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Foto: Shutterstock
Edição 185

A inveja do mundo todo

Se o Brasil é a vanguarda da tecnologia no assunto urnas eletrônicas, por que os demais países, tão mais ricos e desenvolvidos do ponto de vista tecnológico, não conseguem simplesmente nos copiar?

Rodrigo Constantino
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“O Brasil tem o sistema mais eficiente, invulnerável e transparente de eleições de todo o mundo. Nós sabemos os problemas que tínhamos com o voto impresso, e isso foi encerrado a partir da nossa votação eletrônica. Hoje em dia as urnas são motivo de orgulho e hoje daremos mais um passo nesse ciclo de transparência da história da democracia.” Foi o que disse o ministro Alexandre de Moraes uma vez mais esta semana, ao abrir o código-fonte da urna depois de muito tempo.

O Brasil não tinha voto impresso, e sim voto em cédula de papel, o que é bem diferente. Mas, deixando essa fake news de lado, cabe perguntar: se o Brasil é mesmo a vanguarda da tecnologia nesse assunto, por que os demais países, tão mais ricos e desenvolvidos do ponto de vista tecnológico, não conseguem simplesmente nos copiar? O que impede nações como a Alemanha, a Inglaterra, a França, o Japão e os Estados Unidos de produzir uma urna eletrônica similar à brasileira?

Brasil, Butão e Bangladesh adotam modelos semelhantes, enquanto os Estados Unidos, que mandaram o homem à Lua ainda na década de 1960, preferem utilizar votos em papel. Na Alemanha, a Suprema Corte chegou a considerar inconstitucional o modelo que temos no Brasil, justamente pela falta de transparência e possibilidade de apuração em público, com escrutínio geral. Simplesmente não é crível que justamente o Brasil possa dar lições de tecnologia sobre a “inviolabilidade” de um processo eleitoral.

Solenidade de Abertura do Código-Fonte (4/10/2023) | Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

No mais, cabe questionar: se temos um sistema tão seguro, transparente e confiável assim, então por que questioná-lo virou tabu, praticamente um crime? Ninguém precisa ficar justificando o tempo todo que o Pelé jogava bem futebol e ainda representa um ícone do esporte, o “Rei” no mundo todo, orgulho nacional. Imagina ter de ficar repetindo insistentemente que o Pelé era, sim, um craque e motivo de admiração coletiva: seria estranho, não acham? Afinal, todos já sabem do incrível talento do Edson Arantes do Nascimento.

Isso é análogo ao caso das vacinas da covid-19, produzidas em tempo recorde, com tecnologia ainda pouco testada no caso do RNA mensageiro. O movimento antivax sempre seduziu uma minoria, pois a imensa maioria julga que os benefícios das vacinas estabelecidas compensam os riscos. Na pandemia isso não foi assim, e governos autoritários tiveram de impor a obrigatoriedade da vacina, antes de realizar todos os testes recomendados, além de interditar o debate, não permitir que especialistas criticassem os experimentos, apelar para a censura e transformar em párias atletas saudáveis como Djokovic. 

O ministro Alexandre de Moraes pode repetir quantas vezes quiser que nosso processo eleitoral é fantástico, maravilhoso ou quiçá perfeito, mas isso só tem “convencido” a velha imprensa acovardada ou corrompida

Todos esses casos possuem um denominador comum: na falta de uma autoridade natural, estabelecida pelo visível sucesso, parte-se para a autoridade da força, artificial, que precisa intimidar quem ousa questioná-la. É como se alguém quisesse espalhar a “crença” de que um zagueiro desconhecido de Várzea é melhor do que o Pelé: ele jamais vai ter êxito mostrando os resultados inquestionáveis do seu “craque”, e terá de enfiar goela abaixo de todos essa narrativa estapafúrdia, usando a força para fazer valer o seu delírio. 

O povo brasileiro, em geral, não cai nessa ladainha de que temos o processo eleitoral mais seguro e transparente do planeta. Ao contrário: muita gente desconfia bastante de um processo centralizado num TSE politizado. Ao tentar transformar a urna eletrônica em objeto sacrossanto a ser idolatrado como motivo de orgulho nacional e inveja dos demais países tão mais avançados, o próprio TSE escancara a fragilidade de seu argumento. 

Alexandre de Moraes, ministro do STF | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Eis algo que nunca ocorreu comigo em mais de oito anos morando nos Estados Unidos: algum gringo, ao saber que sou brasileiro, comentar sobre as incríveis urnas eletrônicas que temos. Quando o vendedor precisa se esforçar tanto assim para convencer o “consumidor” das maravilhas de seu produto, então a desconfiança só aumenta. Quando é preciso chamar de golpista quem simplesmente aponta potenciais falhas ou faz perguntas incômodas, aí resta a convicção de que estamos diante de um engodo mesmo.

Demandar um debate aberto sobre o processo eleitoral não é “atacar a democracia”, e sim buscar fortalecê-la. Ser tratado como um sujeito perigoso apenas por cobrar maiores explicações, função básica do jornalismo, é algo que levanta mais suspeitas ainda. Observar a quantidade de políticos que até ontem faziam os mesmos questionamentos e hoje tratam como golpista quem insiste neles é a prova de que algo obscuro está em jogo. 

O ministro Alexandre de Moraes pode repetir quantas vezes quiser que nosso processo eleitoral é fantástico, maravilhoso ou quiçá perfeito, mas isso só tem “convencido” a velha imprensa acovardada ou corrompida. Quem ainda não perdeu o juízo e a coragem tem todo o direito de apontar para o absurdo dessa narrativa. Como a criança no conto de Hans Christian Andersen, faz-se necessário alguém inocente o suficiente para não temer ser considerado um idiota ao ver todo mundo repetindo como é linda a nova roupa invisível do imperador, e simplesmente constatar: “Mas ele está nu!”.

Leia também “A senhora que me perdoe…”

29 comentários
  1. Alexandre paixão
    Alexandre paixão

    Rodrigo Pacheco, assim como Arthur Lira, perdeu o bonde da História ao amarrar, travar, emperrar e, principalmente, atrapalhar a Pauta Brasil.

  2. Daniel Miranda Lewin
    Daniel Miranda Lewin

    EXCELENTE TEXTO. URNA ELETRÔNICA BRASILEIRA. VERGONHA NACIONAL.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Aqui em Alagoas, nas eleições de 2006, disputavam Teotonio Vilela x João Lyra. Tudo apontava para uma vitória de João Lyra em 1o turno. Pois quando é divulgado o resultado, vence o Teotonio Vilela, e em 1o turno. Detalhe de quem apoiava o Teotonio, Renan Calheiros.

  4. ANTONIO A. L.B
    ANTONIO A. L.B

    Eletronico pode ser bom; mas que tem cartao de credito e ja foi clonado ( ou dados furtados/ manipulados; no meu caso 3 x) sabe muito bem que mesmo com toda a Tecnologia que os Bancos utilizam estao longe de serem seguros.
    Essa treta de urna inviolavel simplesmente nao fecha com a realidade

  5. Carmen Fernandez Pardo
    Carmen Fernandez Pardo

    Essa Suprema Corte, que de Suprema não tem nada, Alexandre de Morais então! É o pior Ministro do Supremo que temos

  6. Jose Angelo Cardassi
    Jose Angelo Cardassi

    Já tem muito tempo que não confio neste nosso processo eleitoral

  7. João Bosco Almeida Brito
    João Bosco Almeida Brito

    O BRASIL SIMPLESMENTE ACABOU-SE, COM ESSE CONGRESSO E COM A SUPLEMA CORTE, TOMANDO ESSAS DECISÕES ANTIDEMOCRÁTICAS, TORNANDO-SE UM PAÍS INGORVERNAVEL.

    OS MINISTROS DA SUPREMA CORTE SUSPENDEU TODOS OS PROCESSOS CONTRA O EX-PRESIDIÁRIO LULALADRÃO, ATUALMENTE ESTÁ LIVRE PARA EXERCER TODAS AS ATIVIDADES POLÍTICAS PARTIDÁRIA, NESSE PAÍS NÃO TEMOS UM SUPREMA CORTE E SIM UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PARTIDÁRIA.

    O CONGRESSO NACIONAL, DEVER DIRIGIR UM OFÍCIO AO TSE PEDIDO A IMPLEMENTAÇÃO DOS VOTOS AUDITÁVEIS E QUE A CONTAGEM SEJA EM AMBIENTE PÚBLICO COM A PARTICIPAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DO POVO BRASILEIRO, CASO CONTRÁRIO NÃO HAVERÁ ELEIÇÕES NO BRASIL NO ANO 2024

  8. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    Só vou contar uma situação em uma eleição que participei em Guarulhos. Fomos as 18 horas numa seção aguardar a saída dos resultados com um amigo que foi candidato a vereador. Quando PEGAMOS o papel que foi exposto na escola o amigo começou a chorar. No papel estava escrito que ele tinha 1.100 votos. Ele disse, chorando: estou eleito. Esta seção é a minha mais fraca. e tenho duas seções onde terei muito mais votos. Fiquei feliz com o cara. Saindo o resultado final aparece para ele, totalizado todas as seções uma surpresa: 900 votos. Se isto não mostra vulnerabilidade da urna eletrônica o que seria?????Ninguém me tira da cabeça que Covas NÃO ganhou de Maluf…

  9. Paulo Giometti
    Paulo Giometti

    Vamos continuar sem a impressão dos votos? Já está na hora do Congresso colocar em pauta.

  10. Ana Kazan
    Ana Kazan

    Rodrigo, sempre admirer sua for a e sua coragem. Obrigada por mais essas clarissimas palavras.

  11. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Parabéns Constantino que nos entusiasma a até sair às ruas para que nossas urnas sejam mais transparentes, e que sequer precisam de Leis ou PECs para torna-las auditáveis. Ninguém quer excluir as URNAS ELETRÔNICAS do sistema eleitoral, simplesmente aprimora-las conforme sugeriram o Ministério da Defesa e TIs. independentes que criaram essas urnas em 1996. Temos que democraticamente sair às ruas com lideranças da imprensa verdadeira, empresarias, jurídicas, esportivas e culturais, militares e religiosas, para EXIGIR esse aperfeiçoamento que nos fará acreditar que os resultados são reais e evitarão novos conflitos futuros.
    Afinal Constantino, qual o receio do STF em dar transparência as urnas eletrônicas com condições de serem fiscalizadas e auditadas conforme sugeriram o Ministério da Defesa e os CRIADORES dessas URNAS (eng. Carlos Rocha)?

  12. Claudio Fortes
    Claudio Fortes

    Eu não confio nessa urna eletrônica nem a pau.

  13. André Bruno Carrilho Donas
    André Bruno Carrilho Donas

    Ler alguma coisa acerca de Alexandre, o GLANDE, a esta hora da manhã, embrulha meu estomago

  14. gustavo reboucas da palma
    gustavo reboucas da palma

    PURA VERDADE…QUE ATÉ CEGO ENXERGA!!! MI

  15. João Paulo
    João Paulo

    Quantos países com água e esgoto encanados usam as urnas invioláveis “made in xandiquistão”?

  16. MNJM
    MNJM

    Gudes parabéns pela análise e Consta pelo artigo. Se o sistema fosse transparente e inexpugnável não precisava tanta proibição , censura a quem questiona o sistema.
    Grande parte da sociedade não acredita nas sacrossantas urnas.

  17. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    A tecnologia dos processos eletrônicos controla e facilita a rotina de milhões de cidadãos mundo afora. Fato.
    Seja pagando contas pelo App bancário, consultando a situação do trânsito, controle de portos e aeroportos, inteligência policial, redes sociais, etc.
    Todos os sistemas acima mencionados são passíveis da ação de hackers.
    O grande e nunca explicado problema das “invioláveis” urnas eletrônicas, com formato que mais lembra aquele jogo eletrônico dos cartuchos ATARI há 30 anos, é a sua transparência.
    Eu não sei como é o processo, mas gostaria de saber, e principalmente participar da totalização dos votos.
    Se eu for candidato nas próximas eleições e me sentir lesado durante o processo, vou recorrer a quem? Ao TSE que ninguém mais, fora os corruptos, confiam?

  18. R.F. Nobre
    R.F. Nobre

    Utilizo diariamente meus cartões bancários para efetuar pagamentos nas maquininhas , bem como utilizo a internet, mas sempre tenho a possibilidade de imprimir o comprovante da transação. Porque o meu voto não posso imprimir? Lógico que o voto teria que ficar em uma urna. Custo? é só fazer a reforma administrativa que vai sobrar grana.

  19. SANDRO CAMILO
    SANDRO CAMILO

    Parabéns Constantino pela matéria.

  20. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Todos sabem que fomos roubados em tudo que é público desde José Sarney

  21. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Alguém precisaria explicar, ou desenhar para o douto ministro barroso, que países dom Democracia verdadeira usam cédulas de papel ou adotam o voto impresso com urna eletrônica. O douto ministro condenava a impressão do voto, dizendo que queriam voltar às cédulas de papel, o que todos sabemos que, ou é uma mentira dele, ou uma “fake news” dele, ou ele não tinha mesmo entendido nada. Estou propenso a acreditar na última hipótese, já que certamente o douto ministro jamais espalharia “fake news”, não é mesmo? Na minha opinião o douto ministro não tinha entendido nada mesmo porquê não tem nível intelectual para compreender a diferença dessas coisas, da mesma forma que, mesmo sendo juiz, não consegue distinguir um Battisti ou um João de Deus de um inocente.

  22. Marcus
    Marcus

    É revoltante ouvir esta asneira do ministro toda vez que se fala no atual sistema. Até o TSE apresentou o modelo com comprovante impresso, mas estes pilantras dizem que voltaríamos ao voto em cédulas, o que justificaria a derrubada junto ao Congresso, em uma clara interferência entre poderes.

  23. Jose Carlos Rodrigues Da Silva
    Jose Carlos Rodrigues Da Silva

    O Brasil está tonto, perdido entre tecnologias novas cercadas de miséria e estupidez por todos os lados.Arnaldo Jabor

  24. CARLOS GUEDES
    CARLOS GUEDES

    Mais uma palhaçada ridícula de um indivíduo ridículo que é hoje o símbolo mais eloquente de até onde pode chegar a divulgação de fake-news. Quando essa divulgação é feita exatamente pelo sujeito que ARBITRÁRIA E INCONSTITUCIONALMENTE processa quem ele deseja como culpado por disseminação de fake-news, estamos realmente na mer….. O que o esse sujeito apresentou é efetivamente uma palhaçada. Ninguém pode apresentar qualquer código fonte e afirmar estar demonstrando a “segurança” de qualquer software num seminário (ou o nome que se dê à essa palhaçada de características circense). O exame de qualquer código fonte exige uma análise cuidadosa, linha por linha de cada programa. Por outro lado, o código fonte é apenas uma das “etapas” na preparação de qualquer processo computadorizado. Numa segunda etapa, a partir desse código fonte, é gerado o “programas objeto” em linguagem de máquina. Na transição de fonte para objeto não há riscos. Cada código fonte consegue gerar apenas um programa objeto. Em seguida temos a instalação de outros tantos programas objeto nas urnas, nos servidores, nos centralizadores, etc., etc. Eu acredito (com base em mais de 40 anos na área de TI) que existiram diferentes programas fonte e que diferentes programas objeto foram instalados, permitindo que diferentes urnas tivessem diferentes programas objetos. Se isso não fosse a mais absoluta verdade, como explicar a radical decisão desse Morais proibindo o acesso aos códigos fontes e às urnas? Nem o Exército teve o acesso adequado e necessário para avaliar o assunto.
    Eu, pessoalmente, tenho a mais absoluta convicção de que nas últimas eleições foram usados mais de um código fonte para as urnas e quiçá para servidores e centralizadores. Na realidade, os possíveis “trambiques” na programação de servidores e centralizadores é perfeitamente possível e ninguém se preocupou em exigir a análise desses outros softwares. Uma indicação clara de fraude já havia ocorrido na eleição para presidente em 2018 quando ficou evidente que o crescimento do número de votos para Dilma e a redução do número de votos para o Aécio obedecia a uma variação totalmente inexplicável e inaceitável sob qualquer análise de variação estatística e probabilística.
    Todo o processo eleitoral foi uma fraude sob o comando do STF e do TSE. Eu não tenho qualquer dúvida sobre isso.

    1. Marcos Aurélio Camilotti
      Marcos Aurélio Camilotti

      Brilhante análise, Guedes…..mas ficamos mais frustrados e raivosos com a evidente fraude nas eleições.
      Nosso país está na mão de ladroes e de covardes!

    2. Herbert Gomes Barca
      Herbert Gomes Barca

      sensacional artigo Consta !! esse imbecil cabeça de ovo acha que o povo brasileiro acredita no que ele fala !! ele vai pagar por isso !

  25. DLR
    DLR

    Esse é o melhor texto que já li sobre o tema. Rodrigo Constantino – a quem eu muito admiro e de quem li o excelente livro “Pensadores da Liberdade” – novamente mostra toda a sua verve jornalística e acerta na mosca a ferida do problema.

  26. Marcelo M M Franco
    Marcelo M M Franco

    O que Alexandre de Moraes divulgou foi a “VERSÃO” ‘LIMPINHA” do CÓDIGO-FONTE para a “ELEIÇÃO MUNICIPAL de 2024”.
    A “VERSÃO SUJA”, que foi “EFETIVAMENTE USADA” para “FRAUDAR” a “ELEIÇÃO PRESIDENCIAL em 2022”, “CONTINUA ESCONDIDA”.
    Esse Alexandre de Moraes acha que engana fácil.

    1. Christian
      Christian

      Enquanto não houver voto impresso, não adianta: Vamos ter fraude…!

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