No último domingo, 5, os 4 milhões de estudantes que participaram do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram submetidos a um verdadeiro manual ideológico de esquerda, com perguntas que nem o cantor Caetano Veloso foi capaz de decifrar. Entre elas, estavam três questões com ataques frontais ao agronegócio brasileiro, motor da economia. Sem nenhum critério científico ou acadêmico, os cadernos de prova falavam em “pragatização” dos seres humanos, “chuvas de veneno”, violência e subordinação ao modelo capitalista. Foi aí que entrou em cena a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Formada por 303 deputados e 50 senadores — o que não significa voto obrigatório em todos os projetos —, a frente se tornou uma trincheira da oposição e defensora das pautas conservadoras no Congresso Nacional. Nos últimos meses, é a única resistência em Brasília contra os abusos do governo Lula e do Supremo Tribunal Federal (STF).
No episódio do Enem, a frente produziu um documento técnico rebatendo ponto a ponto os textos da prova. Diante dos dados oficiais fornecidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pelo próprio Ministério da Agricultura, até a mídia que defende o governo teve de reconhecer os absurdos ao comentar, ao vivo, as respostas apontadas como corretas. E lembrar que o agronegócio responde por 25% do Produto Interno Bruto (PIB), movimentando uma cadeia de R$ 2,6 trilhões no ano passado.
A frente apresentou um requerimento de informações sobre a banca organizadora do Enem e cobrou a anulação de três questões. O ministro da Educação, Camilo Santana, terá de comparecer a audiências na Câmara e no Senado.
A FPA foi criada há duas décadas na Câmara e passou anos sob o estigma de “bancada ruralista”. Nesta legislatura, cresceu exponencialmente e ganhou apoio popular com a adesão de parlamentares que não são necessariamente do ramo, mas encontram respaldo para pautas conservadoras — como a defesa da segurança pública e os evangélicos.
Além disso, foi responsável pela criação neste ano da CPI do MST, que jogou luz nas ações do grupo fora da lei e sua rede de financiamento nos governos de esquerda. Neste semestre, quando o Supremo resolveu legislar sobre o marco temporal, a frente paralisou o funcionamento do plenário e das comissões por três semanas, até a votação de um projeto de lei sobre o mesmo tema no Senado. Depois, fez avançar uma proposta de emenda constitucional (PEC) sobre o porte de drogas, outro tema em análise na Corte. Não é exagero afirmar que, hoje, a FPA é a verdadeira bancada da oposição.
“Não é uma questão de protagonismo”, afirma o deputado Pedro Lupion (PP-PR). “Somos organizados. Temos uma equipe técnica qualificada. Tanto o governo quanto a oposição e os partidos sabem que, sem a FPA, ninguém aprovaria nada. Foram décadas para chegar a essa organização.”
Marco temporal
Um episódio recente mostra a força da bancada do agro. Na noite do dia 24, Pedro Lupion entrou no plenário do Senado para uma conversa ao pé do ouvido com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na ocasião, Pacheco presidia a sessão, mas parou o que fazia para atender o representante do agro.
O pedido foi direto: a FPA queria que a próxima sessão no Congresso Nacional, que iria analisar vetos presidenciais, também apreciasse os 34 vetos do presidente Lula ao marco temporal. Pacheco atendeu.
“Falamos que não aceitaríamos uma sessão do Congresso sem vetos ao marco temporal”, diz Lupion.
O marco temporal estava parado no Congresso havia 17 anos. Com o avanço do STF, passou pelo Senado em votação relâmpago. Lula vetou parcialmente a proposta, incluindo o trecho principal que determinava a Constituição de 1988 como o marco nas terras indígenas. O próximo passo será vetar a canetada do presidente.
“A FPA informa que os vetos realizados pela Presidência serão objeto de derrubada em sessão do Congresso Nacional, respeitados os princípios de representatividade das duas Casas Legislativas, com votos suficientes para a ação”, disse o grupo em nota. “Não aceitaremos qualquer interferência na prerrogativa legislativa do Congresso Nacional.”
O líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), tem se reunido nas últimas semanas com Lupion e com a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura. No Senado, aliás, a aproximação da frente do agro coincide com a mudança de postura de Rodrigo Pacheco em relação ao Supremo.
“O presidente Pacheco mudou completamente”, diz Lupion. “Tínhamos uma dificuldade enorme no Senado. Talvez esse nosso protagonismo seja resultado do trabalho da Tereza Cristina, do Zequinha Marinho (Podemos-PA) e do Rogério Marinho (PL-RN). O Pacheco enxergou a realidade do plenário, e a votação do marco temporal foi um divisor de águas. Do dia da votação em diante, ele passou a nos receber de peito aberto.”
Foram 43 votos, do total de 81 senadores, na aprovação do marco temporal. O trabalho, agora, é para manter esse quórum em pautas relacionadas ao próprio STF. O primeiro teste ocorreu no mês passado: uma emenda constitucional passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), limitando decisões individuais dos ministros da Corte e alterando regras para pedidos de vista. O texto precisa do crivo do plenário.
Outra emenda à Constituição estabelece tempo de mandato para os magistrados, e a idade mínima para indicação também está pronta para ser votada.
“A força vem da FPA. Sem dúvida nenhuma, atualmente, é a bancada mais forte do Congresso Nacional. Isso por uma série de fatores, entre eles a organização. A bancada realiza almoços e cafés da manhã para discutir temas, organiza as pautas”, afirma o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP). “A FPA, quando entra, é para ganhar. Não é a mais poderosa, é a mais organizada e mais pragmática”, diz Evair de Melo (PP-ES).
Na prática, é exatamente esse o papel da frente: organizar as pautas e juntar deputados de 18 partidos. Com isso, impede o governo de fechar acordos e entregar cargos em troca de votos no atacado — ou seja, como cota para o partido. A tarefa do governo, portanto, é mais árdua: amealhar votos no varejo. O principal exemplo foi a entrega de ministérios para PP, União Brasil e Republicanos, que não resultaram em votos suficientes dessas bancadas no plenário.
Nesta semana, a frente parlamentar comemorou outra vitória: uma série de mudanças no texto da reforma tributária. O texto reduz em 60% a alíquota de impostos do agro. A FPA propôs, ainda, ampliar a isenção de impostos para proteínas animais na cesta básica. Outro item que deverá ser alterado na Câmara é a distribuição do Fundo Constitucional. Houve um direcionamento excessivo para a Região Nordeste, segundo a frente. O texto final da reforma tributária foi aprovado no Senado, mas voltará para a Câmara.
As vitórias da FPA mostram que ainda há esperança no Legislativo brasileiro.
Leia também “Um governo misógino”
O sistema STF/TSE pode manipular indicadores de 10 postulantes ao cargo de presidente da república, mas é impossível a mesma trama para milhares de candidatos ao Congresso Nacional e estes sabem que o eleitor está e vem se informando cada vez mais.
Os deslizes e negociatas certamente terão reflexos nas urnas e muitos deixarão suas cadeiras para outros ocupantes.
Todos sabem que o consenso é difícil, mas ficar em cima do muro não trará resultados para ninguém.
São artigos como esses que me dão esperança…
mas infelizmente essa sensação passa rápido…
Muito boa matéria, Rute Moraes.
Ainda tenho um atrás com relação a FPA. É difícil crer nesses parlamentares, Lula tem comprado vários com emendas e cargos.
1) O Rodrigo Pacheco até pouco tempo estava totalmente a favor de pautas do governo Lula e do STF. Não sejamos inocentes, pois ele está utilizando a bancada do agro (FPA) para mostrar ao governo seu descontentamento em não indicá-lo a membro do STF.
2) A bancada do agro foi eleita pelo povo para elaborar e aprovar pautas e projetos em benefícios de todos os brasileiros e não somente em benefício do agronegócio, com a fundamentação de que o agro é quem lidera a economia e faz o Brasil andar para frente. Sem outros setores econômicos o agro não conseguiria evoluir e dar a contribuição atual.
3) É preciso que os congressistas fiquem de olhos e ouvidos atentos, para legislarem em favor do Brasil e dos brasileiros, através de projetos desenvolvimentistas sociais e econômicos.
Ótima reportagem!
Essa bancada é nossa única esperança em redemocratizar nosso pais. Atualmente não vivemos em uma democracia prevista na Constituição Federal.
Uma esperança que não vai se concretizar, pois todos os políticos estão a venda, eles querem é dinheiro, e sobre dinheiro ???? o PT sabe fazer as coisas, é uma organização, conseguiram aparelhar todas as instituições pra colocar um bandido na presidência. Misericórdia…
Todos frouxos. Os que não se venderam, ainda, para as emendas só fazem discursos para postar nas redes sociais.
Se realmente quisessem já teriam bloqueado a votação de vários projetos sobre diversos temas que prejudicam o futuro país.
Excelente matéria. O país precisa que o Congresso faça o seu papel. Defenda as pautas que a sociedade apoia e derrube os vetos irresponsáveis e incoerentes desse governo petista nefasto.