Então é isso. Nigel Farage foi expulso do prestigioso banco privado Coutts por causa de seus posicionamentos políticos. Porque ele é muito a favor do Brexit, gosta de Donald Trump e faz críticas ao movimento Black Lives Matter. Porque, nas palavras de um impressionante dossiê interno compilado pelo Coutts, suas opiniões “não estão alinhadas” com os valores do banco. Nas últimas duas semanas, os grupos mais falantes riram do fato de Farage ter afirmado que o banco o estava perseguindo por causa de suas convicções políticas. Como essas pessoas parecem idiotas agora ou, pior ainda, complacentes diante da tirania corporativa.
No mês passado, Farage anunciou publicamente o fechamento de sua conta no Coutts. “Fui convidado a me retirar por questões políticas”, disse. Ele também afirmou que nove outros bancos se recusaram a recebê-lo de lá para cá. Então ele publicou um dossiê que foi distribuído em uma reunião do “comitê de risco de reputação” do Coutts, em 17 de novembro de 2022. É uma leitura bem assustadora. Existem fortes argumentos para a “expulsão” de Farage do banco, dizem eles, porque suas opiniões declaradas publicamente estão “em desacordo com nossos posicionamentos como uma organização inclusiva”. Certa vez, a Stasi elaborou dossiês sobre ativistas e artistas dissidentes, cujas opiniões eram contrárias ao regime da República Democrática Alemã. Agora, o Coutts parece estar fazendo algo semelhante em relação a clientes que se atrevem a se opor ao regime politicamente correto.
O dossiê basicamente declara Farage culpado de posicionamentos dissidentes. Ele destaca suas opiniões rebeldes, não apenas sobre o Brexit e Trump, mas também sobre a meta de neutralidade de carbono e até mesmo sobre o rei Charles — ele teve a ousadia de criticar Sua Majestade. Assim como os dissidentes na Alemanha Oriental, suas amizades também são usadas contra ele. Suas conexões com Trump e o campeão de tênis Novak Djokovic o tornaram suspeito, aparentemente. O dossiê cita a descrição feita pelo Independent sobre a visita de Farage à sala de troféus de Djokovic em Belgrado, durante a qual ele criticou a expulsão do tenista da Austrália por não ter se vacinado contra a covid-19, chamando o incidente de “comportamento covarde e caótico de um oportunista”.
Boa parte do texto parece ter sido escrita por uma pessoa de 25 anos que acabou de se formar em Estudos Queer e tinge o cabelo de roxo, e não por funcionários de um banco de 330 anos voltado para gente rica. Talvez não exista muita diferença entre esses dois grupos nos dias de hoje. O dossiê o condena por zombar do movimento Black Lives Matter, lembrando ao comitê que Farage comparou o BLM ao Talibã após a derrubada da estátua de Edward Colston em Bristol, em 2020. E demonstra preocupação com tuítes em que ele defendia “sair da ECHR [sigla em inglês de Convenção Europeia de Direitos Humanos]”. Farage é descrito como “charlatão”. Esses são os insultos juvenis do playground do Twitter — como foram parar em um dossiê elaborado para o comitê de risco de um banco?
Uma das características mais reveladoras do dossiê é a crítica às conexões entre Farage e Trump. Ele chegou a defender o comentário de Trump sobre “agarrá-las pela xoxota”, afirma o texto, apontando que Trump “não está concorrendo para virar papa” (que belo comentário, Nigel). Mas é preciso ter cuidado, diz o dossiê, porque muitas pessoas apoiam Trump, inclusive setores do “grande público”. Sim, incluindo os 74 milhões de cidadãos norte-americanos que votaram nele em 2020. E pode parecer que estamos “tomando partido político” se abandonarmos Farage por causa de suas conexões com Trump, alerta o texto. Em seguida surge o comentário mais hipócrita de todo o dossiê, uma frase que atualiza o conceito de “conversa fiada”. Livrar-se de Farage “não é uma decisão política, e sim uma decisão com foco na inclusividade e no propósito”.
Vamos deixar de lado o contorcionismo orwelliano necessário para justificar a exclusão de um cliente usando a linguagem da “inclusividade”. O mais surpreendente é o nível cavalar de audácia que é preciso ter para analisar de forma enviesada as opiniões políticas de um cliente e, em seguida, dizer que sua expulsão do banco não é uma “decisão política”. É, sim. O dossiê deixa claro que Farage é um bom cliente. Ele é “profissional, educado e respeitoso”, e sua situação financeira atende aos “critérios para sua manutenção comercial”, ou seja, ele não está passando aperto. Mas, mesmo assim, pode ter que sair por causa… bem, por causa de questões ligadas à neutralidade de carbono, às críticas ao movimento Black Lives Matter, ao seu apoio ao ex-presidente Trump e à impressão da mídia de que ele é “xenófobo”. Não é uma decisão política? Parem de tentar nos manipular.
Esse dossiê não é apenas uma denúncia contra o Coutts e seu policiamento completamente inadequado da liberdade de pensamento de seus clientes. Ele também é uma denúncia contra a nossa mídia preguiçosa e complacente, que reagiu basicamente com risadas às declarações de Farage de que ele estava sendo perseguido por motivos políticos. “Que ideia absurda”, eles debocharam. A BBC noticiou de modo servil a alegação do Coutts de que Farage tinha sido expulso por não ter fundos suficientes na conta — que foi completamente refutada pelo fato de o dossiê reconhecer que “a contribuição econômica do cliente no momento é suficiente”. O universo do Twitter chamou Farage de delirante, um teórico da conspiração, um constrangimento de autocomiseração. “Não se pode acreditar ‘de olhos fechados’ em nada do que ele diz”, comentou James O’Brien, em tom esnobe.
Sejamos claros sobre o que aconteceu: um homem foi economicamente excluído por ter posicionamentos considerados errados
Alguns jornalistas simplesmente se recusaram a fazer jornalismo diante das alegações de Farage sobre o Coutts. Jon Sopel, ex-funcionário da BBC e agora apresentador do irritante podcast anti-Brexit The News Agents, riu da afirmação de Farage de que estava sendo vítima de uma “conspiração da elite”, quando, na verdade, sua conta tinha sido fechada porque ele “não era rico o bastante para o Coutts”. Até mesmo os esquerdistas radicais, que passaram os últimos 15 anos dizendo que os bancos são a origem de todos os nossos problemas econômicos, engoliram a narrativa do Coutts de que o fechamento da conta de Farage tinha sido uma decisão totalmente financeira. De repente, essas pessoas deixaram de protestar contra os grandes bancos e passaram a fazer seu trabalho sujo de propaganda política nas redes sociais. Os apoiadores de Jeremy Corbyn se tornaram fantoches não remunerados fazendo relações públicas para o Coutts.
Esses são os idiotas úteis do capitalismo woke. Repetidas vezes eles têm dado seu aval para as táticas tirânicas do mundo corporativo. Quando os bilionários que controlam as redes sociais começaram a banir pessoas por expressões consideradas discurso de ódio, como referir-se corretamente a homens biológicos no masculino, eles disseram: “Bom, as plataformas são empresas privadas, elas podem fazer o que quiserem”. Quando a classe empresarial começou a demitir feministas que criticam as questões de gênero, eles acharam razoável. Quando plataformas de financiamento coletivo se recusaram a liberar dinheiro para o movimento dos caminhoneiros canadenses, eles nem hesitaram. Quando PayPal, Visa e outros ameaçaram restringir os gastos de grupos e indivíduos “controversos”, eles não se preocuparam. A aceitação despreocupada da esquerda em relação ao surgimento desse novo regime de reprimendas capitalistas a ideias divergentes é quase tão perturbadora quanto o próprio regime. Sem dúvida, isso tem facilitado a vida das corporações arrogantes que desejam controlar nossas mentes e o nosso dinheiro.
O caso Farage versus Coutts é importante porque revela a enorme ameaça que o capitalismo woke representa para a liberdade e a justiça. Sejamos claros sobre o que aconteceu: um homem foi economicamente excluído por ter posicionamentos considerados errados. Ele foi colocado em uma lista negra por ser um pouco dissidente em relação às grandes questões do momento. E isso também está acontecendo com outras pessoas, incluindo as que não têm acesso às mesmas plataformas de mídia que Farage e, portanto, têm pouca margem para protestar contra sua expulsão da vida econômica por bancos e empresas que não foram eleitos e não prestam contas. Estamos aceitando passivamente essa vigilância capitalista sobre as ideias por nossa conta e risco. Sem dúvida está na hora de o governo tomar uma atitude e restringir o poder dos bancos e das empresas que acreditam ter o direito de penalizar cidadãos por suas convicções. Pode ser Farage hoje, pode ser você amanhã.
Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, A Heretic’s Manifesto: Essays on the Unsayable, pode ser encomendado pela Amazon UK e Amazon US.
Ele está no Instagram: @burntoakboy
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É horrível a sensação de estar de ‘cabeça pra baixo’. Horrível!
Assustador esse ciclo regressista da humanidade, justo quando temos tempo e recursos pra nos comunicar limpidamente. Esse não-pensar mundial vem basicamente da catequese marxista, agora infiltrada nas corporações, q não admite o debate
Exato! Totalmente de acordo!
Tô voando