Quanto mais se pensa sobre o caso de genocídio contra Israel, mais horrendo ele se torna. Primeiro, a hipocrisia. Trata-se de uma orgia de falsidade. A Turquia se juntou escandalosamente ao time de governos vergonhosos que apontam um dedo coletivo para Israel. Esse é o mesmo governo turco que nega que sua nação tenha cometido o Genocídio Armênio de 1915, quando 1 milhão de pessoas foram eliminadas da face da Terra. Como parte de um programa de islamização tirânica, os cristãos armênios foram forçados a fazer marchas fatais no deserto, durante as quais um número inimaginável de pessoas morreu. Agora, os negadores do genocídio são juízes do genocídio. Seria engraçado se não fosse tão nojento.
A Turquia está fornecendo “documentos” para a acusação de genocídio da África do Sul contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça (CIJ, na sigla em inglês), em audiência iniciada na semana passada. “Acredito que Israel será condenado”, declarou o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan. Esse é o mesmo Erdoğan que prende pessoas por falarem sobre o Genocídio Armênio. O artigo 301 do código penal da Turquia, que proíbe “insultar a identidade turca”, tem sido usado para processar pessoas que mencionam 1915. Escritores e editores têm sido punidos pelo pecado de dizer “Armênia” e “genocídio” na mesma frase. Agora, esse tirano que pune impiedosamente a discussão sobre o genocídio em sua própria nação acusa Israel de genocídio. Esses são níveis kafkianos de fraude moral.
A Organização dos Países Islâmicos também se juntou ao coro de genocídio contra Israel. Isso inclui a Arábia Saudita, recém-saída do massacre de milhares de pessoas no Iêmen. Sem dúvida, é mais fácil o inferno congelar do que alguma nação aceitar receber lições sobre violência desses fanáticos que chicoteiam e matam seus próprios cidadãos por crimes como apostasia (o ato de abandonar ou renunciar a uma crença ou fé), homossexualidade e por ser uma mulher que reivindica seus direitos.
O Irã também se aliou à África do Sul. Está ficando ridículo. Muito mais pessoas morreram nas guerras do Irã nos últimos 40 anos do que nas guerras em que Israel esteve envolvido desde 1948. No ano passado, o Irã massacrou centenas de seus próprios cidadãos pelo crime de acreditarem que as mulheres são seres humanos. Os curdos, em particular, foram brutalmente atingidos. Multidões foram assassinadas. “Tentaram nos exterminar”, afirmou um curdo. Que o Irã julgue qualquer nação é um espetáculo nauseante, uma inversão da moralidade de proporções orwellianas.
Temos também a África do Sul, a nação que formalizou a acusação contra Israel. Seus juízes imperiosos apresentaram diversas acusações contra o Estado israelense na CIJ na semana passada. Perdoe a náusea. A África do Sul, governada pelo Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), é um dos regimes mais corruptos do mundo. Os herdeiros de Mandela falharam catastroficamente em cumprir sua promessa de uma nação nova e justa. A África do Sul sob esse governo tem algumas das taxas mais altas de assassinato e estupro do mundo. A pobreza está descontrolada. O ANC massacrou trabalhadores negros que estavam apenas fazendo campanha por melhores salários. Não conseguiu combater os ataques assassinos contra os imigrantes do Zimbábue. E governa um país onde, para milhões de pessoas, a vida é curta e brutal. Talvez o ANC devesse guardar parte da solidariedade pelas pessoas em Gaza para seus próprios cidadãos que estão sofrendo.
A esquerda woke ocidental engole tudo isso
Quem mais será chamado para prestar depoimento? Um velho comandante hutu, quem sabe? (Extremistas de origem hutu mataram 800 mil habitantes da minoria tutsi na guerra civil de Ruanda em 1994). Talvez desenterrem Pol Pot para que ele lance sua fúria contra os judeus. (O líder do movimento comunista Khmer Vermelho exterminou cerca de um terço da população do Camboja entre 1975 e 1979). O julgamento de Israel pela CIJ é um dos eventos mais absurdos e sinistros do século 21 até agora. Israel está sendo acusado de uma violência inaceitável pelos praticantes de uma violência inaceitável. E está sendo acusado de desrespeitar de forma imprudente a vida de civis por governantes ricos de nações em que milhares de civis morrem todos os anos de doenças evitáveis, violência política e execução. Está sendo acusado de crimes de guerra por nações que espancam até a morte jovens mulheres que querem mostrar os cabelos. Está sendo chamado de criminoso pelos criminosos.
E, ainda assim, a esquerda woke ocidental continua engolindo tudo isso. Ela está acompanhando os trâmites da CIJ. E parece sentir um prazer perverso ao ver o governo israelense no banco dos réus. Essa esquerda não faz uma única pergunta crítica sobre as credenciais morais dos acusadores de Israel, porque isso turvaria as águas moralistas em que nada e traria uma complexidade incômoda à narrativa infantil que ela criou, em que Israel é o mal encarnado e, portanto, qualquer um que se oponha a Israel é bom.
Qualquer menção à supressão que a Turquia fez de sua história genocida, à barbárie teocrática do Irã ou ao desprezo arrogante do regime sul-africano pelo bem-estar econômico e espiritual de seus próprios cidadãos causaria algo imperdoável: desviar a atenção do que consideram ser a maldade exclusiva do Estado judeu. Assim, ela apenas meneia a cabeça, aliás, aplaude, enquanto corruptos e despóticos acusam Israel.
Esses ativistas ocidentais são tão hipócritas quanto as nações-Estado que apontam um dedo sujo de sangue para Israel. Na Inglaterra, radicais do Partido Trabalhista estão aplaudindo alegremente o julgamento em Haia. São pessoas que fazem pagamentos para o partido que, na última vez em que esteve no poder, matou muito mais pessoas no Oriente Médio do que Israel. E tomam vinho com parlamentares trabalhistas que votaram a favor da intervenção calamitosa da Grã-Bretanha na Líbia, mergulhando grande parte do norte da África em um inferno violento e vazio que faz Gaza parecer relativamente estável. Tente explicar os dois pesos e duas medidas nessa situação pérfida em que a esquerda burguesa fica feliz em apoiar os belicistas britânicos, enquanto vocifera ostensivamente sobre os belicistas israelenses, sem usar a palavra “antissemitismo”. Não é possível. Eu tentei.
Imaginação sórdida
O que tenho a dizer sobre o julgamento de Israel na CIJ e seus apoiadores moralmente cegos: J’accuse. Essa foi a famosa frase de Émile Zola em resposta ao caso Dreyfus na França, na década de 1890, em que o capitão Alfred Dreyfus, um oficial do exército de ascendência judaica, foi acusado de traição por enviar segredos militares franceses para os alemães. Não era verdade. As acusações e a tempestade que elas provocaram foram motivadas pelo antissemitismo. O caso se tornou um escândalo que abalou a Terceira República Francesa no âmago. O grande Zola arriscou tudo quando escreveu uma carta aberta sobre o caso que foi publicada na primeira página de um jornal. “J’Accuse…!” era a manchete. “Vocês acusam Dreyfus de traição, eu os acuso de mentiras escabrosas, comportamento antirrepublicano e antissemitismo”, bradou ele. Precisamos de um grito semelhante hoje.
Dreyfus é vítima da sua “imaginação sórdida”, gritou Zola para os governantes franceses do final do século 19. É vítima da “obsessão com o ‘judeu sujo’, que é o flagelo de nosso tempo”, continua ele. Vocês fizeram de Dreyfus um bode expiatório para os seus próprios pecados, o que levou a esse “espetáculo infame” em que “homens mergulhados em dívidas e crimes têm sua inocência proclamada” enquanto “a própria honra é arrancada [de] um homem com uma vida impecável!”.
Acuso a esquerda ocidental de ser a responsável por toda essa “israelofobia” global. De perder o direito de ser tratada como um ator moral sério ao se alinhar com os demagogos, islamistas e abertamente racistas que arrastaram a única nação judaica do mundo para o tribunal com base nas acusações mais forjadas que se pode imaginar
Claro, nem mesmo os defensores mais fervorosos de Israel o descreveriam como “impecável”. Como todo Estado, ele comete erros, faz coisas erradas. Mas o julgamento do Estado judeu repete assustadoramente o julgamento do judeu Dreyfus. De novo, vemos o emprego da “imaginação sórdida”, em que cada coisa que Israel faz é analisada e julgada como abominável. De novo, vemos homens — ou, neste caso, nações — que estão “mergulhados em dívidas e crimes” e projetando seu próprio sentimento de culpa em um bode expiatório judeu. E, de novo, desta vez não vemos uma nação, mas muitas nações tentando desviar a atenção de sua própria turbulência interna por meio da criação de um espetáculo de acusação — só que agora não é um judeu no banco dos réus; é toda a nação judaica.
Eu acuso
Já ouvimos as sinistras acusações contra Israel. Está na hora de ouvir as nossas acusações contra vocês. Eu acuso a África do Sul de se juntar à guerra santa contra Israel para, cinicamente, cair nas graças das elites do Ocidente. Para tentar transformar sua imagem global em uma nação justa e radical, apesar da falência cataclísmica de sua própria população, que ainda aguarda o enriquecimento e a igualdade que lhe foram prometidos após a queda do Apartheid, 30 anos atrás. Acuso o Irã de apoiar a cruzada jurídica contra Israel como um avanço para seu violento antissemitismo. Como mais uma oportunidade de difamar e isolar o governo israelense para que os judeus que estão lá se sintam obrigados a ir embora.
Acuso a Turquia de apoiar o julgamento de fachada para disfarçar seus próprios crimes genocidas do passado. Para juntar sua culpa genocida e projetá-la em outros, em particular na supostamente maligna “entidade sionista”. Acuso a Turquia de observar esses trâmites descuidados como uma oportunidade de reorganizar as relações de poder no Oriente Médio para sua própria vantagem tirânica; de fortalecer a aliança Turquia-Irã com base no que desejam que seja a repreensão de Israel pela CIJ. Acuso a Turquia de sacrificar a segurança dos judeus em Israel no altar de suas próprias ambições regionais desvairadas.
E acuso a esquerda ocidental de ser a responsável por toda essa “israelofobia” global. De perder o direito de ser tratada como um ator moral sério ao se alinhar com os demagogos, islamistas e abertamente racistas que arrastaram a única nação judaica do mundo para o tribunal com base nas acusações mais forjadas que se pode imaginar. De abandonar flagrantemente seu suposto compromisso com o antirracismo ao encobrir a orgia de violência racista do Hamas que deu origem à guerra atual. E de incentivar os fascistas do Hamas quando divulga a calúnia de que Israel é um Estado genocida. Afinal de contas, se Israel é culpado do pior crime conhecido pelo homem, por que o Hamas não deveria atacá-lo mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez, até que a ameaça nazista que ele representa para o povo palestino seja erradicada? Eu a acuso de dar apoio moral aos fascistas.
Um ato de crueldade
Sejamos claros: acusar os judeus de genocídio é a calúnia mais grave. Arrastar as vítimas históricas da obsessão genocida para o tribunal com a acusação escancarada de genocídio é, para mim, inconcebível. Comparar esses sobreviventes do desarranjo nazista aos nazistas — como muitos esquerdistas e islamitas estão fazendo — é uma inversão imperdoável da moralidade, da história e da verdade. Usar a Convenção do Genocídio, que foi criada depois do extermínio de 6 milhões de judeus pelos nazistas, contra a nação em que muitos descendentes desses judeus residem atualmente não passa de um ato de crueldade. Ela reordena a própria história. E encobre os pecados do mundo ocidental, repassando-os para seus alvos históricos. É uma absolvição egoísta disfarçada de crítica radical. Podemos dizer que é a Absolvição Final.
A vergonha pública de Dreyfus foi motivada por um desejo de “caçar os ‘judeus sujos’”, um desejo que “desonra nossos tempos”, disse Zola. Poucos sequer sonhariam em dizer “judeus sujos” hoje em dia. Mas dizem “israelenses malvados”, “israelenses sanguinários”, “israelenses inequivocamente assassinos”. E desonram nossa época. É isto: eu acuso vocês de desonrar os valores do Iluminismo, da verdade e da razão ao acusar falsamente os sobreviventes do genocídio de serem genocidas.
Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, A Heretic’s Manifesto: Essays on the Unsayable, foi publicado em 2023. Brendan está no Instagram: @burntoakboy.
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Quero um dia ter a oportunidade de conhecer este grande país chamado Israel.
A cada vez que leio a revista, descubro que sou desprovido de conhecimento da história. Eu tenho que ter muita calma pra perdoar minha ingenuidade
E mais uma vez o Brasil do lado errado da história . Esse desgoverno envergonha todo brasileiro de bem !
O ponto alto da brilhante coluna de Brendan O’Neill diz respeito à inversão de valores, fartamente utilizada pela esquerda atuante através de seus influenciadores, os grandes traficantes das falsas virtudes.