A absolvição de Kevin Spacey foi uma bomba. Não apenas para o próprio caso, em que o astro de Hollywood foi considerado inocente de nove acusações de agressão sexual. Mas também para toda a ideologia do movimento #MeToo. Pareceu ser um julgamento racional e fundamentado, primeiro em relação às alegações do que Spacey fez. E segundo em relação à cultura de denúncia que dominou a vida pública nos últimos cinco anos e à presunção de culpa que todos fomos encorajados a considerar em reação a cada acusação de assédio sexual feita contra homens famosos. Será que a luz da deliberação democrática finalmente incidiu sobre os excessos injustos do movimento #MeToo?
O júri do Tribunal da Coroa de Southwark, em Londres, absolveu Spacey de todas as acusações. Ele respondia por nove delitos contra quatro homens, que iam desde toques inadequados até “indução à atividade sexual sem consentimento”. As acusações tratavam de incidentes que supostamente ocorreram entre 2001 e 2013, quando Spacey passava mais tempo em Londres, atuando como diretor artístico no Teatro Old Vic. De acordo com a BBC, ele levou a mão ao peito após a decisão e murmurou “obrigado” para o júri. Foi a segunda vez que Spacey foi inocentado de acusações sexuais: em 2022, em Nova York, ele foi absolvido de todos os delitos em relação ao ator Anthony Rapp, que afirmou que Spacey fez investidas sexuais indesejadas em 1986, quando Rapp tinha 14 anos e Spacey tinha 26.
A decisão desses jurados de Londres é um golpe não apenas para os acusadores de Spacey, mas também para o clima acusatório da era #MeToo. “Acredite na vítima” tem sido o grito dos nossos tempos. No entanto, essas 12 pessoas do júri, homens e mulheres da vida cotidiana, não acreditaram nos acusadores. Ou melhor, elas não foram convencidas pelas alegações deles. Depois de meses de provas e mais 12 horas e 26 minutos de deliberação do júri, esses representantes do povo deram voz ao seu ceticismo em relação às infrações de que Spacey fora acusado. Eles não fizeram o que as elites descoladas esperam que todos nós façamos hoje em dia, ou seja, acreditar instantaneamente em cada acusação de agressão sexual. Em vez disso, o que fizeram foi o que a cultura democrática, esclarecida e justa exige: pensar, discutir, ponderar e sempre buscar a verdade. Usar o julgamento racional em vez de julgamentos precipitados.
De certa forma, a decisão do júri foi um ato de resistência em relação ao clima implacável de crença instantânea e denúncia furiosa. Vale a pena lembrar o tratamento recebido por Spacey e por outros homens famosos acusados de agressão sexual. Todos foram rapidamente considerados culpados pelas massas das redes sociais. “É CLARO que acreditamos em você”, influenciadores tuitaram em resposta às acusações de Rapp contra Spacey. Kevin Spacey foi apagado de Hollywood. Milhões de dólares foram gastos para substituí-lo por Christopher Plummer em Todo o Dinheiro do Mundo, filme de Ridley Scott de 2017, como se o público fosse morrer em uma bruma de dor emocional se visse esse suposto ator malvado. A advogada de Spacey no caso de Rapp com certeza tinha razão quando criticou “uma das regras fundamentais do chamado movimento #MeToo”: “É preciso acreditar na vítima”.
Sem dúvida, o próximo passo será a reabilitação da carreira de Spacey: Hollywood vai parecer medieval se continuar banindo um homem considerado inocente de qualquer crime
Diante do prejulgamento febril do projeto #MeToo das elites, diante da acusação apressada e quase stalinista de pessoas famosas apenas com base em denúncias, esse júri londrino afirmou: “Não. Preferimos usar a razão”. Sua resistência à pressão cultural e midiática para acreditar em cada denúncia parece quase hercúlea. Foram raras as vezes em que ficou tão evidente que o tribunal do júri costuma ser um oásis de sensatez e objetividade em um mar turbulento de censura das massas. Esse veredito foi um lembrete de que a razão prevalece, mesmo nestes tempos febris e vingativos, e é muito mais provável encontrá-la entre “os trabalhadores comuns” do que entre as elites influenciadoras. Assim como a decisão em favor de Johnny Depp no caso contra Amber Heard no ano passado foi considerada um julgamento específico e um ato de crítica moral ao #MeToo, a absolvição de Spacey basicamente diz: “Não seremos influenciados por esse ambiente implacável. Em vez disso, vamos usar nossa razão”.
Claro, ainda não se sabe se isso significa o fim do #MeToo. Tenho a impressão de que lançar acusações sagradas e inquestionáveis pode ser uma ferramenta útil demais para o establishment cultural para ser abandonada agora. O #MeToo permitiu que as elites culturais repreendessem indivíduos, criassem novas culturas de controle e supervisão e promovessem o avanço das carreiras de grupos inteiros de ativistas e atores do politicamente correto. Mesmo assim, a tomada de decisão equilibrada e ponderada desses homens e dessas mulheres em Southwark desafia inquestionavelmente a loucura do que muitas vezes parece um macarthismo sexual nestes tempos de #MeToo. Sem dúvida, o próximo passo será a reabilitação da carreira de Spacey: Hollywood vai parecer medieval se continuar banindo um homem considerado inocente de qualquer crime. Depois disso, deveria haver uma reflexão mais ampla sobre a cultura de denúncia da nossa era e suas terríveis consequências para a razão, a justiça e as relações cotidianas.
Brendan O’Neill é reporter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, A Heretic’s Manifesto: Essays on the Unsayable, já está à venda.
Ele está no Instagram: @burntoakboy
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