A consistência intelectual não é a principal qualidade dos políticos práticos, e talvez seja preferível ter um homem sem princípios em uma posição de poder e responsabilidade a ter um homem com princípios equivocados. Pelo menos existe a possibilidade de que o primeiro seja flexível e leve em consideração os resultados reais daquilo que faz. O segundo tende a preferir os próprios princípios ao mundo real.
O presidente Lula não é um homem de consistência inflexível. Ele visitou Raúl Castro recentemente, logo antes de pedir mais democracia no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Já é difícil para um único país ser democrático, quanto mais uma organização transnacional. Mas nem mesmo os melhores amigos de Raúl Castro poderiam dizer que ele é um democrata firme em qualquer sentido do termo. Ir a Cuba imediatamente antes de pedir mais democracia é como visitar um bordel antes de pedir abstinência sexual.
Lula também fez um apelo veemente por mais igualdade em escala global. Ele fez essa declaração em Angola, onde recebeu a Ordem de Doutor António Agostinho Neto. O presidente brasileiro afirmou que, ao receber essa condecoração, sentiu uma responsabilidade adicional de advogar por mais igualdade no mundo.
Ele pareceu ignorar o fato de a classe política de Angola, embora em sucessão apostólica aos igualitários revolucionários, ter saqueado as vastas riquezas naturais do país com a mesma eficácia de qualquer regime colonial, apropriando-se de centenas de milhões, se não bilhões. É verdade que o atual presidente é considerado menos ganancioso que seu antecessor, mas isso é um elogio bem pouco entusiasmado. Os Estados Unidos estão muito mais próximos da igualdade da Suécia ou da Noruega do que Angola.
Claro, ninguém esperaria que o presidente Lula pedisse mais igualdade no país que estava visitando; não é assim que as coisas funcionam e, de qualquer forma, teria sido uma falta de educação elementar. Mas, dadas as circunstâncias, ele poderia, com decência, ter poupado o mundo de uma homilia moral sobre o tema da igualdade.
Seja como for, um ideal de igualdade é algo bom? Existem duas formas que, ao que me parece, são excelentes ou evidentes. A primeira é a igualdade perante a lei. Poucas pessoas, desconfio, gostariam de ter uma casta que pudesse agir com impunidade legal, mesmo que muitas vezes pareça, de fato, que essa casta exista no mundo.
Carros elétricos e tratamentos de “afirmação de gênero” para crianças de 8 anos podem um dia ser vistos como as grandes tolices coletivas dos anos 2020
Também existe o tipo de igualdade existencial, que os religiosos chamam de igualdade aos olhos de Deus. Mas a igualdade existencial não exige que Deus se revele a nós. Em Ricardo II, de Shakespeare, o rei deposto, prestes a ser assassinado, faz um grande discurso para os membros de sua corte, que termina assim:
Equivocados todos estivestes a meu respeito.
Como vós, eu vivo também de pão, padeço privações,
Necessito de amigos, sou sensível às dores.
Se, a tal ponto, eu sou escravo, como ousais vir dizer-me que eu sou rei?
Mas e a igualdade econômica? Se essa é uma aspiração, é preciso combiná-la com algo mais, já que a igualdade de pobreza, em que todos estão igualmente famintos, com frio e descalços, não é algo desejado. Portanto, a igualdade econômica só pode ser desejada depois que certo nível de bem-estar material tenha sido alcançado.
Se considerarmos que a igualdade absoluta de resultados não é desejável, porque seria ao mesmo tempo economicamente ineficiente e profundamente injusta (no sentido de que o esforço não teria recompensa, e a ociosidade não teria desvantagem), surgem as questões de quanta desigualdade é desejável e de como, se a grande desigualdade for indesejável, ela deve ser evitada ou corrigida quando ocorrer.
São questões complexas para as quais não tenho uma resposta definitiva. Por trás de toda grande fortuna está um grande crime, disse Balzac, mas não tenho certeza de que ele estava certo (é estranho que tantas pessoas achem que, ao citar um grande homem, tenham chegado à verdade). Mesmo assim, pode ser que algumas grandes fortunas não sejam completamente admiráveis. O fundador dos carros Tesla, por exemplo, que voltou a ser o homem mais rico do mundo depois de ser destronado brevemente pelo fabricante de lenços de seda, malas desnecessariamente caras e champanhe, se aproveitou dos subsídios do governo e de uma política energética global que ainda pode se mostrar um erro desastroso. Sem dúvida veículos elétricos têm alguns méritos, mas boas relações com a biosfera provavelmente não são um deles. Carros elétricos e tratamentos de “afirmação de gênero” para crianças de 8 anos podem um dia ser vistos como as grandes tolices coletivas dos anos 2020.
Se nem a igualdade absoluta nem uma enorme desigualdade são desejáveis, exatamente quanta desigualdade é desejável, e por quem ou por qual autoridade ela deve ser decidida? Em geral, uma pessoa rica é definida, pelo menos do ponto de vista psicológico, como alguém que tem mais dinheiro do que eu. A redistribuição costuma ser favorecida, pelo menos na prática, se não na teoria, para aqueles que considero ricos. O fato de as pessoas que têm menos do que eu poderem me considerar rico e, assim, considerar meu dinheiro passível de redistribuição não me ocorre ou me parece ultrajante e absurdo. Poucas pessoas acham que têm mais do que merecem.
Claro que existem modos de acumulação que são claramente ilegítimos, do ponto de vista moral e legal, e o roubo violento e escancarado está entre eles. Mas mesmo a pilhagem nem sempre é fácil de definir. Os habitantes do país africano do Níger, por exemplo, onde houve um golpe militar recentemente, podem considerar que os franceses saquearam seu urânio, mas o fato é que o urânio não tinha utilidade nem valor para eles até a exploração dos franceses. Além disso, mesmo que apenas 15% do valor do urânio fosse entregue ao Estado, o próprio dinheiro foi saqueado pelos nigerianos que tinham acesso a ele, e não há motivo para acreditar que teria sido menos saqueado se tivessem sido 30% ou 45% em vez de 15%. A experiência de Angola depõe contra isso.
O mundo é complexo; os slogans são simples.
Theodore Dalrymple é pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels. É autor de mais de 30 livros sobre os mais diversos temas. Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É Realizações) estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou o que Restou Dela e A Faca Entrou. É um nome de destaque global do pensamento conservador contemporâneo. Colabora com frequência para reconhecidos veículos de imprensa, como The New Criterion, The Spectator e City Journal.
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É até injusto. Reunindo os melhores da história do jornalismo político, Oeste nos consome nossa cota de respeito pela sabedoria, pela credibilidade e, claro, pelo estilo incomparável das anas, augustos, silvios, dagomires – você os conhece. Mas quando olho para minha estante, onde 11 livros (traduzidos) de Theodore Dalrymple, ali estão aninhados ao Soljenítsin, Arthur Koestler, Camus, Sowell, Olavo,Orwell, J. Peterson, me obriga a confessar que o autor de “A Faca Entrou”, reserva no meu inquieto e generoso espaço para a fome do conhecer. Há muito mais para justificar a leitura da Oeste – algo nunca visto no mundo editorial desta pátria angustiada, sedenta de
verdade e coragem para exaltá-la, mesmo que o entorno nos pareça sinistro. E é!
Daí, o apelo para esta aventura, começando por Oeste, para se sentir em todos os quadrantes deste Brasil que ainda não esqueceu seu hino, sua história e a grandeza do seu povo.
Em tempo: no baú à minha direita, há outros – tão jovens e intensos como Fiúza, Roberto Motta, Ben Shapiro, Constantino e o Dicionário Filosófico de Voltaire. E se tiverem a chance e a paciência de ler a biografia de Joseph Goebbels, de Peter Longerich (Objetiva) vão poder se espantar menos com o furor do antisemitismo que se entranhou na esquerda, hoje sob o viés islamo-nazista.
A igualdade que o meliante almeja é a igualdade de pensamento, a igualdade ideológica. É preciso sumir com discursos conservadores e democráticos, isso é fascismo e heresia. É preciso pensar como a esquerda. Todos iguais no pensamento e na miséria.
Que articulação intelectual precisa e bela! Agradecimentos à Oeste por ter Anthony Daniels entre aqueles que escrevem para a revista.
Quanto à hipocrisia do entiado dos 9 do STF, que tal uma indicação para o Guiness Records?
Tá muito complexa essa falação sobre igualdade, não existe igualdade entre pessoas toda pessoa é única. Se não existe ética na poli os contratos devem ser cumpridos pra isso tem-se a elaboração das leis. A população tem que exigir o cumprimento