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Elon Musk | Foto: Shutterstock
Edição 176

O poder do ‘x’

O que fez o homem mais rico do mundo trocar por uma letra uma das marcas mais conhecidas?

Dagomir Marquezi
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O Twitter foi lançado em julho de 2006. A rede social se tornou uma instituição internacional. Estabeleceu-se como porta-voz ao mesmo tempo de governantes e de pessoas comuns, de grandes impérios empresariais e da lojinha da esquina. “Tuitar” virou um verbo usado diariamente. E seu logo, um passarinho azul, uma das marcas mais reconhecidas do planeta.

Então, por qual razão um empresário mudaria o nome já amplamente estabelecido da rede para X e o passarinho por uma letra em preto e branco? E não foi um empresário qualquer — foi Elon Musk, o homem mais rico do mundo. Tudo bem que ele queira criar um aplicativo mais abrangente, misturando rede social com aplicativo financeiro e outras funções, e deseje marcar essa mudança. Mas por que se arriscar desse jeito, especialmente sendo alvo diário da implacável imprensa “progressista”, disposta a pegar no seu pé pelos motivos mais fúteis?

A mudança de nome não foi um ato inesperado. Musk tem uma fixação pela letra “x” desde sempre. Sua primeira empresa, que ele fundou com seus primeiros 12 milhões de dólares aos 28 anos, foi batizada como X.com. Em 2002, ele criou a empresa de exploração espacial privada SpaceX. E, neste ano, fundou sua empresa de inteligência artificial, que batizou de xAI. Seu filho foi batizado como X AE A-XII Musk. Mas atende pelo primeiro nome: X.

Empresa de exploração espacial privada SpaceX | Foto: Divulgação

A razão para essa obsessão parece bizarra. Segundo Julie Anderson, que foi vice-presidente do PayPal, o nome da primeira empresa de Musk foi decidido num bar chamado Blue Chalk, na cidade de Palo Alto, Califórnia. Elon e seus amigos empreendedores queriam lançar uma nova marca de cartão de crédito que fosse identificada por uma única letra, seguida de “.com”. Eles estavam na dúvida entre “q”, “x”, ou “z”. A discussão continuava acalorada, e eles não chegavam a uma conclusão.

Empresa de inteligência artificial que Elon Musk batizou de xAI | Foto: Shutterstock

“Quando a garçonete chegou com uma nova rodada de drinques”, lembra Julie Anderson, “Elon perguntou o que ela achava das sugestões, e a atendente disse que gostava de ‘x.com’. Elon deu um murro na mesa e disse ‘então é isso aí!’, e todo mundo riu, mas no final foi desse jeito que se decidiu”.

Cartão da primeira empresa de Elon Musk, a X.com | Foto: Reprodução/Redes Sociais

“X” não teria nenhum outro significado para Elon Musk além de ser a opinião de uma garçonete do hoje extinto Blue Chalk? Essa moça pode ter ajudado a batizar o maior projeto empresarial de todos os tempos, que um dia poderá levar humanos a Marte? Musk depois declarou que o X “incorpora as imperfeições em todos nós que nos fazem únicos”. Mas não foi muito além disso.

Elon Musk e seu filho X | Foto: Shutterstock
1 bilhão no negativo

Para o brasileiro Eike Batista, que também chegou a frequentar a lista dos mais ricos do mundo, a letra “x” tinha um significado muito preciso. O mineiro de Governador Valadares começou sua fulminante carreira com a empresa EBX. “EB” de Eike Batista. “O ‘X’”, segundo ele, “representa a multiplicação, acelera a criação da riqueza”.

Com isso em mente, Eike criou empresas como a OGX (de óleo e gás), a MMX (de mineração), a CCX (especializada em carvão mineral), a LLX (de logística) e a OSX (indústria naval). Aos 29 anos ele já era CEO de uma empresa canadense chamada TVX Gold. Em 2012, sua fortuna era avaliada em US$ 30 bilhões, e ele se tornou o sétimo homem mais rico do mundo, segundo a lista da revista Forbes.

Será que o poder multiplicador da letra “x” teria acelerado sua não menos fulminante queda? Apenas dois anos depois de chegar ao topo, Eike Batista tinha um “patrimônio” reduzido a vertiginosos US$ 1 bilhão — no negativo. A partir de 2015, ele passou a enfrentar a Justiça, num tempo em que a Polícia Federal prendia corruptos. Em 2017, entrou na lista de foragidos da Interpol num inquérito ligado à Operação Lava Jato, acusado de pagar propina no valor de R$ 16,5 milhões para o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Foi solto após acordo de colaboração premiada. Hoje, ambos estão livres do xilindró (para continuar no “x”).

Eike Batista | Foto: Reprodução/Redes Sociais
A equação, o cromossomo e o raio

A letra “x” carrega uma mística infalível. Ou o grupo de mutantes que Stan Lee criou para a Marvel poderia se chamar M-Men, J-Men ou qualquer outra coisa que não fosse X-Men. E a série sobre alienígenas se chamaria Arquivo-A ou Arquivo-W, e não Arquivo X. Mas “x” lembra mistério, magia. Em boa parte isso acontece por causa de seu uso matemático.

Uma equação, segundo uma definição rigorosa da Enciclopédia Britânica, é uma “declaração de igualdade entre duas expressões compostas de variáveis e/ou números”. O “x” faz o papel da incógnita. Num exemplo bem simples: 3 × 4 = 6 × x. Ou seja: por quanto eu tenho que multiplicar o 6 para que o resultado seja o mesmo que 3 vezes 4? 

A resposta obviamente é 2. Num nível mais simbólico, o “x” virou o elemento misterioso, a resposta que ainda não temos, o objeto oculto de um pensamento. O célebre “x da questão”. Mas por que o “x”, e não outra letra? Consta que o matemático René Descartes (1596-1650) queria que esse elemento oculto fosse representado pela letra “z”. Como o “z” era muito usado na língua francesa, Descartes teria optado por uma letra mais rara. E o “x” ganhou essa súbita fama.

Segundo matéria de Alex Marzano-Lesnevich para o New York Times, o mesmo aconteceu nas fundações da ciência genética. Em 1891, o biólogo alemão Hermann Henking olhou para um cromossomo retirado de uma joaninha, sem saber exatamente o que era aquilo, e o batizou simplesmente de X. Henking não imaginava na época, mas estava dando o nome ao cromossomo que determina o sexo feminino.

A letra ainda batizou, quatro anos depois, a radiação eletromagnética de ondas ultracurtas de alta frequência. A descoberta foi feita pelo alemão Wilhelm Conrad Röntgen, em 1895. O raio X permitiu que se tirem fotos do interior do corpo humano, detectando fraturas de ossos e tumores. Mais uma vez, como numa equação matemática, o “x” foi usado aqui como símbolo do oculto, do desconhecido, do que não está aparente. 

X-Men, o grupo de mutantes que Stan Lee criou para a Marvel | Foto: Reprodução/Redes Sociais
“O caminho óctuplo para a iluminação”

Recentemente a letra foi apropriada para definir pessoas de sexo não binário, nem masculino nem feminino (como na palavra “latinx”). Representa também um grupo demográfico, a geração X. São os nascidos entre 1965 e 1980, a primeira geração a ser criada na companhia de computadores e de tevês a cabo, a testemunhar a queda do Muro de Berlim e a ter que praticar sexo seguro por causa da epidemia de aids. Elon Musk é parte dessa geração.

Como numa equação, o “x” nos lembra de que sempre haverá algo que ainda não conhecemos. O que é muito saudável, numa época de tantas certezas

O “x” também foi utilizado com outros significados mais prosaicos. Um “x” é um signo para “beijo”. Como, em inglês, pronuncia-se “écs” , o som é semelhante ao de “kiss”. X é usado nos Estados Unidos para identificar obras para adultos — XX é usado para indicar erotismo leve e XXX para obras pornográficas. Qual é a razão para isso? Não há uma explicação. É parte do mistério. Filmes XXX são “proibidos”, o que só aumenta a curiosidade em torno deles.

Por outro lado, segundo artigo de Francisco Huanaco para o site Spells8, “no cristianismo, a letra ‘X’ é usada para representar a cruz de Cristo. No catolicismo, é usada como símbolo da Santíssima Trindade. No hinduísmo, representa a trindade sagrada de Brahma, Vishnu e Shiva. No budismo, representa o caminho óctuplo para a iluminação”.

XX é usado para indicar erotismo leve e XXX para obras pornográficas | Foto: Shutterstock
O mistério necessário

Todas as explicações são insuficientes para resolver o enigma representado por essa letra. Como numa equação, o “x” nos lembra de que sempre haverá algo que ainda não conhecemos. O que é muito saudável, numa época de tantas certezas. O “x” é um convite permanente à humildade intelectual e científica.

“É natural a inclinação humana em direção à exploração e à criatividade”, escreveu a jornalista norte-americana Emily McCrary-Ruiz-Esparza para o site Lit Hub. “Mas não podemos, de forma alguma, definir tudo. Sempre haverá novas maneiras de expandir nosso pensamento e preservar nossa autonomia, rebelando-nos contra as forças que tentam excluir o X. E, no entanto, por milênios, temos feito o nosso melhor para nomear tudo — o que vemos e não podemos ver, o que sabemos e o que não podemos saber. Definir tudo representaria o fim das forças criativas.”

O “x” é um convite permanente à humildade intelectual e científica | Foto: Shutterstock

Leia também “Oppenheimer: o destruidor de mundos”

6 comentários
  1. Persival dos Santos
    Persival dos Santos

    Excelente texto ! (só aqui já tem 2 “x” ) . Sempre há o “x” da questão . Mas tem mesmo uma razão de ser a substituição do passarinho azul pelo “X” . Usamos o “x” todos os dias …..

  2. JHONATAN SURDINI
    JHONATAN SURDINI

    okx?

  3. Maurício Zanardes Pereira
    Maurício Zanardes Pereira

    Texto Brilhante, como me enriqueceu o entendimento desse nosso tempo.
    Parabéns ao autor!

  4. Mônica
    Mônica

    Quando soube da troca do símbolo, só pensava na Xuxa. Argh!

    1. Felipe Correia
      Felipe Correia

      Kkkk

  5. JOAN
    JOAN

    Nunca imaginei que a letra x rendesse uma matéria incrível como essa, parabéns pelo talento!

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