— Olá. Gostaria de marcar uma audiência.
— Pois não. Você é de onde?
— Do tráfico.
— Tráfego? Certo, você trabalha com fiscalização de trânsito.
— Tráfego, não. Tráfico. Eu trabalho com o tráfico.
— Ah, entendi. Mas não tem nada a ver com o crime, né?
— Trabalho com tráfico.
— Perfeitamente. Você quis dizer tráfico no bom sentido.
— Tráfico no sentido de proteger a boca com armamento pesado, fuzilar a concorrência, acuar a população, eliminar policiais e corromper autoridades. Enfim, tráfico.
— Entendi. Mas sem compactuar com ilegalidades e violência, certo?
— Somos pela paz. Só atacamos quem não nos deixa em paz.
— Nada mais justo. Aliás, que bela frase. Posso anotar?
— Pode.
— Não se preocupe que darei o crédito.
— Já? Mas eu ainda nem pedi.
— Falei que darei o crédito pela autoria da frase.
— Esse não precisa.
— Gostei de você. Está marcada a audiência. Qual é a pauta?
— Direitos humanos.
— É a minha especialidade.
— Ótimo.
— Vamos defender os direitos humanos de quem?
— Os nossos mesmo.
— Isso é importante. Se não nos protegermos, não podemos proteger os outros.
— Os outros que se danem.
— É isso. Nós contra eles. Nós somos o bem, os outros são o mal.
— Detesto os outros.
— Eu também.
— Os outros têm que sumir do mapa.
— Concordo.
— Tortura nunca mais.
— Hein?
— Isso mesmo que você ouviu.
— Poxa, que bacana saber que o tráfico é contra a tortura. Eu sabia que podia confiar em você.
— Estou falando da minha ONG.
— Ah, tá.
— Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
— Genial. Vou anotar essa também.
— Fica à vontade.
— Obrigado. Mais alguma coisa?
— As passagens.
— Que passagens?
— Ué, como é que eu e meus comparsas vamos chegar à audiência?
— Verdade! Nossa, estou com a cabeça na lua. Não se preocupe, as passagens serão providenciadas.
— Obrigado pela compreensão.
— Imagina. É o mínimo. Vocês vão precisar de escolta?
— Escolta? Tá tirando onda com a minha cara? A gente tem mais armamento que a polícia.
— Claro, claro! Não quis ofender. É que esse mundo de hoje tá tão perigoso, as cidades tão violentas…
— Eu acho que tá tudo calmo demais. Essa calmaria me irrita.
— Eu também sofro muito de tédio.
— Não é tédio. É ódio.
— Ódio no bom sentido, né?
— Ódio no sentido de só me acalmar quando vejo um ônibus pegando fogo que nem balão japonês.
— Ah, isso acalma mesmo. E tem gente que não entende como é difícil conseguir a paz, né?
— A única paz que existe é a do cemitério.
— Boa, essa. Vou anotar também.
— Vai anotando aí que eu preciso me adiantar.
— ONG dá muito trabalho, né?
— Vamos conversar sobre isso na audiência. Estou querendo que a minha organização não governamental seja governamental.
— A princípio não vejo problema. E o tráfico?
— Vai bem, obrigado.
Leia também “Hino Nacional: checamos”
Fiuza, seu sarcasmo está apurado!!
Como sempre, texto genial!!!
As ONG da bandidagem já são governamentais de fato. Não duvido que logo logo se encontre argumentação jurídica para serem governamentais de direito.
Genial, Guilherme Fiúza, muito obrigada!
Muito bom mesmo, parabéns.
Obrigada, Guilherme Fiúza, por esse diálogo muitíssimo provável. Só o humor inteligente nos salva de tanta mediocridade.
Fiúza !!! Sempre sensacional !! ????????????????????
É rir para não chorar !!
É o Brasil totalmente dominado pelo narcotráfico.
As melhores crônicas atuais na imprensa. Lembra Nelson Rodrigues
magnífico artigo Fiuza !
tem a linguagem dos caras heinnn ! (cuidado pq os manos não toleram qlq falha)
Genial!
MEU CARO FIUZA, VOCÊ CONTINUA INSUPERÁVEL. POR FAVOR, VOLTE PARA A TELA DA OESTE. PRECISAMOS DOS SEUS COMENTÁRIOS CERTEIROS, CORTANTES, PARA CONTINUARMOS NA LUTA.
Esse texto merece um daqueles vídeos que você fazia. Ótimo!
Tráfego é Tráfego. Governo é Governo. Ihhhhh… embolou no meio de campo!
A H-ironia, não é “hirochi-mas” mas, é o H que faltava para dizer que tudo é H-ipo-cri-sia……até mesmo para o povinho de uso do sapo-tenis barbudos da região da Faria Limers. Pqp tamu ferrado.
Excelente, querido Fiuza. Você é maravilhoso, sem igual! ????
Excelente esse artigo criativo do Fiúza. Uma pena que esse humor todo esteja prenunciando uma tragédia a brasileira.
Muito bom, eu não duvido de nada.
Fiuza: Peço perdão pela minha (quiçá) ingenuidade, mas esse pomposo diálogo, impregnado de comovente abnegação e lirismo, ocorreu no Brasil, entre pessoas daqui nativas?
Puxa! O povo precisa conhecê-las!
ÓTIMO!!!!!
Esse texto aí merecia ser colocado em vídeo como você fazia, Fiúza.
Disse tudo. Surreal o que vivemos. E com a total colaboração de boa parte do consórcio. Principalmente a “News”.
Fiuza, você é sempre brilhante no que faz!
Fiuza, vc é ótimo.