“Sobre os deuses, não sou capaz de saber nem se eles
existem, nem se não existem, nem como eles são em forma,
pois muitas coisas impedem o conhecimento, como a
obscuridade do assunto e o fato de a vida do homem ser curta.”
Essa declaração do pensador grego Protágoras (490-420 a.C.) pode ser considerada a primeira manifestação conhecida contra a censura. Protágoras colocou em dúvida a existência dos deuses gregos. Em consequência, seus livros foram queimados e ele foi exilado de Atenas. Na mesma época (443 a.C.), o Império Romano estabeleceu o cargo de censor, o funcionário que “regulava a moral” dos cidadãos.
Estamos, portanto, há quase 2,5 mil anos ouvindo falar em regulamentação das nossas atitudes e pensamentos. Protágoras colocava essa questão de um ponto de vista individual. Cada um de nós pode pensar o que quiser, desde que esteja ciente das consequências. Já os censores romanos, os reis medievais, os regimes totalitários e os juízes do Supremo Tribunal Federal brasileiro acham que o Estado precisa determinar o que cada indivíduo pensa.
A luta entre esse dirigismo estatal e a vontade do indivíduo se manifesta hoje na briga do ano entre o juiz Alexandre de Moraes e o empresário Elon Musk. E revela o óbvio: a censura é estatal; a liberdade é individual.
Difícil de desligar
O problema para os autoritários é que a natureza da repressão permanece mais ou menos a mesma. O Estado proíbe, processa e manda prender. E já não estamos mais numa época em que censurar jornais e emissoras de rádio e TV era o suficiente para manter a população no escuro. Com a internet e as redes sociais, hoje cada um pode ter seu próprio jornal e televisão. Centenas, milhares dando suas opiniões e transmitindo notícias. Censurar nesse ambiente caótico está ficando cada vez mais difícil.
O acesso à internet é fundamental. E acima de nossa cabeça já existem 5 mil pequenos satélites Starlink (uma das empresas de Elon Musk) espalhando o sinal da internet por regiões aonde esse acesso não chegava. Logo esses 5 mil minissatélites serão 12 mil, e o plano é chegar a 42 mil. Quem tiver um receptor em qualquer ponto da superfície terrestre estará conectado ao resto do planeta.
Para os tiranos do mundo, essa rede é um pesadelo. Quem resolver anular essa conexão via Starlink vai ter que mandar policiais de casa em casa, de fazenda em fazenda, para fazer uma operação de busca dos receptores do sistema. Não existe um botão de desligar geral, pois o contato é direto entre o usuário e o satélite. Para complicar ainda mais, os aparelhos são móveis e funcionam em carros e barcos.
Para completar esse ciclo, a empresa SpaceX também lança os foguetes que colocam os satélites em órbita. Assim, as empresas de Musk dirigem todas as fases do processo: instalação, manutenção e distribuição do sinal. Um sistema que se torna a cada dia mais difícil de ser desligado. Porque é privado.
O mapa da liberdade
Mesmo no país-sede do sistema Starlink ficou difícil interromper esse processo. A agência de telecomunicações dos Estados Unidos (Federal Communications Commission, ou FCC) só conseguiria desligar o sistema com a colaboração do operador. E quem colocou os satélites em órbita? A empresa SpaceX, de Elon Musk.
Aliás, o governo norte-americano hoje usa os serviços da SpaceX para acessar a órbita terrestre. Assim como Prometeu tirou o fogo dos deuses, Musk tirou do Estado o monopólio da exploração espacial.
Para se comunicar à rede Starlink, o usuário paga um preço pelo equipamento e uma mensalidade. No Brasil, o serviço está disponível em todo o território nacional, com exceção de três manchas relativamente pequenas na Amazônia:
A Starlink já atende toda a América do Sul, com exceção da Venezuela (que, por ser uma ditadura, nunca permitiu que o serviço fosse instalado), Bolívia, Guianas e Uruguai — estes três últimos serão atendidos em breve, segundo a empresa. No resto do mundo, a Starlink só não chega, nem vai chegar por enquanto, em países sob domínio de ditadores: Cuba, Bielorrússia, Irã, Iraque, Afeganistão, Síria, Rússia, China e Coreia do Norte.
Os satélites estão a 550 quilômetros de altitude, uma camada baixa da órbita terrestre, o que permite uma alta qualidade do sinal. A troca de sinal com o usuário leva cerca de 25 milissegundos — ou seja, ocorre 40 vezes por segundo. Isso é 24 vezes mais rápido que a velocidade proporcionada pelos satélites convencionais.
Foi a iniciativa privada, através de Elon Musk, que possibilitou essa garantia de liberdade para todo o mundo. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, foram os satélites Starlink que permitiram que a população ucraniana continuasse em contato com os outros países. (Hoje, alguns invasores russos estão pirateando o sinal, já que nada é perfeito.)
Outras empresas oferecem serviços semelhantes — como a Hughes e a Viasat. Mas nenhuma delas tem o alcance global da Starlink. E não adianta aos censores do mundo centrar fogo em Elon Musk e sua Starlink e achar que o problema do controle de pensamento estará resolvido.
A Amazon de Jeff Bezos tem um projeto semelhante, o Kuiper. Os dois primeiros satélites experimentais foram lançados em outubro de 2023, e a empresa espera começar suas atividades comerciais até o final deste ano. Para alcançar esse objetivo, a Amazon planeja implantar milhares de satélites em órbita terrestre baixa (LEO, na sigla em inglês) ligados a uma rede global de antenas, fibra e pontos de conexão à internet no solo. O projeto pretende lançar 3.236 satélites, metade dos quais até julho de 2026. Os controladores de mente terão que lidar com dois gigantes ao mesmo tempo.
Mas vamos imaginar que o governo brasileiro consiga dar um jeito de “regulamentar” as redes sociais. E determinar o que podemos ler ou assistir. O regime controla a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Um censor passa a ter o dedo sobre um botão liga/desliga para decidir o que é de “extrema direita” e o que é “antidemocrático”.
Mesmo assim não vai conseguir o controle total. A mesma iniciativa privada que nos proporciona a Starlink e o Kuiper criou um sistema chamado rede privada nacional (em inglês, virtual private network — VPN), que já foi amplamente recomendado aos brasileiros por Elon Musk.
A liberdade neste século 21 está se tornando uma força incontrolável
Endereço oculto
Como funciona a VPN? Quando entramos na internet, somos identificados com um número: o protocolo da internet (em inglês, internet protocol — IP). Se o regime não quer que os brasileiros acessem um site (como o X/Twitter), ele bloqueia o acesso ao site a todos os IPs localizados em território brasileiro.
Com a VPN, ninguém acha você mais. Seu IP se torna oculto e mutável. E você pode entrar na internet através de redes instaladas em países livres, como Alemanha, Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, Japão, Israel etc. É como se você estivesse fora do Brasil. E, portanto, longe do controle de nossos burocratas.
A liberdade neste século 21 está se tornando uma força incontrolável. E, enquanto os regimes repressivos continuarem agindo da mesma maneira, as formas de escapar do controle deles seguirão se aperfeiçoando e se renovando a cada dia.
Como Protágoras, estamos tendo o direito de não reconhecer mais o poder dos deuses, que antes ficavam no Olimpo e agora decidem nosso destino nos tribunais. E a tecnologia de ponta está ao lado da liberdade.
Leia também “O universo Musk”
Se o Congresso brasileiro não cala Alexandre de Moraes e sua sanha de total desrespeito às leis estabelecidas, alguém de fora teve que fazê-lo.
Muito bom, ar de esperança.
Esse VPN pra quem é leigo é muito difícil de usar, vamos ficar na mão dos controladores…
Alexandre o grande tá se tornando Alexandre o micro, na mão de Elon Musk. Mexe com quem tá queto, olha o satélite!!!!!!!!!!!!!
Texto muito bom, nformativo e inspirador, merece apenas um pequeno reparo: pela data apresentada, a função de censor foi criada durante a República Romana, pois o Império só começou em 27 a.C.
Viva La liberdad, Carajo!