A oposição venezuelana tem 14 pré-candidatos que concorrerão às primárias, em outubro deste ano, para enfrentar o ditador Nicolás Maduro, em 2024. De todos, contudo, apenas uma lidera a totalidade das pesquisas de opinião e é quem mais mobiliza pessoas por todo o país: María Corina Machado. Deputada federal entre 2011 e 2014, a caraquenha de 55 anos combateu o regime chavista com ferocidade na Assembleia Legislativa e não poupou críticas a seus amigos da oposição.
Mesmo não ocupando mais cargos públicos em virtude de uma condenação pela ditadura em 2015, ela continuou engajada na política, fundando, inclusive, o partido Vem Venezuela. Sua determinação rendeu-lhe a alcunha de “Dama de Ferro da América Latina”. A personalidade austera se construiu sobre alicerces baseados na fé católica de sua família. Os valores que aprendeu também foram essenciais para a formação em engenharia industrial, na vida acadêmica e parlamentar.
Há uma semana, a Controladoria-Geral da Venezuela, um órgão controlado pela ditadura chavista, determinou a inelegibilidade de María Corina por 15 anos – no mesmo dia em que o Tribunal Superior Eleitoral, aqui no Brasil, tirou o ex-presidente Jair Bolsonaro da disputa, por oito anos. Os supostos crimes de María: apoiar o ex-presidente Juan Guaidó e as sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela. Segundo a líder da oposição, a decisão não tem força e, por isso, ela permanece na corrida pela Presidência. “Não deixei de ser elegível”, afirma Corina. “Disputarei as primárias, serei a candidata da oposição e, com o apoio popular, venceremos Maduro”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
A Controladoria-Geral da Venezuela tornou a senhora inelegível no mesmo dia em que a Justiça Eleitoral fez isso com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Quais são os próximos passos? Há semelhanças entre os dois casos?
A decisão dessa controladoria é nula e não tem validade, porque vem de uma ditadura. Não deixei de ser elegível. Disputarei as primárias, serei a candidata da oposição e, com o apoio popular, venceremos Maduro. O ato que cometeram contra mim é 100% inconstitucional e arbitrário. Trata-se do maior erro que Maduro cometeu. Ele me deu força para vencer as primárias. Se havia algum venezuelano reticente quanto a participar do processo, agora ele tem certeza e quer respeito ao resultado. O povo se conscientizou. Quanto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, não sei dizer muita coisa, tampouco se é uma coincidência ou não, porque desconheço os autores por trás disso tudo.
Em virtude de toda essa situação, como está o clima nas ruas do país?
Efervescente. A cada dia que passa, vejo crescer uma reação popular poderosa. À medida que as eleições se aproximam, o povo vê com esperança a chance real de a Venezuela se tornar um país livre. Uma inquietude persistente tomou conta da nossa gente. Ela despertou não só em virtude da terrível situação econômica, mas também pela falta que sentimos dos parentes que fugiram do regime chavista. Nossa tradição construiu famílias unidas por laços indissolúveis que, infelizmente, se romperam por causa dos crimes da ditadura. Temos de viver diariamente com a tristeza e a saudade causadas pela separação de pais, filhos e amigos.
A senhora teme ser presa pela ditadura?
Qualquer um na Venezuela pode ser preso. Sindicalistas, jornalistas e até mesmo militares já foram parar atrás das grades. Basta criticar o governo de Nicolás Maduro. Aqui, o regime faz acusações de todos os tipos contra seus adversários políticos, até de “magnicídio”, um crime contra “pessoas ilustres”. No que diz respeito a mim, sei que a ditadura é capaz de qualquer coisa. Independentemente disso, irei até o final no meu propósito.
“Com base na experiência que vivenciamos na Venezuela, recomendo aos brasileiros que cuidem da autonomia de seu sistema judicial e não deixem de lutar pelas liberdades de imprensa e de expressão”
Como assegurar que as eleições ocorram livremente?
Vou me comunicar com todos os presidentes da América Latina, de Lula a AMLO. Pedirei a eles que, se quiserem eleições limpas, então que garantam aos venezuelanos que moram fora daqui a possibilidade de votar. Creio que, com muito trabalho, será possível unificar o país. Quero garantir um projeto político que inclua todos.
O que a senhora pensa a respeito do Foro de São Paulo?
Ficou claro que é um grande fracasso. Inclusive há graves problemas internos cada vez mais evidentes. O presidente do Chile, Gabriel Boric, tem se distanciado de Maduro porque, evidentemente, o ditador se tornou um elemento tóxico até mesmo para integrantes do Foro. A América Latina quer mudar de direção. Lula, Alberto Fernández (Argentina), Gustavo Petro (Colômbia) e Andrés Manuel López Obrador (México) precisam entender isso. Essas lideranças têm de saber que, cedo ou tarde, a verdade escondida por baixo de um manto de mentiras tecido por pessoas do calibre baixo de Maduro virá à tona. Nenhum governante sério deve sujar seu legado com isso.
Como é sua relação com os militares?
Muito respeitosa. Isso, contudo, não me impede de criticar as violações aos direitos humanos que são praticadas por eles. As Forças Armadas foram destruídas por Chávez e Maduro, profissionalmente e moralmente. A sociedade os vê com grande desconfiança, principalmente por denúncias de envolvimento com o narcotráfico e da devoção a um projeto político, em vez de fidelidade à Constituição. Felizmente, essa estrutura está colapsando. Há muitos militares insatisfeitos com as condições em que vivem suas famílias e amigos. De que adianta ganhar um pouco melhor que os demais se não se pode ajudá-los? Como sou obrigada a me locomover de carro por toda a Venezuela, visto que o regime me proibiu de viajar de avião, acabo conhecendo-os melhor, quando sou parada por eles ou pela polícia política de Maduro. A ditadura pede às forças de segurança que me prendam, porém elas se recusam a isso.
Qual é a situação dos presos políticos na Venezuela?
Impiedosa. Há alguns que estão detidos em espaços minúsculos. Além da privação da liberdade, estão proibidos de ver familiares e amigos. A ditadura os pressiona para se declararem culpados e, assim, reduzirem suas penas. É uma situação cruel. Vou além e digo que há mais presos políticos que os 286 registrados. Eles estão nos setores controlados pelo regime. São escravos de Maduro dependentes de uma cesta básica e alguns dólares a mais. As próximas eleições são a luta de uma sociedade sedenta por justiça e liberdade contra um regime totalitário e tirânico.
Qual avaliação a senhora faz da política interna e externa do Brasil?
Com base na experiência que vivenciamos na Venezuela, recomendo aos brasileiros que cuidem da autonomia de seu sistema judicial e não deixem de lutar pelas liberdades de imprensa e de expressão. A dilapidação desses fundamentos essenciais foi o início da destruição institucional da Venezuela. Sobre a política externa, me preocupa ver o Brasil, com tamanha influência no exterior e uma trajetória respeitável, não condenar crimes cometidos por regimes ditatoriais porque tem afinidade ideológica.
Lula afirmou que há democracia na Venezuela. O que a senhora tem a dizer a ele?
Na Venezuela não há uma gota de democracia, porque todas as liberdades foram sufocadas pelo chavismo. Lula sabe exatamente o que se passa em meu país. É impossível fechar os olhos para o mar de venezuelanos aterrorizados por Maduro que inunda o Brasil todos os dias. Se Lula quer ser um fator-chave para solucionar o conflito e deixar isso em seu legado, então tem de se afastar de Maduro, porque ajudá-lo compromete totalmente esse objetivo, além de arranhar sua imagem perante os venezuelanos que querem uma mudança profunda na sociedade. Afirmo: 80% da população anseia por algo diferente do que está aí.
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Força ao povo venezuelano.
Ela já marcou o dia em que vai aterrissar no planeta Terra? Porque parece que ela não está vivendo aqui. Com essa estratégia a derrota é tão certa quanto o nascer do sol amanhã.
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