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Nicolás Maduro, ditador venezuelano, em Caracas, na Venezuela, em um evento no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), depois que os eleitores rejeitaram a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça (CIJ) sobre a disputa territorial do país com a Guiana e apoiaram a criação de um novo estado rico em petróleo, Essequibo (4/12/2023) | Foto: Reuters/Leonardo Fernandez Viloria
Edição 196

O Henrique V de Caracas

Uma guerra curta e vitoriosa pode fazer maravilhas pela popularidade de um líder

Theodore Dalrymple
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Em Henrique V, drama superficialmente patriótico de William Shakespeare — muito usado durante a Segunda Guerra Mundial para elevar o moral inglês quando a derrota ainda parecia possível, ou até provável —, uma grande vitória estrangeira legitima um rei que sabemos ser constitucional e politicamente ilegítimo.

Henrique V só é rei porque é filho de Henrique IV, que usurpou o trono de Ricardo II sem justificativa. No momento de seu maior triunfo na peça, Henrique V discorre sobre seu sentimento de culpa, embora não renuncie ao trono por causa dele: nenhum sentimento de culpa é forte o bastante para fazer um homem abrir mão de tanto poder. Mas sua grande vitória na Batalha de Agincourt seria revertida durante o reinado de seu filho ineficaz, o devotado Henrique VI, como se obedecesse a algum julgamento cósmico.

Capa do livro Henrique V, de William Shakespeare | Foto: Reprodução

Ou seja, que aventuras estrangeiras bem-sucedidas podem salvar líderes ilegítimos já foi compreendido há muito tempo, subconsciente se não conscientemente. Uma aventura estrangeira une, pelo menos por um tempo, uma nação que estava dividida, desunida e até em vias de uma guerra civil. Uma guerra curta e vitoriosa pode fazer maravilhas pela popularidade de um líder. Ter um inimigo estrangeiro para odiar faz uma nação se lembrar do que une a população, em vez de dividi-la. Claro, a derrota muitas vezes tem o efeito oposto: a dissensão recomeça de forma ainda mais vigorosa do que o normal, e os líderes que apostaram na guerra às vezes perdem não apenas a guerra, mas também a vida.

Será que Nicolás Maduro quer uma guerra curta e vitoriosa que permita a ele anexar a região do Essequibo, que atualmente constitui dois terços do território vizinho da Guiana?

Acredito que a jogada é bastante astuta, da perspectiva limitada e de curto prazo de um líder que está se mantendo de forma um tanto precária no poder. Se for bem-sucedido, ele será um herói nacional, e todos vão esquecer por um tempo que um quinto da população do país fugiu das consequências econômicas de suas idiotices. Mas, se falhar por causa da intervenção norte-americana, Maduro poderá alegar que é o imperialismo norte-americano que, desde o início, impede intencionalmente a Venezuela de se tornar o paraíso socialista que ela seria se a situação fosse outra. De qualquer forma, ele tem algo a ganhar.

Por que a Venezuela precisa de mais petróleo? Ela já tem, de longe, as maiores reservas de petróleo do mundo, embora, graças às políticas de Maduro, seja incapaz de fazer uso delas

Mas Maduro está blefando? O problema é que quem blefa parece fraco e ridículo caso continue o blefe sem nunca levar suas ameaças a cabo; ele pode, portanto, ser levado à imprudência.

Talvez ele espere que os Estados Unidos estejam preocupados demais com Israel, a Ucrânia e Taiwan para levar a questão da Guiana a sério; afinal, no momento, o Essequibo tem apenas 120 mil habitantes, o que significa menos de uma pessoa por quilômetro quadrado. No entanto, os Estados Unidos podem não ver com bons olhos o cancelamento unilateral de contratos assinados pela Guiana com a Exxon Mobil. Seria imprudente contar com a passividade norte-americana.

Talvez Maduro também espere que o Brasil, em nome da solidariedade latino-americana, gentilmente permita que as tropas venezuelanas atravessem o território brasileiro para chegar ao Essequibo, cuja concessão em 1899 à Guiana Britânica e, portanto, a seu Estado sucessor, a Guiana, a Venezuela nunca aceitou. Ele pode esperar que um pouco de retórica anticolonialista angarie solidariedade, embora todos os países latino-americanos sejam, na verdade, Estados sucessores de impérios, assim como a Guiana.

Lula e Maduro
Nicolás Maduro e Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Ricardo Stuckert/PR

A reivindicação venezuelana de Essequibo tornou-se mais urgente e insistente desde que petróleo foi encontrado por lá. (Acreditava-se que grandes quantidades de petróleo estavam sob o Gran Chaco, o que provocou a Guerra do Chaco, de 1932 a 1935, entre Paraguai e Bolívia. Os argumentos de cada lado — com a Bolívia alegando jurisdição porque a área estava contida no vice-reinado do Peru antes da Independência, e o Paraguai declarando ocupação efetiva por muito tempo — eram estranhamente semelhantes aos da Venezuela e da Guiana sobre a área de Essequibo hoje. Não foi encontrado petróleo nem gás por muito tempo no Gran Chaco, e por ironia da história foi encontrado gás muito tempo depois apenas na pequena parte do território concedido ao lado perdedor, a Bolívia. Mas quase 100 mil pessoas morreram na guerra.)

Por que a Venezuela precisa de mais petróleo? Ela já tem, de longe, as maiores reservas de petróleo do mundo, embora, graças às políticas de Maduro, seja incapaz de fazer uso delas. De toda forma, o petróleo tem sido uma maldição para a Venezuela, transformando-a em uma nação de rentistas, na qual o controle das receitas do petróleo e da forma como devem ser distribuídas — como uma espécie de presente à população — há muito tempo é a questão essencial.

Vi algo semelhante na Nigéria, onde o petróleo também era inquestionavelmente o produto econômico mais importante, com efeitos terríveis no resto da economia. O conflito político gerado pelo controle do petróleo levou ao enforcamento da única pessoa que já conheci pessoalmente a ser executada.

Aconteceu o seguinte: Ken Saro-Wiwa era um famoso autor nigeriano que eu encontrava sempre que ia à Nigéria ou ele vinha a Londres. Ele era de uma pequena tribo chamada Ogoni, cujas terras e áreas de pesca, infelizmente para a população, ficavam na área produtora de petróleo do país. Os poços de petróleo arruinaram tanto a terra quanto as áreas de pesca, e as chamas de gás que brilham à noite nos poços significavam que nunca mais haveria escuridão completa. 

Ogoni não se beneficiou em nada com a extração de petróleo: nenhum dinheiro foi devolvido à área. Saro-Wiwa iniciou um movimento para mudar isso. Ele queria compensação para seu povo pela degradação de suas terras ancestrais, áreas de pesca e modo de vida. O movimento rapidamente ganhou força, mas representou um desafio para o governo da época, que (é claro) estava se apropriando das receitas do petróleo. Sendo uma séria ameaça ao corrupto status quo, Saro-Wiwa foi preso sob uma acusação fabricada e condenado à morte por um tribunal militar. Dizem que foram necessárias cinco tentativas para enforcá-lo, e suas últimas palavras foram: “Neste país, não conseguem nem enforcar um homem direito”. Assim, sem a mais estrita probidade, o que parece ser um presente de Deus para um país em termos de recursos naturais acaba sendo uma maldição. Quando ouvimos (como costumamos ouvir) que um país é pobre apesar de sua riqueza em recursos naturais, deveríamos ouvir com mais frequência (como raramente ouvimos) que um país é pobre por causa de seus recursos naturais — combinados, é claro, com a maldade ou a estupidez humana.

Ken Saro-Wiwa, escritor nigeriano e ativista ambiental, condenado à morte e enforcado em 1995 | Foto: Wikimedia Commons

Leia também “Milei e o fantasma de Perón”

5 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Sonho um dia ver o Brasil consolidado na política interna, e ampliando seu território. Inclusive chegando ao Oceano Pacífico. Quem sabe um dia…

    1. Vanessa Días da Silva
      Vanessa Días da Silva

      Eu já sonho o oposto. Fragmentação completa e cada estado prosperar conforme sua capacidade. Tem estados que seriam paises de primeiro mundo, mas infeluzmente estão presos a parasitas.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Não sei o que dizer com tanta estupidez nesses socialistas

  3. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    Ótimo artigo !

  4. MB
    MB

    Também lä, por trás da visível ditadura de Maduro, estão as FFAA venezuelanas

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