Augusto,Lula e Amorim foram feitos um para o outro,como você bem diz.