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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 196

A agonia do varejo brasileiro

Poucas empresas do setor conseguiram manter o balanço em território positivo, mas amargaram quedas expressivas nos lucros

Carlo Cauti
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“O varejo no Brasil não está em crise. É que o mercado não está amando muito os varejistas.” Com esse malabarismo verbal o ex-controlador do Grupo Pão de Açúcar, Abilio Diniz, de 86 anos, tentou explicar as dificuldades que o setor de varejo brasileiro está vivenciando nos últimos meses. 

Os números mostram outra realidade. Os resultados das empresas de varejo nos últimos trimestres foram desastrosos. O próprio Grupo Pão de Açúcar registrou prejuízo líquido consolidado de mais de R$ 1,2 bilhão. Uma cifra negativa cerca de 420% maior do que a registrada no mesmo período de 2022, quando a empresa, seguindo uma tendência comum de boa parte do varejo brasileiro, também teve prejuízo.

O Pão de Açúcar não está sozinho neste momento desolador. O grupo Casas Bahia fechou o terceiro trimestre com uma piora de aproximadamente 300% em seu prejuízo, que alcançou mais de R$ 800 milhões. O Magazine Luiza registrou prejuízo operacional de R$ cerca de 140 milhões, um aumento de quase 15% no rombo, na comparação com o mesmo período do ano passado. Só conseguiu fechar as contas no azul graças a créditos tributários. O segundo trimestre havia sido ainda pior, com um passivo de R$ 300 milhões, uma piora de mais de 120% na comparação com 2022. A Guararapes, dona da Riachuelo, reverteu o lucro do ano passado e registrou um prejuízo líquido de R$ 70 milhões.

A Americanas, por sua vez, nem sequer divulgou os números deste ano. A empresa, que já foi uma das maiores varejistas do Brasil, entrou em recuperação judicial em janeiro após a descoberta de fraudes contábeis que maquiaram seus números nos últimos anos. Um abismo ainda não totalmente quantificado, mas que poderia chegar a R$ 40 bilhões. 

Alguns dos tradicionais grupos de varejo brasileiros não resistiram e pediram recuperação judicial este ano. É o caso da Tok&Stok, da Amaro e da Lojas Marisa. Outros tiveram a falência decretada pela Justiça, como a Livraria Cultura. Há também os que estão em condição periclitante, como a Centauro, que fechou lojas, viu o lucro cair pela metade e está renegociando uma dívida de R$ 715 milhões com os bancos. 

O varejo segue o andamento geral da economia brasileira. O número de empresas que decretaram recuperação judicial subiu quase 60% nos primeiros oito meses do ano, na comparação com 2022, segundo dados da Serasa Experian. 

Poucos varejistas conseguiram manter o balanço em território positivo, mas amargaram quedas expressivas nos lucros. É o caso da Lojas Renner, que no último trimestre registrou uma queda de 32% no lucro. Ou do Carrefour, que sofreu com uma derrocada de 60% nos ganhos. A Petz, loja de produtos para animais domésticos, teve uma queda de quase 86% no lucro. 

Desde o começo do ano as empresas estão mostrando em seus resultados trimestrais uma contração progressiva, e cada vez mais rápida, dos lucros.

Nem mesmo ocasiões de gastança desenfreada conseguiram alavancar as vendas do varejo. A Black Friday de 2023 foi a segunda pior da história, com uma queda de 15% nas vendas em relação a 2022. Nem mesmo o Dia das Crianças salvou o resultado, com a venda de brinquedos caindo quase 5%. O setor de vestuário e artigos esportivos recuou mais de 3%. Contando que 60% do faturamento do varejo tradicionalmente ocorre no segundo semestre do ano, graças a essas datas e ao Natal, o cenário parece cada vez mais preocupante. 

Foto: Shutterstock
Bolsa de valores mostra o tamanho do desastre

O andamento das ações dessas empresas na bolsa de valores brasileira, a B3, mostra nitidamente a agonia do varejo no país. As ações da Casas Bahia caíram aproximadamente 79% no mesmo período. O grupo Pão de Açúcar vale 75% menos do que há um ano. A Petz perdeu cerca de 40% no período. 

Até mesmo as ações do Magazine Luiza, que nos últimos anos tinham se tornado uma das ‘queridinhas’ dos investidores pessoas físicas, perderam cerca de 50% de seu valor nos últimos 12 meses. Coincidência interessante, se considerarmos que a controladora da empresa, Luiza Helena Trajano, é apoiadora declarada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Setor em franca desaceleração

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o varejo vem perdendo força desde o começo do ano. Em janeiro, o setor cresceu 4%, mas, nos meses seguintes, os resultados foram cada vez mais tímidos, com variações próximas a zero ou até mesmo negativas. 

Em outubro, cinco das oito atividades que integram o comércio varejista registraram perdas nas vendas. A Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE mostra que a pior queda ocorreu no segmento de equipamentos e materiais para escritórios, informática e comunicação. Justamente o setor com maior margem de lucro para os varejistas. 

Além dos resultados, o que impressiona entre os varejistas é o humor. A confiança no futuro está cada vez menor. Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), seis em cada dez empresários perceberam uma piora no desempenho das vendas em dezembro. O maior porcentual desde junho de 2021.

Consequência direta disso é a redução dos investimentos previstos pelas empresas do setor. A Petz, por exemplo, já anunciou que vai abrir menos lojas do que o previsto neste ano e fazer cortes na previsão para 2024.

A aprovação da Reforma Tributária é uma das razões desse pessimismo. O setor de comércio e serviços está se preparando para um aumento considerável da carga tributária. A reforma foi muito além de seu escopo originário de redistribuir impostos entre agricultura, indústria e serviços, como o varejo, considerado indevidamente beneficiado pelo sistema vigente. A quantidade desproporcional de exceções incluídas no texto significa alíquotas muito mais elevadas para quem não estará entre os beneficiados — caso dos comerciantes. 

Ilustração: Shutterstock

Como se não bastasse, mais nuvens burocráticas aparecem no horizonte do varejo. Um exemplo é a MP nº 1.185, que tributa os incentivos fiscais e tem a possibilidade de acabar com o parcelamento de juros nas compras a prazo. Sem contar a incerteza jurídica cada vez maior provocada por decisões extemporâneas do governo federal, como a recente alteração da regulamentação das geladeiras, que vai levar o modelo mais barato disponível a custar mais de R$ 5 mil.

“Tudo isso está levantando preocupações significativas no setor varejista”, explicou Kelly Carvalho, assessora econômica da FecomercioSP. “Essas medidas adotadas pelo Executivo estão exercendo uma influência negativa substancial sobre o comércio. Eventuais decisões governamentais podem gerar um efeito cascata, afetando outros setores e produtos relacionados. A falta de acessibilidade a eletrodomésticos ou ao parcelamento sem juros pode comprometer o poder de compra dos consumidores e diminuir a circulação de dinheiro no mercado, o que, por sua vez, prejudica a saúde financeira das empresas varejistas.” Para a especialista, o governo deveria considerar “o impacto econômico de suas políticas, promovendo um diálogo aberto e colaborativo com os representantes do setor varejista”.

A inflação elevada acaba forçando o Banco Central a manter os juros altos por mais tempo, o que deprime ainda mais as vendas do varejo

A opinião é compartilhada com Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar). “É muito estranho o que está acontecendo”, disse. “O governo está dando atenção para questões ambientais, que são importantes, mas esquece que o homem faz parte desse ambiente. É o ator mais importante desse cenário. O varejo não está vendendo, e o Executivo acaba impactando negativamente um cenário já deprimido com ações repentinas como essa. É incompreensível.”

Medidas inadequadas e insuficientes 

A tentativa do governo de sustentar o consumo através da velha fórmula petista de estímulos, como o programa Desenrola ou o aumento do salário mínimo e de outros benefícios, parece não ter dado certo. 

O Mapa da Inadimplência no Brasil, da Serasa, mostra que o número de brasileiros que não pagaram suas dívidas se manteve estável ao longo de todo o ano, com mais de 71 milhões de inadimplentes, ou 41% dos brasileiros maiores de 14 anos. No mesmo período de 2022, eram cerca de 69 milhões. O Desenrola foi insuficiente para reduzir esse patamar, que, por sinal, agregou quase 1 milhão de pessoas entre janeiro e novembro de 2023.

“O Desenrola teve um efeito positivo, de oxigenação da base do consumo, mas foi marginal”, salienta Felisoni. “Essas políticas anticíclicas keynesianas têm alguma validade em momentos de crise, mas não são sustentáveis. E podem levar à situação de gangrena econômica, como no caso da Argentina, onde o Estado avançou nas atividades econômicas ao financiar o consumo de forma absolutamente incompatível com o processo de geração de riqueza. É preciso que haja realismo. O déficit fiscal é um problema. A única forma de aumentar as vendas do varejo é garantir um aumento sustentável do poder de compra do brasileiro.”

Problema do varejo é um só: inflação

Os analistas do setor concordam que o problema do varejo hoje é um só: a inflação. “A inflação persistente corroeu o poder de compra dos consumidores”, diz Carvalho. “Especialmente os menos abastados, pois a inflação é regressiva. O aumento dos preços dos produtos e serviços essenciais afeta diretamente a capacidade de consumo da população, criando um ciclo desafiador para a economia.”

Foto: Bits and Splits/Shutterstock

A inflação elevada acaba forçando o Banco Central a manter os juros altos por mais tempo, o que deprime ainda mais as vendas do varejo. Segundo os dados compilados pela plataforma TradeMap, desde que os juros começaram a subir no Brasil, o varejo encolheu o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) do Uruguai. 

“O presidente Roberto Campos Neto fez um trabalho excelente”, destaca Felisoni. “A inflação baixou graças à atuação do Banco Central. Mas, se não tivéssemos esse déficit fiscal descontrolado, os juros poderiam baixar ainda mais. Com benefício de todo o setor. Hoje estamos pagando cerca de 87% de juros para o varejo. É um cenário muito complicado.”

O executivo lembra que “a inflação é alimentada pelo déficit fiscal. Mas o próprio presidente Lula já declarou em várias ocasiões que o rombo nas contas públicas não seria um problema. Isso criou uma situação de grande instabilidade, que contraria o próprio ministro da Fazenda e piora as expectativas do setor”. 

Riscos para o futuro

Os três fatores que mais preocupam o setor de varejo no futuro próximo são uma possível desaceleração da economia brasileira, que impactaria diretamente as vendas, um aumento no número de recuperações judiciais e a concorrência desleal do exterior. 

As previsões para o PIB de 2024 não são otimistas. Assim como a previsão dos juros, que deverão permanecer por volta de 9% ao ano. “A crise da Americanas desencadeou uma profunda desconfiança entre os bancos em relação às empresas do setor de varejo”, explica Felisoni.

O endividamento do setor cresceu 176% nos últimos anos, principalmente por causa de empréstimos tomados pelas redes em 2015 e 2016 para fazer frente a outra grave crise econômica: a deixada pelo governo da presidente Dilma Rousseff. Existe uma dificuldade cada vez maior das varejistas de obter crédito bancário. E essa asfixia de liquidez poderia condená-las à falência. 

Por último, a concorrência desleal de plataformas on-line, com as chinesas Shopee e AliExpress, que importam produtos com preços extremamente competitivos. Muitas vezes elas burlam a legislação vigente, como demostra a polêmica sobre a imposição de tributos para importações de até US$ 50. 

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Foto: Freepik

Mas o desafio vem também de grupos consolidados e presentes no Brasil, como o Mercado Livre, que inseriu no mundo digital pequenos negócios — como os armarinhos da Rua 25 de Março em São Paulo. Eles disputam clientes lado a lado com as grandes redes, mas com uma eficiência muito maior, já que gozam do Simples Nacional, e os varejistas são obrigados a seguir a tributação ordinária, muito mais onerosa. 

“Uma abordagem mais equilibrada e orientada para o desenvolvimento sustentável pode ajudar a evitar consequências negativas para o comércio e, ao mesmo tempo, atender às preocupações regulatórias”, diz Carvalho.

No meio da crise do varejo tradicional, é interessante notar que um setor não esteja sofrendo: o de luxo. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael), esse mercado cresce em um ritmo de 50% ao ano. É paradoxal que isso ocorra justamente durante o governo do Partido dos Trabalhadores (PT).

Leia também “O conflito da Sabesp”

12 comentários
  1. Elias
    Elias

    O varejo brasileiro foi o grande estimulador da inflação dos anos idos…Acabou a inflação, acabou a ciranda das empresas que vendiam dinheiro…Quanto ao aumento dos artigos de luxo, a volta da esquerda sem compromissos, alavancou as vendas…eja Janja, Greisi, et caterva

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Brasil ladeira abaixo.

  3. Cezar Augusto Beretta Bagesteiro
    Cezar Augusto Beretta Bagesteiro

    Acredito que estamos em meio a umas das maiores tempestade , terremotos e tsunami, chamdo pt(minúsculo) e mais a tempestade congresso e congressistas, estes se locupletando, mas uma empresas amigas do rei incompententes e muito mal geridas, puxando estes números ! Infelizmente se não tivermos um reforma fiscal justa este País vai parar! Mas acredito que isto é o que o sistema quer!

  4. Cezar Augusto Beretta Bagesteiro
    Cezar Augusto Beretta Bagesteiro

    Acredito que estamos em meio a umas das maiores tempestade , terremotos e tsunami, chamdo pt(minúsculo) e mais a tempestade congresso e congressistas, estes se locupletando, mas uma empresas amigas do rei incompententes e muito mal geridas, puxando estes números ! Infelizmente se não tivermos um reforma fiscal justa este País vai parar! Mas acredito que isto é o que o sistema quer!

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Entrega logo esse país a Bolsonaro e Paulo Guedes, bando de ladrão incompetentes!!!!!!!!

  6. Marcelo Alvarez Rocha Meirelles
    Marcelo Alvarez Rocha Meirelles

    Acredito que um dos fatores que contribuem para está derrocada do varejo é a venda direta de grandes fabricantes, como a Brastemp, Electrolux, dentre outros, que preferem vender agora diretamente ao consumidor do que arriscarem vender aos varejistas e não receber, além de terem margens muito melhores.

  7. Oldair Dorigon Bianco
    Oldair Dorigon Bianco

    Mas tudo é feito com amor ???? ????, vamos todos participar do bacanal!

  8. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Os PTralhas como sempre privilegiando os amigos do rei e da sua entourage.

  9. Enoch Bruder
    Enoch Bruder

    Ou o sistema tira a carreta furacão pilotada pelo lulles e seus quarenta comparsas do comando ou fica assim mesmo, tipo ali baba e seus quarenta ladroes. BRAZUELA ladeira abaixo e todo
    mundo mandando fod@- se pra todo mundo!!’Oh beleza, carnaval , bundalelê e futebol é já já, tá show! Na globes!!Vamos a acompanhar o pinguço, tomar mais uma que o’Jabá da patralhada está garantido!’

    1. Route 66
      Route 66

      Enquanto não quebrarem completamente a classe média e a colocarem de joelhos, implorando migalhas, não se darão por satisfeitos

    2. Cezar Augusto Beretta Bagesteiro
      Cezar Augusto Beretta Bagesteiro

      Perfeito

  10. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Excelente artigo de Carlo Cauti. Esclarecedor e didático. Moro no bairro de Pinheiros na cidade de São Paulo, o pequeno comércio varejista sempre foi seu forte legado. Dotado de muita variedade,bons preços, o cliente poderia encontrar tudo que quisesse, principalmente na área de metais,pisos, luminárias e até móveis. Venceu o fechamento do Covid e conseguiu abrir suas lojas,mas desde o início desse ano o pequeno comércio vem sofrendo perdas constantes,devido aos motivos descritos por Cauti. Aluguéis caros e lucros insuficientes fecharam definitivamente seus negócios. Os imóveis estão à venda para as grandes construtoras.

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