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Henry Charles, duque de Sussex | Foto: Montagem Revista Oeste
Edição 173

Príncipe Harry, o suposto terapeuta do mundo

Ele vai precisar criar algo um pouco mais envolvente do que suas constantes reclamações sobre o comportamento insensível de sua família

Frank Furedi
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Se existe alguém que personifica a versão mais grotesca e caricata da cultura da terapia, é o príncipe Harry. Já faz algum tempo que ele tenta impulsionar seu papel de príncipe celebridade para se tornar uma autoridade em seus diversos projetos relacionados à terapia. Por um tempo, pareceu que o Spotify daria a ele uma plataforma para desempenhar seu papel de psicólogo do mundo. 

Foi quando Harry informou ao Spotify seu plano de entrevistar Vladimir Putin, Donald Trump e Mark Zuckerberg sobre sua criação e seus traumas de infância que os executivos da empresa decidiram finalizar seu contrato. Depois de meses de discussões, o Spotify deve finalmente ter se dado conta de que Harry estava perdendo o embalo e não tinha nada a dizer. Esse revés no plano do príncipe celebridade coincidiu com o encerramento do podcast Archetypes, de sua mulher, Meghan.

Naturalmente, a empreitada de Harry na indústria da terapia vem de sua tentativa de estabelecer sua marca pessoal como um príncipe vitimizado por seus familiares malvados. Na ausência de quaisquer realizações e ideias originais, Harry chegou à conclusão de que falar sobre traumas e questões pessoais cairia bem em uma paisagem midiática dominada pela terapia. O problema é que todo mundo está falando disso. O confessional se tornou uma instituição onipresente na mídia, e todo mundo está discorrendo sobre uma infância terrível, traumas e dores psicológicas. Nesse mercado saturado, Harry vai precisar criar algo um pouco mais envolvente do que suas constantes reclamações sobre o comportamento insensível de sua família. 

Família Real na varanda do Palácio de Buckingham | Foto: Lorna Roberts/Shutterstock
Então como Harry acabou perdendo o emprego? 

Durante um tempo, pareceu que a tentativa de se projetar como o príncipe prejudicado por mazelas psicológicas seria um bom negócio. Ele conseguiu apelar para a solidariedade que milhões de pessoas sentiam pelo filho da princesa Diana, depois da morte trágica dela. 

As performances midiáticas de Harry foram amplamente divulgadas e vistas. Sua entrevista de uma hora e meia para o podcast Armchair Expert, de Dax Shepard e Monica Padman, foi exatamente isto: uma ilustração fascinante da cultura de terapia anglo-americana. 

Os apresentadores do podcast Armchair Expert, Dax Shepard e Monica Padman, com o príncipe Harry | Foto: Divulgação

De um jeito acanhado, o Armchair Expert promove a celebração da “confusão de ser humano”. Celebridades que estão dispostas a remoer suas questões psicológicas e ostentar suas cicatrizes emocionais têm um papel importante do reforço da visão supostamente sofisticada de que os seres humanos são definidos por suas vulnerabilidades e, por isso, precisam de apoio terapêutico. Em seu programa, Harry adotou de forma entusiástica a vocação de promover a causa da vítima afetada psicologicamente, que goza de privilégio aristocrático, e de se dedicar com paixão à causa da saúde mental. Na entrevista para o podcast, o príncipe se empenhou muito em destacar a dor e o sofrimento que sofreu ao longo dos anos. 

Harry também fez uma performance impressionante em 2021, em sua aparição televisionada para uma sessão no divã de seu psiquiatra. E vale assistir à consulta de Terapia de Dessensibilização e Reprocessamento por Meio dos Movimentos Oculares (EMDR, na sigla em inglês), feita para sua série na Apple TV+ com Oprah. Ele claramente quer transformar a terapia em uma forma de entretenimento. 

Já existe uma Oprah, e Harry carece dos recursos emocionais e intelectuais para fazer o papel de uma versão masculina da apresentadora

Em 2004, quando publiquei o estudo Therapy Culture, fiquei impressionado com a poderosa tendência a uma expansão indevida da terapia do ambiente clínico para todas as dimensões da vida pública. Nesse livro, comento que a cultura da terapia conseguiu borrar a distinção entre a vida interior e a vida exterior das pessoas. Os norte-americanos chamam a performance pública desse tipo de confissão de “compartilhar”. Harry entendeu que as normas culturais ditam que, para aqueles que aspiram ao status de celebridade, compartilhar não é uma escolha, é obrigatório. Nessa perspectiva, a terapia não faz sentido a menos que esteja acompanhada de uma demonstração pública de emoção e da revelação de segredos desconhecidos até então. 

Foto: Shutterstock

De acordo com o roteiro disseminado pela cultura da terapia, sua família provavelmente é tóxica e causadora de todas as suas decepções e de todos os seus fracassos. Em sua performance da vítima famosa, Harry apresentou um retrato sombrio e desfavorável da própria família, cuja “negligência completa” em relação a Meghan a fez contemplar o suicídio, ele afirma. Temendo se tornar um jovem pai viúvo, ele apresentou sua fuga para um estilo de vida californiano totalmente terapeutizado como uma jornada pela sobrevivência. 

Até aí, tudo bem. No entanto, existe uma quantidade limitada de histórias que podem ser contadas sobre as suas dores internas e sua família tóxica. Foi quando Harry decidiu expandir e tentar se tornar um terapeuta muito público de líderes famosos, uma vez que as limitações de sua marca haviam se tornado evidentes. Já existe uma Oprah, e Harry carece dos recursos emocionais e intelectuais para fazer o papel de uma versão masculina da apresentadora. 

Mas a cultura da terapia está sempre em busca de defensores de alta visibilidade. E alardear questões privadas em público ainda gera uma renda razoável. Harry pode não se dar conta de sua ambição de se tornar o terapeuta do mundo, mas ele sempre pode se beneficiar da reputação de príncipe celebridade. 

Príncipe Harry, duque de Sussex | Foto: Sutterstock

Frank Furedi é diretor-executivo do think tank MCC Brussels

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3 comentários
  1. Marco Aurélio Oliveira De Farias
    Marco Aurélio Oliveira De Farias

    Quando ele acordar será tarde. Imaturidade…

  2. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Esse é um príncipe às avessas. Exatamente o contrário de tudo o que aprendemos sobre príncipe quando criança. Parece que está tentando encontrar o seu lugar no mundo, mas pelo jeito não vai encontrar. É um cidadão comum do mundo, como outro qualquer. Nada de especial.

  3. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Meu caro Harry, colocar sua vida privada em público nunca foi um caminho de sucesso para ninguém. Culpar sua família real pelo fracasso ,menos ainda.Se vc seguiu esse caminho ,não aprendeu nada da vida e muito menos dessa “terapia cultural abrangente”,aliás isso não existe no mundo atual. Se quiser ser um profissional da área, se forme,estude muito, mas muito mesmo e trabalhe também com pessoas de todas as classes sociais.Quem sabe depois de toda essa jornada tenha algo de útil a dizer em público. Se vc com a idade que têm põe a culpa de seu sofrimento pessoal nos outros,vá se tratar com um bom profissional e pare de reclamar.Teve todas as chances do mundo e falhou,”sorry”.

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