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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 177

Por que o Brasil não tem a sua Apple?

O empreendedorismo é estimulado por uma cultura favorável à inovação, alto grau de liberdade econômica e capital humano elevado

Gabriel de Arruda Castro
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Com 8,5 mil quilômetros quadrados de extensão, o Brasil é maior do que a porção continental dos Estados Unidos (excluindo o Alasca). São 215 milhões de habitantes, 20 milhões de empresas ativas e um agronegócio que alimenta 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Ainda assim, tudo o que foi produzido pelos brasileiros em 2022 não chega perto do valor de mercado da Apple. A companhia vale US$ 3 trilhões (R$ 14,5 trilhões), ante o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de US$ 1,9 trilhão (cerca de R$ 9 trilhões).

Somente em 2022, a empresa norte-americana responsável pelo iPhone — com seus 164 mil funcionários — faturou US$ 394,3 bilhões (mais de R$ 2 trilhões). É mais do que o PIB da Dinamarca. As ações da companhia, na casa dos US$ 189, estão no ponto mais alto já registrado.

A história da Apple é um bom exemplo de como a combinação de uma cultura favorável à inovação, alto grau de liberdade econômica e capital humano elevado podem impulsionar a economia de um país.

A gigante da tecnologia nasceu em 1976 na garagem de Steve Jobs, então com 21 anos. A casa, na verdade, pertencia aos pais dele. Com um pequeno aporte de um investidor que acreditou no talento do rapaz, a empresa decolou e se tornou um símbolo de inovação tecnológica.

Steve Jobs mostra o iPhone 4, na Conferência Mundial de Desenvolvedores 2010 | Foto: Wikimedia Commons

Novas Apples não surgem o tempo todo. Os casos mais notórios de sucesso são exceções. Mas, embora envolvam uma dose de talento inato e de sorte, essas exceções não nascem no vácuo. Quanto mais jovens tiverem acesso a educação de qualidade, crédito facilitado e um sistema que incentiva o empreendedorismo, maiores as chances de um novo Steve Jobs — o filho biológico de um imigrante sírio — surgir.

No passado, a presença de recursos naturais era fundamental para o sucesso econômico de uma nação. Hoje, cada vez menos. Empresas do ramo de tecnologia movimentam valores maiores do que o PIB de muitos países, e boa parte desse faturamento vem de produtos intangíveis.

A Amazon, por exemplo, teve um faturamento de US$ 514 bilhões em 2022 — mais do que o Produto Interno Bruto da Áustria. A Microsoft faturou US$ 198 bilhões (mais do que o PIB da Hungria). O Google, US$ 280 bilhões (valor maior do que o PIB da Finlândia).

A Amazon teve um faturamento maior do que o Produto Interno Bruto da Áustria | Foto: Shutterstock

Já no Brasil, nenhuma empresa de tecnologia aparece entre as 12 maiores companhias do país. Na lista, metade são bancos, e quatro empresas nasceram nas mãos do Estado (inclusive as duas primeiras: Vale e Petrobras).

E não é só o tamanho dessas empresas que impressiona. A influência delas é sem precedentes e inclui até mesmo sanções internacionais. Por exemplo, a Amazon, a Microsoft e o Google suspenderam as operações na Rússia, como forma de punir o país pela invasão da Ucrânia em 2022.

O Brasil não parece devidamente preparado para competir nesse cenário.

Sucesso brasileiro — fora do Brasil

Em 2012, o paulista Henrique Dubugras e o carioca Pedro Franceschi se envolveram em lados opostos de uma discussão inócua no Twitter. O tema daria sono nas pessoas comuns: qual é o melhor software para escrever códigos de programação. Os dois eram adolescentes cursando o ensino médio.

Uma década depois, eles estão bilionários.

Dubugras e Franceschi fundaram a Brex, uma companhia de finanças digitais que, em 2022, foi avaliada em US$ 12,3 bilhões.

Depois do encontro acidental no Twitter, eles ficaram amigos e estudaram juntos na Universidade de Stanford, na Califórnia. Mal completaram o primeiro ano, deixaram o curso para se dedicar à Brex, cuja sede também fica na Califórnia. Ambos continuam vivendo longe do Brasil. Segundo a revista Forbes, cada um tem um patrimônio pessoal estimado em US$ 1,5 bilhão. Aos 27 anos, o agora bilionário Dubugras ainda usa o Twitter regularmente. Lá, ele se apresenta como um “brasileiro orgulhoso”. Em inglês.

A jornada da dupla ajuda a entender por que o Brasil parece tão longe de competir numa economia global que passa por mudanças rápidas e exige capacidade de adaptação igualmente acelerada. Os talentos muito acima da média acabam deixando o país, mais ou menos com a mesma frequência que revelações do futebol atravessam o Atlântico para jogar na Europa.

Os brasileiros Pedro Franceschi e Henrique Dubugras, co-fundadores da Brex | Foto: Divulgação
Conjunção de fatores

Angela Menezes, professora de finanças na Universidade Mackenzie, afirma que, na era das grandes empresas de tecnologia, os fatores determinantes para o empreendedorismo e a inovação são o capital humano, a liberdade econômica, o custo de financiamento e uma cultura favorável à inovação. Em todos, o Brasil vai mal.

“O empresário é muito pragmático”, observa. “Ele avalia todos os fatores, inclusive a perspectiva de lucro. Uma carga tributária elevada, os altos juros de financiamento e a burocracia excessiva desincentivam o empreendedorismo.” Angela lembra também que a produtividade do trabalhador brasileiro é reduzida por causa da má qualidade da educação.

O ambiente de negócios brasileiro é hostil à inovação. Na última edição do relatório Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil aparece na 138ª colocação no indicador que mede a facilidade para se abrir um negócio. O país fica numa posição ainda pior (184º lugar) na categoria que mede o impacto dos impostos. Em acesso a crédito, o Brasil é o 104º colocado. É mais fácil conseguir financiamento no Nepal, no Peru ou no Zimbábue.

A educação, tão importante para a inovação, também deixa a desejar. Embora não seja preciso ter uma pós-graduação para ser bem-sucedido, o total de mestres e doutores é indicativo do nível educacional de uma população em geral. Em 2017, o Brasil tinha 30 mestres para cada 100 mil habitantes. No México havia o triplo. Em Portugal, eram 237 mestres por 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos, 284.

A produção acadêmica nessas áreas mostra que o Brasil dá pouca atenção à indústria tecnológica. O país ocupa o 14º lugar entre os que mais produzem artigos acadêmicos na área de ciência da computação. Mas, quando se leva em conta a qualidade da produção, o país aparece no fim da lista. 

A fuga de cérebros é outro problema para o ambiente de negócios e está diretamente ligada às fragilidades do ensino superior brasileiro

Em uma classificação que mede as citações a cada artigo (o que é um sinal da relevância da produção), o Brasil tem um péssimo desempenho. Segundo um levantamento feito pelo professor Marcelo Hermes-Lima, da Universidade de Brasília, o país vem perdendo relevância na área. Em 2016, ocupava o 30º lugar entre os 43 países com pelo menos 2 mil artigos científicos sobre o tema. A posição caiu continuamente e, em 2022, o Brasil ficou em 47º lugar entre 53 países. O critério leva em conta o número de artigos citados em publicações acadêmicas importantes.

Um ranking produzido pela plataforma Research.com oferece outro retrato da baixa relevância do Brasil nesse quesito. Na área de ciência da computação, o país tem apenas dois nomes entre os 2 mil melhores colocados: Joel Rodrigues, da Universidade Federal do Piauí, e Antonio Loureiro, da Universidade Federal de Minas Gerais. Entre os pesquisadores mais influentes em engenharia elétrica e eletrônica no mundo, o resultado é parecido. O melhor colocado brasileiro, o professor José Geromel, da Unicamp, é listado como o 1.150º.

O Brasil dá pouca atenção à indústria tecnológica | Foto: Shutterstock
Fuga de cérebros é desafio

A fuga de cérebros é outro problema para o ambiente de negócios e está diretamente ligada às fragilidades do ensino superior brasileiro. O país perde os melhores pesquisadores e os profissionais mais promissores para outros países — caso de Dubugras e Franceschi.

Nos Estados Unidos a situação é oposta: o país atrai bons profissionais de outros lugares, o que aumenta o potencial empreendedor. Os atuais CEOs do Google, da Microsoft, da IBM e da Adobe são indianos.

Às vezes, o salto leva uma geração. Co-fundador do Google, Sergey Brin é um russo que se mudou para os Estados Unidos com a família quando criança e conheceu Larry Page, co-fundador da companhia, enquanto os dois cursavam doutorado em ciência da computação na Universidade de Stanford. Um dos fundadores do Facebook, o brasileiro Eduardo Saverin tem uma história parecida. Ele se mudou com a família (que já possuía um histórico empreendedor) para os Estados Unidos quando tinha 11 anos. O jovem frequentou a Universidade de Harvard, onde conheceu Mark Zuckerberg. Hoje, Saverin tem um patrimônio de US$ 17 bilhões, vive em Singapura e gerencia o fundo de investimentos que criou.

Vladimir Maciel, diretor do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, afirma que a fuga de cérebros pode ser reduzida com um ensino mais eficiente. “A melhoria do ensino superior depende de uma série de medidas no próprio ensino superior, como aproximar o ensino e o conhecimento das realidades vivenciadas no mercado de trabalho — em vez de insistir em formar ‘cidadãos críticos’ —, mas também da melhoria da qualidade do ensino pregresso”, afirma.

Para Adolfo Sachsida, doutor em economia e presidente do Conselho da Teckey Solutions, a chave para a mudança é a promoção da liberdade econômica por parte do poder público. Na visão dele, isso tornaria o ambiente mais propício para os empreendedores que, hoje, gostariam de ter suas próprias empresas, mas são impedidos pelo cenário hostil. “Num ambiente de mais liberdade econômica, o mercado se fortaleceria, e nossos jovens talentos poderiam empreender no Brasil”, diz. “A chave é reduzir a burocracia, reduzir os tributos e dar segurança jurídica ao investimento privado.” Sachsida ocupa uma posição privilegiada, porque esteve dos dois lados do balcão: a Teckey é uma startup brasileira que atua no desenvolvimento de softwares. Antes de trabalhar na empresa, ele foi secretário de Política Econômica e ministro de Minas e Energia na gestão de Jair Bolsonaro.

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Para Adolfo Sachsida, a chave para a mudança é a promoção da liberdade econômica por parte do poder público | Foto: Ascom/ME

Para a professora Angela Menezes, as mudanças institucionais são necessárias, mas talvez leve mais tempo até que a cultura se torne mais favorável ao empreendedorismo. “O Brasil tem uma combinação única de luminosidade, localização e recursos naturais”, afirma. “O país não faz esforço para ter o que tem. Também temos o histórico de não ter guerra, o que é bom. Mas acabamos desenvolvendo uma certa passividade, ao contrário dos americanos e dos japoneses.”

Vladimir Maciel acrescenta que, ao contrário da cultura e da estrutura do ensino superior, o ambiente regulatório pode ser modificado num espaço de tempo relativamente curto. “Um ambiente de negócios perverso afasta inventores, pesquisadores e empreendedores que poderiam trazer inovações ao mercado nacional e ganhos de produtividade à economia brasileira”, afirma. Seja qual for o passo inicial, o Brasil tem uma longa jornada à frente até se tornar um país amigável aos empreendedores. Precisa começar a trilhá-la agora.

Leia também “O modo demônio de Elon Musk”

10 comentários
  1. CARLOS GUEDES
    CARLOS GUEDES

    A tentativa do Brasil – no início e meados dos anos 1970 – em tomar iniciativa para criação e desenvolvimento da indústria de eletrônica digital e informática foi dinamitada por decisão absurda da Marinha do Brasil e em seguida pela criação de problemas (como sempre) pela esquerdalha da época, encastelada nas duas universidades envolvidas no projeto (USP e Católica do Rio). Basta rever a história para ver as barbaridades que nos levaram a ser apenas compradores de tecnologia.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Contra-cheque de funcionário que pode chegar a ter duas folhas, de tão complexo. Imposto uma bagunça, principalmente na diferenciação de taxa por produto, se vender o cotonete é um percentual, se for só o algodão, é outro percentual. kkkk. É rir para não chorar. Uma bagunça que afasta grandes empresas de virem para cá, pois não tem a devida segurança jurídica. Temos que mudar isso. É difícil porque muita gente ganha dinheiro nesse complexo que está imposto, criando dificuldades para vender facilidades.

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Nenhum país consegue desenvolvimento econômico e social sem educação adequada.
    O Brasil é um oásis de incompetência na área, não por falta de recursos, mas por questões políticas.
    O orçamento da educação é um dos mais cobiçados pelos políticos picaretas deste país pela quantidade de recursos disponibilizados, mas infelizmente mal aplicados.
    Sempre tomo como parâmetro para comparações a Coréia do Sul. Na década de 1960 eles tinham a metade da renda per capita dos brasileiros. Hoje o país é um dos expoentes em tecnologia e sua renda per capita é quatro vezes a brasileira. Qual a diferença? Os coreanos investem (não desviam) 3% do seu PIB em educação tendo em seu quadro de docentes inclusive professores brasileiros.
    O artigo cita Vale e Petrobrás, mas não podemos deixar de lado a Embraer que depois de privatizada tornou-se um destaque na aviação mundial, nascida do sonho de Ozires Silva.
    Nos USA o empreendedor não fica debaixo do guarda-chuva do estado implorando financiamento público. Sempre buscou parcerias com investidores. Lembro de um documentário sobre a comunicação via telégrafo entre USA x Inglaterra onde dois empreendedores buscaram investidores para alavancar o negócio em meados do século XIX.
    Aqui muitos universitários mesmo antes de concluir o ensino acadêmico já estão matriculados e/ou estudando para prestar concurso ao serviço público. Os currículos escolares são defasados e não despertam o interesse dos alunos independentemente do nível escolar.
    Nos USA existem 5 tipos de visto, um exclusivo para estudantes, abrindo as portas de suas universidades para alunos de alto potencial de várias nacionalidades.
    O Brasil penaliza até o turista que pretenda passar alguns dias em terras tupiniquins.

  4. Dilermando Batista
    Dilermando Batista

    Em 1993, quando terminei a graduação, éramos, aproximadamente, 3% da população, segundo pesquisa da época. Atualmente não tenho estes indicadores. Percebi que os cursos superiores não são voltados para empreendedores, são voltados, apenas, a tornar o formando profissional celetista, ou seja, os jovens cursam para serem empregados e não empregadores. Se a veia empreendedora estiver no jovem formando ele empreenderá, mas se não estiver sairá da universidade como celetista ou futuro celitista. Claro que isto não é uma regra, percebo que vem mudando paulatinamente, mas direcionado mais para áreas tecnológicas.
    Acredito que deve-se incentivar o jovem desde a infância, o que já está sendo realizado em algumas escolas particulares, entretanto, os jovens que estudam em escola pública não tem esta grade curricular, muitas vezes, não sabem por qual motivo têm que estudar tanto. Quando lhe é explicado que é para arrumar um bom emprego e não para que consiga empreender e torna-se empregador de talentos.

  5. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    bbb lablabla o eterno erro… culpar o país e nao o seu povo… Infelizmente os que podem e se descolam da sempre pertinente CARICATURA Zé Carioca que a maioria esmagadora do povo brasileiro carrega… Vai morar em países civilizados..
    Oou vcs acham mesmo que essa b o s t@ de brasil é civilizado??! só porque escovam dentes e tomam banho 3 vezes ao dia NÃO nos fazem civilizados.
    brincadeira né ??
    cansa esse papo furado desses “especialistas”
    o tal Mackenzie era ótimo até a década de 80… vão ver o mackenzie hoje… reduto esquerdalha de ricos… NOJO!
    somos o país da CRACOLÂNDIA gente!!!
    nosso judiciário é um LIXO.. nosso stf tse são fraudadores de eleições .
    nossas forças armadas sai uns maricas que se secondem no preceito da “disciplina e hierarquia” e protegem BANDIDOS esquerdistas que estao querendo fazer um NarcoEstado..
    FUJAM dessa mediocridade chamada América Latina. povos lixos.

    1. Antônio Ângelo Mazzaro
      Antônio Ângelo Mazzaro

      Verdade nua e crua. Como sempre digo, o Brasil não corre o menor risco de dar certo.

  6. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    O Brasil não tem futuro algum! Basta ver que nas nossas universidades, o Capitalismo, que é o motor da inovação tecnológica desde o início da Revolução Industrial, é combatido ferrenhamente como sendo o responsável pelas mazelas do mundo! Enquanto nossos jovens continuarem a serem doutrinados dessa maneira, o Brasil ocupará sempre a rabeira dos índices econômicos, sociais e culturais.

  7. Frederico Oliveira dos Santos Melo
    Frederico Oliveira dos Santos Melo

    Situação muito complicada com a atual gestão federal. Acho que o prognóstico é de piora em todos os aspectos, infelizmente.

  8. Paulo Ferreira
    Paulo Ferreira

    Sugiro cuidar com o uso do Doing Business como referência. O relatório foi extinto por seus promotores porque a bandalheira era geral. Não vale nada.

  9. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Pelo jeito, o q vamos trilhar no Brasil é o abismo

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