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Edição 187

A fantasia do Brics e o devaneio de Lula

Por mais antiamericanos que alguns brasileiros possam ser, o Brasil manterá suas raízes no Ocidente

Theodore Dalrymple
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Nos dias de hoje, quase todo mundo concorda que o estado do Ocidente é terminal, tanto em termos absolutos quanto em relação ao resto do mundo. Nossos jornais e outros veículos estão cheios de melancolia e desespero, embora poucos reconheçam quanto prazer se pode obter com essa melancolia e esse desespero. Entre outras coisas, eles eliminam a dolorosa necessidade de pensar. Afinal, qual é o sentido de pensar se todos estamos condenados de todo jeito? Lamentar (como eu sei muito bem) é divertido, assim como contemplar os desdobramentos políticos apocalípticos — contanto que eles estejam longe o bastante. 

Sem dúvida as Cassandras podem apresentar uma quantidade perturbadora de evidências para embasar seus prognósticos sombrios. Basta considerar a situação dos Estados Unidos (que não é insignificante): sua dívida é enorme e está aumentando, e todas as tentativas de reduzir a velocidade de seu crescimento parecem ser em vão, porque todas esbarram na dura rocha de interesses locais ou individuais, que são politicamente muito mais fortes do que o interesse nacional coletivo.

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Isso, por sua vez, faz surgir dúvidas sobre a viabilidade da democracia em si. Afinal, nas democracias modernas, os políticos, que concorrem permanentemente por poder ou por um cargo, prometem ao eleitorado o impossível, sem se preocupar com como essa promessa será cumprida. A política de cada governo é après nous, le déluge, ou “depois de nós, [pode vir] o dilúvio”. Contanto que possa se manter no poder, nenhum político vai se importar com a confusão que vai deixar para seus sucessores.

Enquanto isso, a população foi corrompida por uma ideia de merecimento tão atordoada pelas distrações frívolas, que são o principal foco de sua existência cotidiana, que é incapaz de enxergar o desastre iminente que vai tomar conta. E, como se isso não fosse ruim o bastante, a parcela mais escolarizada da população virou as costas para as supostas virtudes norte-americanas, como a liberdade. Pelo contrário, os estudantes e acadêmicos mais ativos são a favor de censurar aqueles de quem discordam, tudo em nome da virtude — sendo que as virtudes mais elevadas, claro, são a permissividade e a decadência.

A Europa está cultural e mentalmente mais próxima do Brasil do que da Rússia, apesar da proximidade geográfica. Essas coisas não podem ser alteradas livremente por meros regimes políticos

A população está tão polarizada que quem está de um dos dois polos mal consegue permanecer pacificamente na mesma sala que quem está do outro, e até se fala em uma nova guerra civil, já que não há possibilidade de meio-termo entre os dois lados. Não existe uma ideia abrangente de identidade e propósito nacionais que limite o grau de inimizade política. Mesmo que o Sistema Judiciário não esteja tão politizado como todos acham atualmente, o fato de ninguém mais confiar na sua neutralidade entre inimigos políticos é um sinal do quanto as coisas já se deterioraram. 

Além disso, se o dólar dos Estados Unidos deixar de ser a moeda de reserva mundial, haverá o caos econômico e a consequente queda acentuada no padrão de vida norte-americano. Isso porque os Estados Unidos não poderão mais sustentar seu nível de consumo com a emissão de promissórias, o que deve acelerar a guerra civil — e a guerra civil não é propícia para o exercício do poder mundial.

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Muito se fala sobre a “aliança” do Brics. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, junto de várias outras nações, estão se unindo para se opor ao domínio político, econômico e financeiro dos Estados Unidos. O futuro pertence a eles. Eles são fortes, o Ocidente é fraco. A queda deste último, portanto, é certa.

Não tenho certeza de que acredito nisso. As fraquezas do Ocidente são bastante claras, mas isso não é suficiente para tornar a “aliança” do Brics — na verdade, um agrupamento — forte. Um deles, a África do Sul, é tão corrupto e desorganizado que não consegue garantir o fornecimento contínuo de eletricidade em suas principais cidades, o que não é um bom ponto de partida para o exercício de poder financeiro. Também não existe no horizonte uma solução provável para esse problema.

China e Índia são inimigos declarados, e uma guerra entre eles não é impossível. É verdade que suas disputas são sobre terras quase inabitáveis, mas milhões de pessoas já morreram por menos, e uma simples faísca poderia desencadear um conflito. Basta pensar na Guerra da Tríplice Aliança para constatar isso. Quanto à Rússia, há o ditado antigo de que todos os caminhos na Rússia levam ao desastre. Ela já depende da China; não é impossível que um dia a China anexe grande parte da Sibéria, que já é uma colônia chinesa de fato. A ideia de que os chineses nutrem sentimentos calorosos pelos russos é ridícula.

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Resta o Brasil. Alguns dias atrás, li por acaso no jornal francês conservador Le Figaro um artigo que afirmava que o Brasil estava no campo antiocidental, firmemente aliado à Rússia e à China. Com certeza não pode ser verdade. Quando muito, ele terá interesses econômicos em comum com a China, mas a ideia de que a interdependência econômica levaria necessariamente à amizade política — a teoria de Angela Merkel, que já dominou o mundo como um colosso de sabedoria, mas está estranhamente calada — foi exposta como ingênua, para não dizer mais.

O Brasil é um país ocidental e não pode ser outra coisa. A menos que eu esteja muito enganado, um brasileiro pode se adaptar facilmente e se sentir em casa na Europa, mas não na Rússia. Nenhum brasileiro quer ir para a Rússia, com exceção dos muito curiosos, mas muitos querem ir para a Europa.

Nas poucas vezes que visitei o Brasil, não senti que havia pousado em uma civilização estrangeira, apesar das diferenças em relação ao meu próprio país, como sinto quando chego à Rússia. A Europa está cultural e mentalmente mais próxima do Brasil do que da Rússia, apesar da proximidade geográfica. Essas coisas não podem ser alteradas livremente por meros regimes políticos, interesses políticos ou econômicos, nem mesmo por conquistas estrangeiras. Por mais antiamericanos que alguns brasileiros possam ser (mais uma vez, me corrija se eu estiver errado), o Brasil é e continuará a fazer parte do Ocidente, com ou sem Brics, e com quem quer que o presidente Lula escolha se associar.


Theodore Dalrymple é pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels. É autor de mais de 30 livros sobre os mais diversos temas. Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É Realizações) estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou o que Restou Dela e A Faca Entrou. É um nome de destaque global do pensamento conservador contemporâneo. Colabora com frequência para reconhecidos veículos de imprensa, como The New Criterion, The Spectator e City Journal.

Leia também “Lula e a hipocrisia da igualdade”

8 comentários
  1. João Cirilo
    João Cirilo

    Eu também acho que a Rússia não seja amiga da China e vice-versa. Mas entre Estados não há amizade, nem afinidade, só interesses. E neste ponto a Rússia e a China estão muito irmanadas, têm similitudes, tanto é assim que como bem lembrou o articulista, o brasileiro prefere a Europa à Rússia; mas certamente também prefere o continente europeu à asiática China.
    Da mesma forma penso que um chinês se sinta mais em casa em Moscou e um russo em Pequim do que ambos em Brasília.

  2. Odilon Soares Teixeira da Silveira
    Odilon Soares Teixeira da Silveira

    Brilhant!!!!!

  3. Ubirajara garcia
    Ubirajara garcia

    Excelente live. Ah guiza de sugestão gostaria que o Brasil fosse desmembrado em DOIS países.

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Interessantes ponderações de quem vê por fora.

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    A verdade é que a democracia está em frangalhos em todo ocidente

  6. Jaques Goldstajn
    Jaques Goldstajn

    Excelente

  7. Lucas Scatulin Bocca
    Lucas Scatulin Bocca

    Dalrymple é um mestre! Gosto de tudo que escreve, mas esse artigo supera a habitual média altíssima.

  8. Gilberto Pagan
    Gilberto Pagan

    Antiamericanismo no Brasil está mais relacionado com a doutrinação politica do que com a nossa cultura.
    Gostaria de ver a coluna do Dalrymple com mais frequência aqui na Oeste. Semanalmente, se possível.

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