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Ricardo Santin, presidente da ABPA | Foto: Divulgação
Edição 201

Ricardo Santin, presidente da ABPA: ‘Aplicar hormônio no frango seria jogar dinheiro fora’

Oeste entrevistou o primeiro brasileiro a comandar o Conselho Mundial da Avicultura

Artur Piva
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As aves e os suínos respondem por cerca de 60% da carne disponível na mesa dos brasileiros. Contudo, a importância do país no setor se estende além da segurança alimentar da população. O Brasil está entre os principais produtores desses alimentos no planeta — e o advogado e cientista político Ricardo João Santin, de 57 anos, sabe disso melhor do que ninguém.

Com a tranquilidade de quem usa a lógica, ele explica por que é um mito dizer que há hormônio na carne de frango. “O bicho é abatido 40 dias depois de nascer, e o hormônio demora 60 dias para começar a fazer efeito”, afirma. “Aplicar hormônio no frango seria jogar dinheiro fora.”

Santin preside a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), a principal representante da indústria de carnes e ovos do país. Em 2024, tornou-se o primeiro brasileiro a comandar o Conselho Mundial da Avicultura — a maior autoridade internacional do setor.

O executivo deixa claro que os ganhos da sociedade com a produção de aves e suínos vão muito além dos alimentos. “Entre empregos diretos e indiretos são 4 milhões de postos de trabalho”, diz.

Em entrevista à Revista Oeste, o presidente da ABPA quebrou mitos e falou da importância dos setores que representa para a humanidade. Confira os principais trechos da entrevista.

Natural de Marau, no litoral gaúcho, Ricardo Santin preside a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) desde 2020 | Foto: Divulgação
O que garante que os criadores não aplicam hormônios nos frangos?

São vários elementos. O principal deles é a impossibilidade física de aproveitamento. O hormônio demora 60 dias para começar a fazer efeito, enquanto o abate ocorre 40 dias depois do nascimento. Ou seja: fazer a aplicação seria jogar dinheiro fora. Além disso, a lei proíbe essa prática.

Quais produtos os suínos e as aves fornecem além de carne, couro e ovos?

É um processo que funciona de modo circular. A ave ou o suíno abatido gera uma série de outros produtos, como adubos orgânicos, óleos e a cartilagem de frango — vendemos ela ao Japão com alto valor agregado, quase US$ 10 mil a tonelada. Além disso, o setor produz insumos e matérias-primas para a indústria farmacêutica e de cosméticos. O pêlo do porco, por exemplo, é usado para fazer pincéis. A pena do frango é uma fonte de proteína em rações para outras espécies. O mesmo ocorre com as vísceras e demais partes não comestíveis desses animais, depois de passarem por processos térmicos que as tornam apropriadas ao consumo. Isso ajuda a abastecer outras cadeias de produção de alimentos, como a de gado bovino em confinamento e a de tilápias.

Quais os maiores ganhos para quem vive desse negócio?

A indústria funciona em um sistema de integração que mantém 500 mil trabalhadores de chão de fábrica. Entre empregos diretos e indiretos são 4 milhões de postos. Cerca de 50 mil famílias produzem, de maneira integrada ou independente. A inserção social é um dos grandes resultados do setor. Ele agrega valor ao pequeno produtor. Talvez seja uma das maiores reformas agrárias do mundo. Nos últimos 50 anos, essas criações fixaram pessoas no campo com melhor qualidade de vida. Produzimos alimentos, adubos, insumos e matérias-primas, sim. Mas, mais do que tudo, o setor gera prosperidade.

Como funciona o sistema de integração entre os pequenos produtores e a indústria?

No sistema integrado com a indústria, o pequeno produtor está protegido das grandes oscilações por lei. O frigorífico fornece o filhote, a ração, a assistência técnica e a garantia de compra. É uma parceria ganha-ganha. O criador tem de possuir a estrutura para manter o animal vivo — o que é financiado com as garantias dadas pela indústria. Essa integração gera qualidade de vida em pequenas propriedades no interior do país. Essas famílias vivem em casas boas, com água, luz, internet e os filhos estudando em faculdades. Há prosperidade e a formação de sucessores. E as novas gerações estão assumindo as propriedades com mais tecnologia, eficiência e sustentabilidade.

O que tornou possível o salto de produção no Brasil?

Para a produção de aves, o grande salto veio por meio do primeiro grande surto de gripe aviária no mundo, que aconteceu em 2004, no Hemisfério Norte. Durante o enfrentamento do problema, o mercado internacional se voltou para nós em busca de mais oferta. Os produtores brasileiros tiveram coragem de investir para crescer naquele momento. Além disso, existe uma série de outros fatores para as duas cadeias terem sucesso no país. O primeiro deles é a vocação do povo para produzir alimentos. O produtor encontrou na integração um sistema sério que garante a segurança do alimento e gera renda. Isso construiu um círculo virtuoso que atraiu mais gente para esse processo. E também existe a disponibilidade de água e de grãos no mercado interno — não tem como fazer a engorda sem isso. E houve o investimento em tecnologia.

Brasil Gripe aviária
Para a produção de aves, o salto veio por meio do primeiro grande surto de gripe aviária no mundo, que aconteceu em 2004, no Hemisfério Norte | Foto: Gilson Abreu/AEN/Reprodução
Quanto o país cresceu no mercado externo?

Na década de 1970, Attilio Fontana, fundador da Sadia, precisou unir 13 empresas para encher um contêiner e fazer a primeira exportação do setor. Atualmente, o Brasil é o maior exportador de carne de frango do mundo e um dos maiores de suínos. As vendas estão em mais de 200 mil contêineres por ano. Houve muita coragem e empreendedorismo para o país chegar ao patamar atual. Exportamos proteína de frango para mais de 150 países. Na cadeia de suínos, os embarques alcançaram por volta de 95 nações. Essas vendas complementam a oferta local de cada país.

Como essa complementação ocorre?

Varia muito. No Catar, onde a produção é pequena, fornecemos 70% do frango consumido. Mas, quando a comparação é feita com o mercado da China, as carnes de aves e suínos brasileiros importadas por eles equivalem a cerca de 4% da produção local. Muitas vezes, o animal não é exportado inteiro. Por uma questão de preferência da população, os chineses importam mais pé do que peito de frango do Brasil, por exemplo. Não temos o hábito de comer o pé. Esse cenário gera uma relação de ganha-ganha, onde o país exporta o que não consome.

“O setor é o que tem mais condições de aumentar a oferta de proteína animal para cumprir a missão de alimentar os 780 milhões de pessoas que passam fome hoje na Terra”

As vendas do pé para a China barateiam o peito servido aqui?

Sem dúvida. Todas as exportações barateiam o preço no Brasil. Por uma regra de comércio internacional, o preço de venda no mercado externo tem de ser superior ao praticado internamente. O contrário disso é chamado de dumping, é proibido e pode gerar um processo na Organização Mundial do Comércio. Então o Brasil vende mais caro quando o produto vai para o exterior. Isso traz mais dólares que ajudam a pagar o custo de produção, barateando o processo. Em 2023, foram mais de US$ 12 bilhões — quase US$ 10 bilhões com frangos e US$ 2,8 bilhões com suínos. Essas cifras são recordes.

A maior parte da produção fica no mercado interno ou vai para o externo?

Aproximadamente 70% da produção de frango fica no mercado interno. Da suína, a média é de 80%. Quanto aos ovos, o consumo nacional é de 99% da produção local. O Brasil produz para o brasileiro e mesmo assim é o maior exportador de carne de frango, o quarto de proteína suína e o quinto de ovos no mundo.

Em 2024, o senhor se tornou o primeiro brasileiro a presidir o Conselho Mundial da Avicultura. Como se sente ocupando esse cargo?

É uma imensa alegria. Participo do Conselho há 15 anos. O Brasil é muito importante para a avicultura. O produto nacional representa 38% do mercado mundial. Ou seja: se não trabalharmos bem, tem gente no mundo que vai passar fome. A carne de aves é a segunda mais consumida no planeta, perdendo apenas para a de suínos. Em dois anos, ela deve voltar à primeira posição. O setor é o que tem mais condições de aumentar a oferta de proteína animal para cumprir a missão de alimentar os 780 milhões de pessoas que passam fome hoje na Terra — e os 2 bilhões de habitantes extras que devem surgir nos próximos 30 anos.

O maior desafio da gripe aviária é evitar uma interrupção no mercado de material genético | Foto: Shutterstock
Qual é o tamanho do Conselho Mundial da Avicultura?

O Conselho tem 23 países, 57 empresas, entre as maiores do mundo, e toda a genética global do setor. Eles representam 70% da produção e mais de 80% da exportação mundial de proteína de aves. O órgão também possui uma cadeira na Organização Mundial de Saúde Animal, o que é muito importante para ajudar a combater mitos sobre o setor e avaliar soluções de sustentabilidade para a cadeia global. Minha grande meta no mandato é trabalhar para que o mundo aprenda a conviver com a gripe aviária sem parar o mercado mundial, especialmente o de material genético.

Como alguns países conseguem conviver com a gripe aviária?

Europa e Estados Unidos conseguem conviver com a doença isolando apenas as áreas afetadas — e não um país inteiro. É essa evolução que queremos fazer. O maior desafio da gripe aviária é evitar uma interrupção no mercado de material genético. Esse é o início da cadeia produtiva. Brasil, Estados Unidos e Europa têm material genético e exportam para todo o planeta, e alguns países pequenos dependem disso para comprar aves reprodutoras e ovos fecundados com a finalidade de manter a produção.

A gripe aviária chegou ao território nacional em meados de junho, mas não às criações comerciais, até o momento. É algo inédito no mundo. De que maneira esse feito foi alcançado?

Com muito esforço em fazer as informações corretas chegarem onde precisam e com a capacitação dos envolvidos e o uso de tecnologia adequada. As aves migratórias transmitem a doença, mas para ela atingir a granja é preciso ser muito descuidado. O produtor daqui se esforça para ter um processo de criação seguro, mantendo um ambiente regulado, com as áreas protegidas por telas e temperatura controlada, aves saudáveis, bem alimentadas, controle de acesso aos locais de criação e água protegida. Outro fator que ajudou: as rotas das aves migratórias ficam na costa brasileira, distantes dos locais de produção. Contudo, o mais importante mesmo foi a ação humana — o esforço para manter a qualidade.

Além da exportação de carnes, ovos e genética, os brasileiros exportam expertise na avicultura?

Sem dúvida, hoje somos protagonistas. O mundo quer cada vez mais ver o que o Brasil tem feito. No caso da segurança biológica, estamos vendendo expertise. Isso acontece porque temos um padrão de produção muito galgado em integração. A empresa mantém uma assistência técnica em contato direto com os criadores e informa sobre os cuidados, confere a aplicação, mostra ao produtor que ele, tomando as medidas certas, mantém o país livre da doença.

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