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Rodrigo de Melo Teixeira, diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal, na Comissão de Segurança Pública (CSP) | Foto: Montagem Revista Oeste/Ton Molina/Estadão Conteúdo
Edição 209

Uma chanchada de democracia

Em vez de passar por um controle imigratório, o jornalista português Sérgio Tavares passou por um controle do pensamento

Flávio Gordon
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“A República Democrática da Alemanha defendia da boca para fora as instituições democráticas. Havia promotores públicos, cujo trabalho era fazer justiça; advogados, cujo trabalho era defender seus clientes; e juízes, cujo trabalho era julgar. Ao menos no papel, existiam outros partidos políticos, além do Partido Socialista Unitário, no governo. Mas a verdade é que só existia mesmo o Partido e seu instrumento, a Stasi. Com frequência os juízes recebiam ordens da Stasi, a qual, por sua vez, apenas repassava o que o Partido determinava — e isso incluía até mesmo o resultado de um julgamento e a extensão da sentença.”
(Anna Funder, Stasilândia: Como Funcionava a Polícia Secreta Alemã)

Rodrigo de Melo Teixeira, diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal, recebeu uma missão ingrata na última terça-feira, 19. Enviado como substituto do diretor-geral Andrei Rodrigues, que preferiu não comparecer ao evento, Melo Teixeira esteve no Senado Federal para tentar justificar o injustificável: o tratamento dado ao jornalista português Sérgio Tavares, detido e interrogado por quase cinco horas na delegacia do Aeroporto de Guarulhos, ao desembarcar no Brasil para cobrir o grande Ato pela Redemocratização, ocorrido na Avenida Paulista em 25 de fevereiro.

Recorde-se que, quando do ocorrido, confrontada com a péssima repercussão internacional do caso — que comprometia a pose de “salvador da democracia” propagandeada pelo regime lulopetista —, a Polícia Federal divulgou uma nota por meio de sua assessoria de imprensa justificando a medida como um procedimento-padrão de fiscalização do “visto de trabalho” do profissional de imprensa. Mas a justificativa não parava de pé, e não convenceu ninguém de fora do ciclo de bajuladores e apaniguados do regime. Segundo a lei brasileira, e ao contrário do que afirmou a instituição policial, “cidadãos da União Europeia que viajem ao Brasil para exercer atividade jornalística estão isentos de visto para estadas de até 90 dias, desde que a atividade não seja remunerada por fonte brasileira”. Eis o que consta no próprio site do Ministério das Relações Exteriores. Sendo que Tavares é cidadão da União Europeia, não foi remunerado por fonte brasileira, e certamente ficaria menos de 90 dias no país, não lhe era exigido apresentar visto algum.

No dia 29 de fevereiro, em reação à nota, o jornalista português publicou um vídeo em suas redes sociais anunciando a intenção de apresentar uma denúncia contra a Polícia Federal no Tribunal Penal Internacional. Exibindo provas de que a PF mentiu ao justificar o excêntrico procedimento, Sérgio Tavares afirmava que, durante o interrogatório, em nenhum momento lhe questionaram sobre visto de trabalho. Em vez disso, perguntaram-lhe sobre suas opiniões referentes a eventos da nossa vida política e a autoridades públicas brasileiras, notadamente Flávio Dino e Alexandre de Moraes. Ou seja, o episódio revelara ao mundo a realidade por trás da chanchada de democracia apresentada pelo regime e seus apparatchiks: um jornalista estrangeiro detido por uma polícia política, interrogado e intimidado por causa de suas opiniões, num procedimento típico das mais caricatas e totalitárias ditaduras latino-americanas.

Sérgio Tavares, jornalista português detido no aeroporto pela Polícia Federal | Foto: Revista Oeste

Ao longo da audiência no Senado, as falas do diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal só confirmaram essa realidade sombria. Embora, por óbvio, o depoente tivesse sido orientado a negar qualquer orientação política na detenção do jornalista português, as tentativas de explicação por parte de Rodrigo de Melo Teixeira só evidenciaram que a nota divulgada anteriormente pela PF, segundo a qual tudo se limitara a um procedimento-padrão de averiguação do visto de trabalho, não passou, na verdade, de uma mentira deslavada. E evidenciaram também, para quem ainda tivesse dúvida, o regime de exceção em que o Brasil está metido, no qual inexiste ordenamento jurídico e qualquer resquício do princípio de isonomia, ambos substituídos pelo arbítrio das paixões político-ideológicas e das opiniões subjetivas de magistrados, procuradores e autoridades policiais. No país em que, contrariando expressamente a lei, juízes creem-se imbuídos do papel de “combater a extrema direita” e “derrotar o bolsonarismo”, já não surpreende que, com espantosa e quase inocente naturalidade, um diretor da Polícia Federal recorra abertamente às narrativas políticas veiculadas pelo governo, e utilize um jargão politicamente motivado à guisa de linguagem técnica, para justificar o uso ilegítimo da força contra um cidadão inocente.

E foi precisamente isso — talvez por um cálculo equivocado sobre a extensão e a duração de sua salvaguarda momentânea, já que um estado de exceção não dura para sempre — o que fez Rodrigo de Melo Teixeira ao ser confrontado pelos senadores, não sem um certo constrangimento e nervosismo. Depois de admitir que monitorava as postagens do jornalista português em suas redes sociais, mas sem jamais explicar os critérios utilizados para a seleção dos alvos, Melo Teixeira tentou mais uma vez negar a motivação política do monitoramento. As razões para incluir Sérgio Tavares numa lista que a PF chama de “alerta” — e que se diferencia da lista de “restrições”, por não carecer de ordens judiciais e se limitar a “entrevistas” com os suspeitos — seriam aquelas suas postagens que, nas palavras do diretor-administrativo da PF, “beiram um aspecto criminal” ou “flertam com a criminalidade”. Como exemplos de tais postagens, foram mencionados supostos “ataques à honra de ministros da Suprema Corte”, críticas às urnas eletrônicas e apoio ao “movimento golpista do 8 de janeiro” (sic).

Chama a atenção, em primeiro lugar, o subjetivismo da argumentação, toda feita de linguagem figurada. Há algum sentido técnico em expressões como “beirar” o crime ou “flertar” com o crime? Qual seria essa zona misteriosa de liminaridade entre o crime e o não crime na qual adentrou o jornalista Sérgio Tavares? Qual é o grau de aproximação necessária do crime para ensejar uma medida de força? Teria o jornalista colocado um dos pés no crime e mantido o outro fora? Metade do corpo? Três quartos? Como identificar o criminoso segundo essa concepção analógica — antes que digital — de criminalidade? Ora, como bem observou em seu perfil no X o advogado constitucionalista André Marsiglia, colunista do portal Poder360: “Crime não tem beira nem faz flerte. Se, no entendimento da polícia, ficou na beira, no flerte, então não houve crime, e ele não deveria ter sido detido no aeroporto”.

Apesar de seu esforço, o diretor-administrativo da PF fracassou em retratar como procedimento normal aquilo que foi um claro exemplo (mais um!) de instrumentalização político-partidária da instituição

Alarmante também foi a tentativa de justificar a detenção do jornalista estrangeiro com base no argumento de que os crimes contra a honra — a injúria, a calúnia e a difamação — são tipificados na lei brasileira. Ocorre que Sérgio Tavares não foi condenado, nem sequer processado, por injuriar, caluniar ou difamar alguém no Brasil. Portanto, a alegação de que o jornalista cometeu crime contra a honra de ministros do STF não passou de uma opinião subjetiva dos agentes policiais responsáveis por elaborar a lista de “alerta” de controle imigratório. A presença de subjetividade ali onde deveria haver critérios objetivos e normativamente amparados foi agravada pelo uso do linguajar político corrente, uma vez que, sem apresentar as provas que lhe foram solicitadas pelos senadores, o diretor-administrativo da PF alcunhou de “ataques” à honra dos ministros do STF — uma formulação oriunda dos setores antibolsonaristas da imprensa — as manifestações críticas de Tavares.

Também contaminada com o jargão utilizado por um dos lados do espectro político nacional foi a fala de Melo Teixeira referente aos acontecimentos de 8 de janeiro, por ele qualificados inequivocamente de “atos golpistas”, apesar de ser esse um juízo controverso e parcial, do qual discordam, inclusive, pessoas de esquerda — a exemplo de Aldo Rebelo, ex-ministro de Lula e Dilma — e o próprio ministro Gilmar Mendes, segundo quem “não houve, de forma muito clara, uma tentativa de golpe”. Tampouco foram exibidas as provas do suposto apoio do jornalista português ao que, ainda em referência ao 8 de janeiro, e advertido por senadores quanto ao viés do adjetivo “golpista”, o delegado da PF passou a chamar apenas de “quebradeira”.

Como dito acima, foi ingrata a missão de Rodrigo de Melo Teixeira. Apesar de seu esforço, o diretor-administrativo da PF fracassou em retratar como procedimento normal aquilo que foi um claro exemplo (mais um!) de instrumentalização político-partidária da instituição. As perguntas feitas ao jornalista estrangeiro (segundo quem, aliás, elas vieram por telefone direto de Brasília) foram perguntas políticas, bem como políticos foram os critérios para o seu monitoramento. Ao fim e ao cabo, restou claro que, em vez de passar por um controle imigratório, Sérgio Tavares passou por um controle do pensamento — um controle ideológico.

Prédio da Polícia Federal | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

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9 comentários
  1. Joel Luiz Oliveira Rios
    Joel Luiz Oliveira Rios

    Quem JÁ FOI a polícia federal hem! Doravante será a fase do JÁ ERA desta mesma instituição. Enquanto estiver sob o comando dos socialistas/comunistas graças a Deus, será disto pra pior. Triste fim de uma nação, que se não conseguir que seu valoroso povo acorde pra todas estas aberrações e truculências do Estado brasileiro fatalmente estaremos todos malogrados e infelizes por gerações.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Bota logo Fátima Bezerra pra ser diretora geral da polícia federal, porque com esses policiais analfabetos não tem chefe melhor. Faz feito o ministério de Lula, são 38 analfabetos com o orçamento na mão esperando que o ladrão analfabeto deles diga o que fazer. Enquanto não chega a ordem pode ir gastando como quiser mas deixa os 40% do chefe. Que país desmoralizado, um continente venezuelano

  3. A-DDS
    A-DDS

    Esse sujeitinho aí carece de total vergonha na cara. Um lambe botas do tirano de plantão. O cargo que ora ocupa certamente não foi conquistado por qualquer resquício de mérito. É mais que evidente a nomeação por motivos inequivocadamente políticos. As justificativas apresentadas constituem um emaranhado de mentiras. O que dirão seus colegas que fazem parte da grande Polícia Federal? Definitivamente devem se sentir envergonhados de trabalhar na mesma instituição hora controlada por uma corja.

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Vergonhoso. Ainda tem a cara de pau de usar estas palavras, ”flertam”, ”beiram”.
    Rodrigo de Melo Teixeira é mais uma peça no xadrez desta quadrilha instalada no poder atualmente em Brasília.

  5. Arthur André Leto Barreto
    Arthur André Leto Barreto

    Só falta a camisa parda.

  6. Fernando S
    Fernando S

    Faltou o comentar o pífio questionamento e ação
    dos senadores presentes ao que se limitou a ser
    uma entrevista com o diretor da PG.

  7. Sidevaldo Macedo
    Sidevaldo Macedo

    Até quando? E o Congresso Nacional, hein? O Rodrigo Pacheco e o Artur Lira, nada farão? Vamos acordar, povo!

  8. Léo Pasqualine Filho
    Léo Pasqualine Filho

    O que falta para a PF virar uma Stasi ou Gestapo? Infelizmente um alto dirigente da PF vai ao Senado e tenta justificar o injustificável, considerando que o procedimento foi legal, e não acontece nada. Vida que segue.

  9. Paulo Ricardo
    Paulo Ricardo

    Li faz pouco tempo o livro “Um conto de duas cidades”, em que Charles Dickens retrata a ditadura assassina em que se transformou a Revolução Francesa, com a criação de um arremedo de Justiça destinado a condenar a penas drásticas os que o regime desejava eliminar, e conferir assim aparência legal ao que era apenas arbitrariedade, crueldade e vingança. Vendo o delegado falar, lembrei que os carrascos do regime revolucionário francês também dispensavam a todas as suas vítimas o tratamento de “cidadão” e “cidadã”. Parece que aquela máxima de que a história se repete como farsa está em pleno vigor no país.

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