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Uma bicicleta de criança é vista no kibutz Nir Oz, no sul de Israel, após o ataque de 7 de outubro pelo Hamas | Foto: Evelyn Hockstein/Reuters
Edição 192

7 de outubro: a batalha pela verdade

Nunca tantas pessoas embarcaram em negação sobre atrocidades, como a barbárie promovida pelo Hamas

Frank Furedi
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Recentemente, tive um encontro desconcertante com alguns estudantes norte-americanos de intercâmbio em uma brasserie de Bruxelas. O grupo tinha acabado de participar de uma manifestação pró-Palestina, e nenhum deles conseguia entender meu apoio a Israel. Quando perguntei como eles podiam participar de um protesto como aquele depois das atrocidades de 7 de outubro, um deles respondeu: “Como você sabe que 7 de outubro realmente aconteceu?”.

Logo ficou claro que esses estudantes acreditavam que o pogrom de 7 de outubro provavelmente tinha sido inventado pelo governo israelense. De alguma forma, eles chegaram à conclusão de que a propaganda pró-Hamas nas redes sociais tinha mais probabilidade de ser confiável do que os relatórios da imprensa ocidental convencional. Não importava quantas atrocidades do Hamas eu mencionasse, o grupo presumia que eu era apenas um fantoche da propaganda israelense.

Esses estudantes estão longe de ser as únicas pessoas a se tornarem negacionistas do 7 de outubro. Roger Waters, do Pink Floyd, conhecido por sua feroz oposição a Israel, delineou os elementos-chave dessa narrativa quando apareceu em um podcast algumas semanas atrás. Ele afirmou que o relato israelense sobre o ataque de 7 de outubro era “muito suspeito” e que Israel havia “inventado histórias” sobre a violência que estava havendo contra crianças pequenas.

Veículos destruídos pelo Hamas durante o ataque de 7 de outubro a Israel | Foto: Ilan Rosenberg/Reuters

A maior parte das teorias da conspiração anti-Israel reconhece que algo aconteceu em 7 de outubro, mas alega que o número de mortos foi muito menor do que o reivindicado por Israel. De acordo com essa narrativa, o Hamas só atacou soldados, e não civis, e seus agentes não cometeram atrocidades como estupros e decapitações. Em vez disso, os israelenses são responsabilizados pelas mortes de seus próprios civis. O pogrom, afirmam, foi exagerado, encorajado ou orquestrado por Israel para justificar a invasão de Gaza e a matança de palestinos inocentes. Essa narrativa foi e continua sendo amplamente ecoada nas mídias sociais. Como um post no X que resume um vídeo e foi compartilhado mais de 44 mil vezes afirma:

Uma nova imagem das atrocidades de 7 de outubro está surgindo… [que] sugere que a principal missão do Hamas naquele dia era fazer reféns, e que a maioria das vítimas morreu porque as FDI [Forças Armadas de Israel] ‘bancaram o Hannibal’ em todo o mundo. Quer tenha sido intencional ou não, o resultado é que o regime israelense conseguiu a ‘justificativa’ de que precisava para cometer genocídio contra os palestinos restantes em Gaza e na Cisjordânia.

Da mesma forma, Farhan Siddiqi, imã da mesquita Dar Al-Hijrah, em Washington D.C., tentou eximir o Hamas de qualquer responsabilidade pelas atrocidades cometidas em 7 de outubro. Em um vídeo, ele aparece dizendo à sua congregação: “Me mostram vídeos e me dizem que estão decapitando bebês. Também me dizem que estão estuprando mulheres… E, quando vou investigar esses relatórios específicos, descubro que são todos mentirosos”.

Essa conversa sobre “as mentiras israelenses” costuma estar associada à afirmação de que os únicos massacres “reais” são aqueles cometidos por Israel. Um artigo intitulado Israel Lied. What Was Not Told about the 7 October Attack (“Israel mentiu. O que não foi revelado sobre o ataque de 7 de outubro”, em tradução livre) afirma que os israelenses “mentiram e cometeram massacres em Gaza com o apoio do Ocidente”.

Cerca quebrada em Kfar Aza, no sul de Israel, onde homens armados do Hamas entraram durante o ataque de 7 de outubro | Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

A narrativa negacionista está baseada em mais do que teorias da conspiração e em atacar a versão israelense dos eventos. Uma ideia predominante de “hiper-realidade” no mundo ocidental permitiu que ela ressoasse amplamente.

A hiper-realidade — termo associado ao trabalho do filósofo francês Jean Baudrillard — trata de um tipo de confusão cultural que surge quando as pessoas têm dificuldade em distinguir a realidade de uma simulação da realidade. Nessas condições, fica difícil chegar a um consenso sobre a verdade em relação a eventos que mudam o mundo, como o 7 de outubro. Como resultado, vivemos em um mundo em que versões diretamente contrastantes dos eventos correm paralelamente.

Em 1991, Baudrillard publicou uma série de ensaios intitulada The Gulf War Did Not Take Place (“A Guerra do Golfo não aconteceu”). Seu argumento não era o de que literalmente não houve a primeira Guerra do Golfo, mas o de que aquilo que de fato aconteceu na área tinha pouca relação com o espetáculo que foi apresentado pela mídia.

Alguns apoiadores de Israel instam o governo israelense a divulgar as imagens dos horríveis crimes cometidos em 7 de outubro. Eles acreditam que a única maneira de desacreditar as mentiras do Hamas é expor esses vídeos horrendos

Foto: Shutterstock

Uma versão vulgarizada da teoria de Baudrillard foi adotada por diversos comentaristas. Depois dos ataques terroristas islamistas em Paris em novembro de 2015, Hamid Dabashi, professor de estudos iranianos na Universidade Colúmbia, escreveu uma coluna para a Al Jazeera com o título The Paris Attacks Did Not Take Place (“Os ataques em Paris não aconteceram”). Dabashi criticou a mídia ocidental por se concentrar demais nas vítimas dos ataques em Paris, argumentando que o sofrimento delas deveria ser visto em um contexto global. O autor acreditava que a dor infligida ao Oriente Médio pelo Ocidente era muito mais relevante e real do que as mortes de 130 pessoas em Paris. O principal objetivo dessa tese era deslocar o foco de uma atrocidade para as supostas injustiças que teriam levado os terroristas a causar dor às suas vítimas.

Dabashi adotou a mesma abordagem apologética em relação ao 7 de outubro. “Antes do 7 de outubro, houve o 6 de outubro e, antes disso, uma sucessão de datas e fatos em um projeto colonial assassino de dominação e expropriação”, escreveu ele no Middle East Eye. Ele continua afirmando que, “enquanto o governo israelense e seus propagandistas sionistas tentam fetichizar o 7 de outubro, estamos aqui para desfetichizar e historicizar”. Isso é uma clara tentativa de despojar o ataque de qualquer significado e importância. E serve para desumanizar ainda mais as vítimas desse massacre.

Como podemos combater essa narrativa negacionista? Não há dúvida de que ela ganhou força no Ocidente, especialmente entre os jovens. Alguns apoiadores de Israel instam o governo israelense a divulgar as imagens dos horríveis crimes cometidos em 7 de outubro. Eles acreditam que a única maneira de desacreditar as mentiras do Hamas é expor esses vídeos horrendos.

Harrison Faulkner, um jornalista convidado pelo consulado israelense em Toronto para uma exibição privada das imagens, argumentou que esse filme deve ser mostrado ao público. “Liberar as imagens na íntegra é o que Israel deve fazer se quiser ter sucesso na longa luta contra o Hamas e o fundamentalismo islâmico”, declarou ele.

Sem dúvida, Faulkner tem um bom argumento. No entanto, ver imagens e assistir aos vídeos dos eventos pode não ser suficiente. A forma como as pessoas reagem ao que veem na tela é mediada por suas sensibilidades, visões e ideais preexistentes.

Foto: Branko Devic/Shutterstock

Afinal, imediatamente após o ataque, o próprio Hamas fez questão de se vangloriar de suas ações malignas. A maioria das imagens de 7 de outubro, de mulheres jovens sendo humilhadas ou civis sendo mortos a tiros, veio dos próprios homens do Hamas, que não fizeram nenhum esforço para esconder seu comportamento bárbaro. Mesmo assim, essas imagens horríveis que circularam na internet não causaram indignação entre as pessoas predispostas a ver Israel como a encarnação do mal. A reação de muitos espectadores, inclusive, foi celebrar o que viram.

Depois da minha conversa com os estudantes norte-americanos na brasserie, fiquei pensando como esses jovens bem formados podiam ficar tão indiferentes às vítimas do pogrom de 7 de outubro. E comecei a entender como e por que tantos espectadores fingiram não ver as atrocidades cometidas contra seus vizinhos judeus no passado.

Tudo isso traz à tona a reação de parte do movimento de trabalhadores britânico aos relatos dos massacres de judeus em Hebrom e em outros locais, em 1929, do que na época era o Mandato Britânico Palestino. Quando os funcionários oficiais britânicos noticiaram “atos de selvageria indescritível”, Beatrice Webb, a grande dama da Sociedade Fabiana socialista, reagiu com uma indiferença calculada. “Não entendo por que os judeus fazem tanto alarde por causa de algumas dezenas de compatriotas mortos na Palestina”, comentou ela. “A mesma quantidade de pessoas morre todas as semanas em acidentes de trânsito em Londres, e ninguém presta atenção.”

Hoje, muitas pessoas reagiram ao 7 de outubro de maneira semelhante. Nossa primeira prioridade para combater essa apatia é garantir que um relato verdadeiro do ataque tenha mais influência. As histórias daqueles que foram vítimas do pogrom de 7 de outubro — por mais angustiantes e dolorosas que sejam — precisam ser contadas.

Só isso não será suficiente para desacreditar as mentiras cínicas perpetuadas por aqueles que desejam negar ou minimizar o massacre de 7 de outubro. Mas é um ponto importante por onde começar.


Frank Furedi é diretor-executivo do think tank MCC-Bruxelas.

Leia também “A exploração política das crianças”

2 comentários
  1. ARIOVALDO HERMINIO BRAGA
    ARIOVALDO HERMINIO BRAGA

    E nós é que somos negacionistas, homicidas, genocidas e nazistas…
    Eles são o mais puro amor que já chegou neste nosso planeta.

  2. Themis Regina França Koteck
    Themis Regina França Koteck

    Sou a favor de que Israel mostre ao mundo , as imagens do massacre ocorrido em Israel. O antissemistismo está rolando solto e alguma coisa precisa ser feita , para enfrentar estes negacionistas.

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