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Ilustração: Daniel Megias/Shutterstock
Edição 202

Os robôs entram na guerra

A inteligência artificial está transformando o perfil dos conflitos armados — e dispensando os humanos

Dagomir Marquezi
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Estamos entrando na terceira revolução da arte da guerra. A primeira revolução foi a pólvora. Antes, os inimigos tinham que ser mortos um a um com flechas e espadas. A pólvora permitiu a morte cada vez mais à distância, atingindo uma quantidade maior de pessoas de uma só vez.

A segunda revolução surgiu com as armas nucleares. Elas já não matavam grupos de inimigos. A partir de 1945 se tornou possível destruir cidades inteiras, civis e militares, indiscriminadamente. É uma arma de ameaça, não de uso — por enquanto. É tão poderosa que, depois da estreia nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, nunca mais foi usada.

A terceira revolução da guerra ainda está na fase do ensaio. São armas-robôs, ou robôs armados, à base de inteligência artificial. Elas possuem a capacidade de agir por conta própria. Sabem analisar quem é o inimigo e qual é o momento de atacar. A ideia é que sejam uma linha auxiliar dos combatentes humanos e que ajam em parceria com eles. Existe o temor de que passem a agir por conta própria.

Ilustração: Robert Kneschke/Shutterstock
‘Enxame de drones’

As forças armadas americanas sabem que ficaram para trás da China nessa área e querem recuperar o tempo perdido. Lançaram o projeto Replicator, que a vice-secretária de Defesa, Kathleen Hicks, descreveu em agosto como “plataformas pequenas, espertas, baratas e muitas”. Um enxame de drones com poder letal. Nas palavras do coronel do exército americano Ryan McCormack para o site Brookings, “sistemas não tripulados pequenos, inteligentes, baratos, para superar em pensamento, em detecção, em manobra, e tirar a sustentação dos adversários”.

Não se trata de uma invenção norte-americana. A Rússia de Vladimir Putin segue sua linha de desenvolver as armas do fim do mundo. Como o Status-6, um torpedo nuclear intercontinental capaz de provocar um “tsunami radiativo”. Israel está adiantado nessa área e chegou a criar um drone militar “pequeno como uma mosca”. A Índia e o Paquistão desenvolvem projetos semelhantes. Até a Coreia do Norte, um país miserável incapaz de dar as mínimas condições de vida à sua população, está desenvolvendo projetos de armas controladas por inteligência artificial.

Em 2020, segundo a revista New Scientist, pela primeira vez um drone Kargu-2 procurou um alvo — um terrorista islâmico — e decidiu por conta propria o momento de eliminá-lo. É o novo soldado já em ação: pequenas naves com a capacidade de inteligência artificial, capazes de escolher alvos e atirar por iniciativa própria. Os Estados Unidos tentaram um acordo de “responsabilidade militar de IA” com outros países que estão desenvolvendo projetos semelhantes: Rússia, China, Irã, Índia, Paquistão. Nenhum desses países topou.

Drone Kargu-2, que tem capacidade de agir autonomamente | Foto: Divulgação/STM
O caos de uma guerra

Segundo a TechLife News, o Pentágono afirma que já possui mais de 800 projetos em teste nessa área. Mas garante que os projetos usam inteligência artificial para “entender melhor o caos de uma guerra”. E que nenhuma dessas armas é capaz de tomar iniciativa.

Um desses cenários é o espaço, cada vez mais congestionado. A China já está trabalhando com a possibilidade de decidir “quem é e quem não é um adversário” entre os milhares de satélites em órbita. A Força Espacial dos Estados Unidos desenvolveu um protótipo chamado Machina para monitorar mais de 40 mil objetos em órbita com a ajuda de uma rede global de telescópios. Outro projeto dos EUA visa a analisar dados de radar para detectar lançamentos iminentes de mísseis.

O uso de inteligência artificial vai além das armas em si. Ela permite a identificação de problemas na frota de mais de 2,6 mil aviões da Força Aérea, muito antes que as falhas ocorram. Identifica também ameaças de segurança a ações de sabotagem. 

Um projeto experimental com uso de IA chegou ao detalhe de acompanhar em tempo real as condições de saúde e o preparo de uma divisão inteira da Infantaria, com 13 mil soldados. E, assim, reduzir ferimentos e incrementar a performance dos militares. 

O laboratório ucraniano

Toda essa tecnologia tem como laboratório a Ucrânia, invadida pela Rússia de Vladimir Putin. A análise de dados por IA está ajudando a organizar a logística para a assistência militar da coalizão que reúne 40 países. 

hotel Kharkiv ataque russo Ucrania
Um hotel em Kharkiv, na Ucrânia, foi atacado por um drone russo | Foto: Reprodução/YouTube

A revista Wired publicou nesta terça-feira uma matéria sobre a realidade da “terceira revolução” das guerras. “Perto da cidade ucraniana de Avdiivka”, começa a matéria, “um robô quadradão percorre uma estrada rochosa e rachada. Serpenteando de um lado para o outro, o robô — uma máquina de quatro rodas, na altura dos joelhos — transporta carga e munição para as tropas russas. No entanto, está sendo observado. Pairando sobre a estrada, acompanhando os movimentos do robô, está um drone ucraniano. De repente, outro drone se choca contra o robô, fazendo-o em pedaços”.

As guerras do século 21 são o oposto das grandes massas de soldados e armamentos se deslocando pelo terreno inimigo. A rede de sensores e de vigilância se tornou tão vasta que é possível em teoria visualizar o que está acontecendo em qualquer parte do mundo

Milhares de drones estão sobrevoando os campos de batalha da Ucrânia, e nada passa despercebido aos seus sensores. Segundo a matéria da Wired, “existem robôs logísticos, que podem transportar suprimentos para as linhas de frente; robôs de evacuação, que transportam pessoas feridas; e robôs ligados ao combate, como aqueles que podem colocar ou destruir minas terrestres e ter explosivos ou armas anexados. Esses robôs são em grande parte controlados remotamente por humanos — há pouca autonomia — e operam a alguns quilômetros de distância”.

A rede britânica de televisão ITV mostrou um desses robôs em ação. Ele é basicamente uma maca sobre rodas armada com uma metralhadora, comandada por um controle de videogame. O robô pode entrar no campo de batalha, recolher os feridos e atacar os inimigos, sem arriscar vidas adicionais.

Guerra de vigias

As guerras do século 21 são o oposto das grandes massas de soldados e armamentos se deslocando pelo terreno inimigo. A rede de sensores e de vigilância se tornou tão vasta que é possível em teoria visualizar o que está acontecendo em qualquer parte do mundo. O general Mark Milley disse à TechLife News que para sobreviver no campo de batalha é preciso usar unidades pequenas, quase invisíveis, que se movam rapidamente. “O que você pode ver você pode mirar”, disse o general Milley. 

Esse novo conceito de guerra — que exige respostas muito rápidas — está criando a integração entre homens e máquinas. A Força Aérea americana está criando um programa em que o piloto de um caça F-16, por exemplo, é acompanhado por drones que cumprem papéis complementares, como explorar o território, atrair o fogo inimigo ou atacar alvos. É o projeto chamado Loyal Wingman (ou “ala leal”).

Robôs contra robôs

Os criadores dessas novas perspectivas de combate estão tendo que equilibrar o poder de fogo com limitações éticas. O técnico em inteligência artificial Craig Martell define assim a questão: “Independentemente da autonomia do sistema, sempre haverá um agente responsável que entende as limitações do sistema, treinou bem com o sistema, tem confiança justificada de quando e onde ele pode ser implantado — e sempre assumirá a responsabilidade. Isso nunca deixará de ser o caso”.

O cenário que se desenha foi descrito por Zeng Yi, um executivo da empresa chinesa Norinco, desta forma: “Nos campos de batalha do futuro não haverá pessoas lutando”. Serão robôs contra robôs. Um trailer desse panorama está no clipe abaixo. O clipe é falso, o robô não existe, foi criado por computação. Mas dá uma ideia do que poderá ser um robô-soldado num futuro próximo:

YouTube video

Seria bom que nada disso fosse necessário. O mundo poderia viver sem fronteiras, em irmandade, como na canção de John Lennon Imagine. Mas na realidade estamos vivendo uma guerra mundial contínua, com breves intervalos, pelo menos desde 1914.

Esta terceira revolução das armas pode dar muito errado, mas enquanto estivermos em guerra elas serão desenvolvidas, por governos democráticos e por ditaduras. E a vitória de um lado ou de outro vai depender de quem tiver as melhores armas e a melhor estratégia.

O desenvolvimento dessas armas com vontade própria carrega obviamente perigos inéditos. Podemos chegar a um ponto em que, por exemplo, os drones decidirão seus alvos por reconhecimento facial. Poderão escolher matar quem tiver determinadas características raciais.

A ONU está propondo um tratado para controlar os chamados sistemas autônomos de armas: “Apelamos aos líderes mundiais para que iniciem negociações sobre um novo instrumento juridicamente vinculativo para estabelecer proibições e restrições claras aos sistemas de armas autônomas e para que concluam tais negociações até 2026. Instamos os Estados-membros a tomarem medidas decisivas agora para proteger a humanidade”.

Muito bonito. Mas, depois que foi documentada a participação ativa de membros da ONU ao lado do Hamas no massacre de 7 de outubro, ficou difícil levar a sério que a Organização das Nações Unidas deseje “proteger a humanidade”.


@dagomir
dagomirmarquezi.com

Leia também “VPN: uma arma contra o autoritarismo”

7 comentários
  1. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    O ultimo paragrafo foi o melhor.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Realmente fica difícil levar a sério a ONU.

  3. Renato Perim
    Renato Perim

    O último parágrafo é o mais verdadeiro de todo o texto.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    A ONU e a nova ordem mundial querem a agenda 2030 cumprida, talvez não dê tempo. Como foi que aquele Arnô Shuarzengue matou aquele terrorista árabe por conta própria? Difícil de acreditar

  5. jose carlos gomes
    jose carlos gomes

    Muito dinheiro para criar morte e destruição.

  6. Ana Kazan
    Ana Kazan

    Infelizmente não parece que jamais poderemos viver em irmandade.

  7. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    “*GUARATINGUETÁ SP BR*” #AcordaBrasil – Um DESgoverno. Como diz a Ana Paula *TRANCA A PAUTA*

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