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Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Senado/Divulgação
Edição 197

O ano fora da lei

O ministro que celebrou a liberdade em 2018 agora comanda os devotos da censura

Augusto Nunes
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A campanha presidencial de 2018 ainda engatinhava quando o PDT, amparado numa lei aprovada no fim do século 20, requereu a imposição de restrições à cobertura jornalística da disputa nas urnas. Imediatamente, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade destinada a anular as normas legais invocadas pelo partido. Apresentado em 21 de junho, e endossado por todos os ministros presentes à sessão, o voto do relator Alexandre de Moraes ergueu um monumento à liberdade de expressão e enterrou a censura em cova rasa. Confira alguns trechos.

“A democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.” 

“São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico. Não se pode permitir qualquer possibilidade de restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes.”

“O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional.”

“O fato de a radiodifusão sonora e de sons e imagens constituir serviço público não representa um fator relevante de diferenciação em relação a outros veículos de comunicação social, no que se refere à proteção das liberdades de expressão, imprensa e informação.”

“Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o poder estatal de que ela provenha.”

“A Magna Carta Republicana destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. (…) O exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. É da essência das atividades da imprensa operar como formadora de opinião pública e necessário contraponto à versão oficial das coisas.”

“A liberdade de imprensa (…) não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. O direito à informação, conferido ao cidadão individualmente, implica o reconhecimento de correspondente liberdade aos agentes envolvidos na atividade de comunicação social de não se submeterem a qualquer censura.”

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

“A liberdade de expressão permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público.”

“A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional, menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado.”

“Embora não se ignorem certos riscos que a comunicação de massa impõe ao processo eleitoral — como o fenômeno das fake news , revela-se constitucionalmente inidôneo e realisticamente falso assumir que o debate eleitoral, ao perder em liberdade e pluralidade de opiniões, ganharia em lisura ou legitimidade.”

“A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos. É imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público.”

“A garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático.”

“Todas as opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta. O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Vale também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe sociedade democrática.”

“Nos Estados totalitários no século passado — comunismo, fascismo e nazismo —, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista, seja pela criação do comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção da multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da democracia.”

“O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos — moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos. É no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.”

O que terá acontecido? Um fato inesperado talvez decifre o claro enigma. Em junho de 2018, aos olhos dos superdoutores togados, Jair Bolsonaro era um aventureiro fadado ao fiasco eleitoral (e Lula, já com as portas da cadeia entreabertas, liderava as pesquisas). A vitória do Grande Satã do Supremo pode explicar por que Moraes, com o apoio militante dos que aplaudiram o parecer histórico, tenha dedicado os anos seguintes à missão de trucidar a Constituição, revogar a liberdade de expressão e ressuscitar a censura. Os governantes do Pretório Excelso vão festejar no Réveillon a mais recente façanha: graças ao que andaram fazendo entre janeiro e dezembro, 2023 será lembrado como o mais sórdido dos Anos Fora da Lei.

Foto: Montagem Revista Oeste/Midjourney

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39 comentários
  1. Maria da Conceição Oliveira Campos
    Maria da Conceição Oliveira Campos

    AUGUSTO NUNES SEMPRE SEMPRE CIRÚRGICO E FUNDAMENTADO

  2. Marcos Bovolon
    Marcos Bovolon

    O texto sobre Liberdade de Expressão deve ter sido escrito por algum estagiário que pesquisou artigos em bibliotecas dos Estados Unidos, ou foi deliberadamente abolido após a criação do tal “Estado Democrático de Direito” com base na Desconstituição Federal do Brasil.

    1. Luiz Carlos de moraes
      Luiz Carlos de moraes

      NÃO SEI ONDE ESTÁ OU ONDE MORA A DEMOGRACIA BRASILEIRA; O STF ESTA ENGOLINDO TUDO,SEM PUDOR E SEM CARÁTER.

  3. Armando Garcia Martins
    Armando Garcia Martins

    Essa é a consequência dos “isentões”, que não votaram em Bolsonaro por nojinho, temos hoje a escalada dos subterrâneos de uma Justiça bizarra. Esperemos que nas próximas eleições nos unamos para poder resgatar o Brasil dessa malta…

  4. EDUARDO SANTALUCIA JUNIOR
    EDUARDO SANTALUCIA JUNIOR

    Caro Augusto. Leio suas colunas e assisto diariamente o Sem filtro. Eu que sou uma voz rouca das ruas me sinto representado pelos profissionais da bancada que me ecoam e principalmente você pela coragem de suas colocações então nem digo. Hoje assisti a entrevista do adv. Dr. André Marsiglia e após sua pergunta e a resposta dele cheguei a conclusão que não temos, nem com o congresso e nem com o executivo, como resolver o impasse que se instalou no País, pois estão todos mancomunados. O judiciário na figura dos ministros do STF, juntamente com as armas da força, vem constantemente ferindo de morte nossa constituição e através de decisões TOTALMENTE INSCONTITUCIONAIS, ANTIDEMOCRATICAS E COM PRISÕES ARBITRÁRIAS MEDIANTE A FORÇA DAS ARMAS, não temos como resolver e não é indo as ruas, pois temos medo de levar um tiro dessas forças arbitrárias, assim não temos solução. Para combater essa agressividade somente outra forças armadas poderiam nos acudir, mas essas estão comendo picanha no domingo. Nem com juízes sérios e cumpridores da lei podemos contar, pois hoje assisti a live do Dep. Gayer com o depoimento da Dr. Ludimila onde ela comprova o que acabei de colocar acima. Espero que você leia esta mensagem para você se cuidar.

  5. Fernando Maximiano Lucena de Aquino
    Fernando Maximiano Lucena de Aquino

    Democracia circunstancial. É por isso que verdadeira prova de caráter é a ação em circunstâncias inesperadas.

  6. Fernando Maximiano Lucena de Aquino
    Fernando Maximiano Lucena de Aquino

    Democracia circunstancial. É por isso que verdadeira prova de caráter é a ação em circunstâncias inesperadas.

  7. Rosalia Alvim Saraiva
    Rosalia Alvim Saraiva

    Lula vai reunir ministros e governadores dia 8 de janeiro para comemorar o quê mesmo? Só se for oara homenagear as autoridades do governo que coordenaram “o golpe”.

  8. Helio Silva Fialho
    Helio Silva Fialho

    Realmente foi um Ano Fora da Lei porque a Ditadura da Toga descartou a Constituição Federal do Brasil no lixo.

  9. Jose Cesar Rosa
    Jose Cesar Rosa

    Sem projeto de NAÇÂO como estamos hoje, 2024 promete ser mais sórdido que 23. Nada mudou no politburo, aliás piorou. Deus nos salvem.

  10. Sandra Mara de A Machado
    Sandra Mara de A Machado

    Infelizmente os mal intensionado detém o poder.

  11. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Só comprova a atuação direcionado contra Jair Bolsonaro e seus seguidores. Agem por interesses próprios, e não pelo Direito.

  12. Daniel BG
    Daniel BG

    Não foi pela liberdade de expressão e sim pela sabotagem e infiltração nos meios acadêmicos e jornalísticos que a esquerda usurpou o poder que “emana do povo”. Os sindicatos e funcionalismo público, agora ainda mais aliados à esquerda, perderam sua dignidade e criaram um falso bem: o direito de espoliar a verdade, a propriedade e o direito individual.

    Resgatemos o direito da liberdade de expressão em seus valores máximos! Para o bem das futuras gerações.

  13. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Por onde anda? De que se alimenta? Como dorme?
    Alguém esse Alexandre por aí?

  14. Jonas Ferreira do Nascimento
    Jonas Ferreira do Nascimento

    Como sempre, certeiro, né, grande Augusto? A resposta a tua questão deve ser a de sempre: todo ser de bom pensar muda de opinião. Kkk

  15. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Perfeito. O ano 2023 “o mais sórdido dos Anos Fora da Lei”. Entretanto, talvez seja cedo para fixar esse título. O ano de 2024 começa e tudo indica que talvez seja mais sórdido ainda que 2023. Pelo caminho que o país vai trilhando, tudo deve piorar e a repressão e a censura serão cada vez mais intensas.

  16. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    sensacional artigo Augusto Nunes !

    esse cara cretino, o cabeça de ovo, tá querendo se candidatar ao cargo de Deus !
    ele só pode estar com essa intenção !

  17. Frederico Oliveira dos Santos Melo
    Frederico Oliveira dos Santos Melo

    Excelente texto! Escancara toda a hipocrisia da ditadura de toga vigente. Um feliz ano novo!

  18. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    E a ilustração está arrasadora.

  19. Guilherme Marchiori de Assis
    Guilherme Marchiori de Assis

    Em Gênesis 3:17 Deus diz a Adão que a Terra era maldita por conta de seu erro. Podemos dizer, hoje, com absoluta certeza, que maldito é o Brasil por conta do STF e Lula!

  20. Leonardo Soares de Senna
    Leonardo Soares de Senna

    Parecer brilhante do Careca, não!? Acho que devem ter sedado o moço e levado a uma visita ao inferno… só pode!

  21. marionnohel
    marionnohel

    O mestre Augusto Nunes, como sempre ,genial em todos seus comentários, esclarecendo mais e mais o que acontece neste nosso amado Brasil.

  22. ROBERTO MIGUEL
    ROBERTO MIGUEL

    o poder corrompe mas o poder do judiciário corrompe muito mais.

  23. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Augusto, que tal elaborar um artigo sobre o “dialogo” entre os ministros André Mendonça e Alexandre de Moraes no julgamento do primeiro réu da farsa do golpe de 8 de janeiro, para que todos saibam a escancarada irritação aos comentários de André que como ex ministro da Justiça afirmou que os Palácios não seriam invadidos, e a vergonhosa defesa que Alexandre de Moraes fez de Flavio Dino.
    Vale ressaltar a fala de André Mendonça que disse pacificamente não estar advogando para ninguém.

    1. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
      Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

      Temos que lembrar e lembrar e lembrar.
      O cara é completamente louco.

  24. Leonardo Abreu
    Leonardo Abreu

    A memória dos fatos é contundente

  25. Geraldo marques da silva
    Geraldo marques da silva

    Não tinha prestado atenção

  26. Hugo Henrique Saramago
    Hugo Henrique Saramago

    Dá vergonha e ao mesmo tempo indignação de estar acompanhando a destruição da liberdade e não ter como reagir!

  27. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O povo brasileiro sabe o que eles fizeram no verão no inverno e em todas as estações dos anos 2003 a 2016 e 2023

  28. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Alguém colocou uma poção mágica na água que os ministros bebem no STF.

  29. Alem Alberto Chedid
    Alem Alberto Chedid

    Muita colagem! Fraco.

    1. Vanderlei Zanetti
      Vanderlei Zanetti

      “O direito de procurar a verdade implica também um dever; não se deve ocultar nenhuma parte do que se reconheceu ser a verdade.”
      – Albert Einstein

  30. Paulo Henrique Orlato Rossetti
    Paulo Henrique Orlato Rossetti

    Augusto Nunes, simplesmente crucial sua análise. Rumo aos 200 números da Revista Oeste!

  31. Paulo Antonio Neder
    Paulo Antonio Neder

    Artigo magnífico. Sempre é bom recordar.

    1. MNJM
      MNJM

      O q será q aconteceu? Moraes hoje é o maior CENSOR do país, pura canalhice, perseguindo opositores, prendendo, suspendendo redes sociais de jornalistas e políticos ( óbvio de direita) um monstro q com sua tirania levou um cidadão a morte.

  32. Aeduardo
    Aeduardo

    Substituir na manifestação feita a expressão:
    Anistia presidencial por “graça/indulto presidencial”.

  33. Aeduardo
    Aeduardo

    Devemos admitir orgulhosamente:
    Augusto Nunes um exímio ‘sniper’ do jornalismo brasileiro! Onde mira traz documentalmente grafado para a posteridade as incongruências jurídicas a qual estamos submetidos. Para este togado aí existe outra versando sobre a anistia presidencial (caso Daniel Silveira), que escancara a forma interpretativa que utiliza em seus votos impossíveis de não classifica-los como trágicas colisões com ele próprio!
    Estará repetindo o mago comuna FHC em definição de suas ações e aquilo que registrou em livros? Inquirido pela prática -recordemos- declarou: “Esqueçam aquilo que escrevi”.
    Impossível e inútil tentarmos entender esta republiqueta a cada dia mais e mais assustadora.

  34. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Parabéns ao autor da imagem de abertura do texto.

    1. Paulo Henrique Orlato Rossetti
      Paulo Henrique Orlato Rossetti

      com certeza

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