Qual é a finalidade da vida? Quem não tem uma resposta clara para essa pergunta tem um problema. Há várias formas de se perder no caminho da existência. Uma vida pode ser perdida na ilusão do poder, no vício em drogas ou na embriaguez — embriaguez de bebida, de solidão, de ideologia ou de ignorância.
O risco de perder o rumo é grande, porque a maioria das coisas que nos são oferecidas não visa ao nosso benefício, mas ao benefício de quem oferta.
Muito do que comemos não nos faz bem, mas gera lucro. Quase todas as informações que recebemos são irrelevantes ou distorcidas, mas nossa atenção coletiva vale muito dinheiro. Boa parte dos remédios que usamos seria substituída com vantagem por uma boa dieta, mas alimentação saudável não pode ser patenteada.
A satisfação imediata e ilimitada de nossas necessidades e apetites é o caminho para a autopiedade, o hedonismo e a dependência — dependência química, dependência de entretenimento fútil e dependência do Estado.
O cardápio de venenos — físicos, intelectuais e morais — ao nosso dispor é quase ilimitado.
O autointeresse só promove o bem-estar coletivo quando cada um tem consciência do que é bom para si mesmo e daquilo que não lhe convém. A maioria das pessoas não tem essa consciência. Sempre foi assim e sempre será. A maioria das pessoas, desde sempre, cumpre contente seu papel de acordar, trabalhar, comer, trabalhar mais e dormir de novo, até o dia em que não seja mais possível levantar.
Consciência talvez seja o elemento mais raro do Planeta Terra.
A gigantesca sala de espera
Consciência é uma coisa incômoda porque retira do seu portador a doce alternativa da ignorância. Os conscientes sofrem mais e primeiro porque sofrem por antecipação. Os que não estão conscientes só sofrem muito depois, e quase sempre sem saber por que estão sofrendo.
A maioria das pessoas vive anestesiada por escolha própria. Para elas, a verdadeira face da vida é dolorosa demais, assustadora demais e bela demais para ser contemplada sem um filtro. A mídia se oferece para esse papel. O cidadão médio transforma sua vida em uma gigantesca sala de espera onde ele, junto com estranhos, assiste, por toda a eternidade, como disse Shakespeare, a um espetáculo “cheio de som e de fúria, sem sentido algum”.
Não seja o cidadão médio.
Na hora da decisão, a maioria prefere uma certeza errada a uma dúvida verdadeira; a maioria prefere um comando firme equivocado aos riscos terríveis da liberdade.
Seja a minoria.
Esperamos que políticos que vivem imersos no caldo tóxico do poder representem nossas vidas sensatas e ingênuas, e defendam os valores que nos são caros
Quanto mais alto se sobe nos círculos do poder, mais as relações são revestidas por camadas de artificialidade, fingimento, interesse e vício.
Não é uma teoria. É uma constatação.
O caldo tóxico do poder
Esse processo degenerativo rapidamente atinge um ponto irreversível. Para quem vive imerso no ambiente do poder, é impossível reimaginar uma vida na qual relações sejam baseadas em afeto, verdade, respeito, mérito e bondade.
E amor.
É impossível aos poderosos conceber nossas existências.
E essa é uma das contradições da modernidade: esperamos que políticos que vivem imersos no caldo tóxico do poder representem nossas vidas sensatas e ingênuas, e defendam os valores que nos são caros.
Vivamos com essa contradição.
Feliz 2024 a todos.
Leia também “Nunca tão feliz”
Belo texto, Motta.
Acompanho e gosto de seus artigo, claros, com facilidade de compreensão, e com uma seta direcional! Escreva mais vezes. Grato pelo repertório de boas ideias.
Seu texto reflete um pensamento recorrente que tenho, um desejo que sempre me vem à mente ao testemunhar os acontecimentos do último ano: o de ser ignorante, de não conhecer tanto, de não saber tantas histórias do passado desses poderosos… Muitas vezes comentei com meu filho exatamente isso, que a ignorância poderia me dar um alento… mas a consciência me leva a cada dia lutar contra a tristeza e a desesperança…. A consciência nos traz muitos entraves ao otimismo, até mesmo a felicidade no dia-a-dia… mas é preciso lutar… Encontro forças com leituras como essa! Obrigada Motta!
”Alimentação saudável não pode ser patenteada”. Nada mais atual em tempos de covid-19 com a turma da $aúde, com S sifrão.
Excelente Motta! Temos de seguir pela estrada estreita. A outra, larga e espaçosa, leva à perdição.
Tá difícil ser feliz em 2024, políticos entrarão no ringue da eleição para prefeitos, vereadores, irão dá cusparada na cara do outro, ofender mãe, chamando o outro de ladrão, vão dizer que ele quer voltar a cena do crime( lembra alguém essa frase?). E quando anunciarem os vencedores, o perdedor é convidado a assumir secretárias, alguns mais sortudos irão para a que tem maior visibilidade e orçamento. Até até 2026, quando o ringue será montado outra vez.
Brilhante
Brilhante
Arrasou, Motta! Tudo verdade, e devorador de nossas almas. Dá pra ter essa esperança? De que os imersos no poder algum dia conseguirão olhar-nos aqui do lado de fora? Infelizmente, eu não acredito.
Baita texto Motta. Parabéns!!!
Esse Mota faz a gente ficar feliz com um texto que é o raiar do sol. Parabéns revista oeste por essas figuras adoráveis
Oficina de reparos: assinatura da Revista Oeste. Falha minha.
Congratulações! Valeu a assinatura da Gazeta. Que texto bom.
Excelente texto, de um refinamento notável. Parabens ao autor, a quem admiro pela inteligência e textos sofisticados.
Texto maravilhoso e muito necessário atualmente.
A clássica frase que ouvimos de nossas mães “você não é todo mundo!”, se faz mais atual do que nunca!
Quem tem filhos sabe o quão difícil é educá-los para que sejam protagonistas de suas próprias vidas e lutem por seus princípios e valores!
Verdade.